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Chacal
Escritor, letrista e poeta critica a criação artística voltada ao mercado
Então, é preciso escolher: o corpo vestido, virginal; o corpo despido, devassado. Porém, nesse caso, quem delibera não é a dona do corpo, mas o “outro”, não apenas o masculino, mas também o “social” . Quantas vezes as mulheres se vestem para quem as julga? E quantos desses julgamentos não são duros, preconceituosos? Muitas delas vão a público “vestindo” essas sentenças. Ainda pesa sobre a mulher, que precisa escolher entre ser santa ou diaba, a decisão: ela será perfeita e jovem, sem mácula (o que significa dizer: não será gorda, não terá estria, celulite ou ruga).
Eis que surge o paradoxo: se, para ser aceita socialmente, deve ser pudica e perfeita, como olhar para si e enxergar a sua contraparte arquetípica, a “mulher construída”, presente a cada piscadela? São as Vênus da publicidade, as Lilith do sexo, musas que empestam os produtos midiáticos e publicitários, desafiando qualquer mulher de carne e osso a equipará-las, superá-las. Evidentemente, isso coloca em conflito as fêmeas, que precisam tomar decisões sobre como enfrentar tais imposições. Claro, há uma gama variadíssima de estratégias nesse sentido, que percorrem a escala da sujeição radical à reação radical.
Supomos que a sujeição não seja uma estratégia eficaz, porque não transforma – aquieta-se, acanha-se, acomoda-se. Isto, quando não significa a anuência e o apoio a sentenças decrépitas (contra si mesma...).
Nesta edição, preferimos olhar para a segunda estratégia, a da reação. Sim, movimentos feministas já varreram muito esse chão, já limparam o território antes de chegarmos aqui e a elas somos gratas. Mas, hoje, têm ocorrido manifestações que desagradam tanto a conservadores quanto a progressistas, pelo seu caráter ambíguo.
Atos como a Marcha das Vadias são um acinte e surgem como resposta a pronunciamentos como o do policial canadense, que disse que se as mulheres não se vestissem como “vadias” elas seriam menos agredidas. Mulheres que saem às ruas com os microtudo são as “cachorras”, mas elas estão apoderando-se do que lhes pertence: o próprio corpo. São questões nada tranquilas como essas que nos propomos a tratar aqui.
A senhora que posa na capa nasceu Maria das Dores, no interior de Pernambuco, e, desde pequena, gostava de andar nua, o que causava desconforto à sua família. Um dia, decidiu que ia mudar-se de cidade e de nome. Hoje, Vera, 70 anos, comemora 50 como modelo nu em São Paulo, profissão com a qual conquistou a liberdade sempre sonhada.
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