Na modalidade Juvenil, foram premiados o carioca Pedro Henrique Barros, com O dia em que os gatos aprenderam a tocar jazz, em primeiro lugar; o também carioca João Paulo Vaz, com A valente princesa Valéria, na segunda posição; e a paulista Viviane Veiga Távora, com O decifrador de poemas, na terceira. A coleção inclui ainda A casa mágica, de Maria Amélia de Almeida, que não foi selecionada no concurso, mas compõe o conjunto de obras.
Editar livros para a criança é pensar a criança, investigar e pôr em prática o compromisso que se tem em selecionar livros e publicá-los para esse público. Nesse sentido, o concurso da Cepe parece estar buscando “o caminho das letras”. Em um encontro com o escritor Ilan Brenman, durante o programa Literato, produzido pelo Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza (CE), ele defendeu uma literatura infantil e juvenil livre da ideologia do “politicamente correto”, que não se prenda ao interesse de “dar lições” ou moralizar a criança. Brenman, que tem mais de 50 livros publicados, é adepto de uma escrita que respeita a inteligência e a sensibilidade da criança e do jovem leitor.
E criança precisa ser tratada como tal. E assim é em O mar de Fiote, A valente princesa Valéria e O decifrador de poemas, livros que, cada um em sua categoria e à sua maneira, estimulam os sentimentos e a cognição dos pequenos leitores. O mar de Fiote apresenta uma narrativa cativante, apesar de extensa para os mais novos, que tem o único compromisso de encantar, fazendo referências ao imaginário infantil: o chapéu de papel, os medos, o cachorro, os mundos paralelos, as irmãs chatas, o mar e o desejo de navegar.
Poético, ele mesmo, O decifrador de poemas narra a história de dois gêmeos que ficam órfãos e, no orfanato, criam uma engenhoca que batizam de “decifrador de poemas”. E é nos versos de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Elias José e Tatiana Belinky que eles encontram a cura para as suas tristezas e inquietações – além de uma nova família.
Quanto ao A valente princesa Valéria, teria sido ótimo se o roteirista do filme Valente, de Walt Disney, recentemente visto no Brasil, tivesse lido esse livro antes de escrever seu roteiro. A obra literária é o famoso conto de fadas às avessas, no qual a princesa salva o príncipe (que vira sapo e prefere o estado animal por um tempo) da bruxa-dragão e até dele mesmo: da acomodação, da gula, da baixa autoestima e da tristeza, mas sem apelos psicológicos. No fim das contas, salvam-se os dois: ele, de tanto temor, ela, da impulsividade.
Ilustração de Simone Mendes para o livro Maria das vontades, de Adriana Victor.
Imagem: Reprodução
Já O dia em que os gatos aprenderam a tocar jazz tem um ritmo vibrante, empolgante, noturno, que soa como o próprio jazz, além de dar dicas sobre a história do gênero musical, mas traz uma linguagem muito mais dos blogs, do mundo virtual, que dos livros. Maria das vontades parece trazer em si mesmo a vontade de salvar a criançada. Como à obra falta uma pequena apresentação da personagem-título, a sensação que fica é a de que, para Maria, resta a lição, antes mesmo da trela, da bagunça.
A casa mágica é cheio de sinestesias, talvez inalcançáveis para o público infantil. Altamente descritivo, o livro tira da criança a fantástica possibilidade de imaginar, fantasiar, inventar, coescrever. O hipopótamo que tinha ideias demais mistura diversas referências a pesquisadores e adoradores das estrelas e dos astros, como astrólogos, índios e astrônomos, para dizer que as ideias que não se concretizam viram estrelas. Mas é um livro ansioso, que se perde em meio a tantas referências.
Uma história traz consigo inúmeras possibilidades de cognição. Ao levar a literatura infantil para a sala de aula, o educador estabelece uma relação dialógica com o aluno, o livro, sua cultura e a própria realidade. Ao contar uma história, ele cria condições para que a criança trabalhe com a narrativa a partir de seu ponto de vista, rememorando fatos, trocando opiniões, assumindo posições frente ao que é contado, defendendo atitudes e personagens e criando situações através das quais as histórias podem ser recontadas pelas próprias crianças.
De acordo com Fanny Abramovich, escritora, pedagoga e atriz, autora do livro Literatura infantil: gostosuras e bobices (Scipione), ler histórias para crianças é suscitar o imaginário, ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, encontrar outras ideias para solucionar questões.
É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos conflitos, dos impasses, das soluções que todos vivemos e atravessamos – de um jeito ou de outro. Para ela, a conquista do pequeno leitor se dá através da relação prazerosa com o livro infantil, onde sonho, fantasia e imaginação se misturam numa realidade única, e o levam a vivenciar as emoções em parceria com os personagens da história, introduzindo, assim, situações da realidade.
ISABELLE CÂMARA, jornalista e educadora, com especialização em Direitos da Criança pela USP.