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Manifestações culturais ligadas às celebrações pagãs da religiosidade brasileira, como o São João
A revista Continente é, ao completar 25 anos bem-vividos, provavelmente, o mais relevante e plural periódico do Nordeste do Brasil, no seu segmento específico, a chamada “área” da cultura. Ou, como se diz, nos dias de hoje, no seu “nicho”, quase um “circuito fechado”, por vezes. Mas, desde há dois anos, dá-se um esforço maior de abertura, diversificação e amplificação nesta revista. A começar pela própria ideia de cultura, que não deve ser limitada ao artístico, e, sim, dizer respeito a todos os saberes e fazeres humanos. Começando já a pensar a era em que estamos todos inseridos, a do “pós-humano”.
Há uma frase famosa que nos lembra o quanto a natureza “ama” a diferença, e os seres humanos, pelo contrário, gostam de particularizar e restringir. Um dos aspectos dessa limitação são os preconceitos, as discriminações... Em sociedade talvez não haja nenhum gesto inocente, pois quase tudo visa à conquista e à manutenção do poder. Um dos aspectos mais perversos da construção “mental” disso são as ideologias. Ou como bem discute Griselda Pollock:
“Incluir as mulheres na história da arte equivale a criar uma história feminista da arte? Demandar que as mulheres sejam consideradas não só altera o que se estuda e o que se torna relevante a pesquisar, mas também questiona no plano político as disciplinas existentes. As mulheres não foram somente omitidas devido ao esquecimento ou ao mero preconceito; o sexismo estrutural da maioria das disciplinas acadêmicas contribui de maneira ativa para a produção e perpetuação de uma hierarquização de gênero. O que aprendemos do mundo e seus povos obedece a um padrão ideológico que condiz com a ordem social dentro do qual esse conhecimento é produzido. Os estudos das mulheres não se ocupam só das mulheres, mas dos sistemas sociais e dos esquemas ideológicos que sustentam a dominação dos homens sobre as mulheres dentro de outros regimes de poder mutuamente influentes, principalmente a classe e a raça”.
Nesta edição, há um destaque duplo, que, embora pareça uma forma de particularização, de segmentação, trata-se, na verdade, do contrário. Destacam-se o estado da Paraíba, e as mulheres aí. Estado que integra a Região Nordeste, mas, ao sublinhar um e outro, não se busca um estreito regionalismo – às vésperas do centenário daquele tão estudado, o de 1926. Se o “sertão está em toda parte”, como queria Guimarães Rosa, o Nordeste, a Paraíba e as mulheres também estão, ou devem estar. Desde o momento que decidimos o destaque da capa desta edição – Lucy Alves e sua rica virtù – exaltamos a diversidade. Mais do que isto. A riqueza identitária que, fiel às suas origens, fala para audiências nacionais e internacionais, e é ouvida.
Tanto Lucy Alves quanto as demais mulheres enfocadas nesta edição são apenas escolhas de tantos outros possíveis exemplos de alto nível. Mas ninguém de sã consciência deixaria de reconhecer que a Paraíba e suas mulheres merecem o reconhecimento deste e de tantos outros veículos da cultura e do pensamento na atualidade. Em muitas, ou, pelo menos, mais do que uma felliniana città delle donne.
Mario Helio | Editor
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