Paraíba feminina
Ao longo de mais de um século, mulheres paraibanas destacam-se em diversas áreas, marcando ineditismos, em um contexto, muitas vezes, desafiador
25 de Junho de 2025
Marcélia Cartaxo, primeira artista brasileira a receber o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim
Foto Fotoarena
No dia 26 de julho de 1930, às 17h30, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, o então presidente (como eram chamados os governadores) da Parahyba, tomava uma xícara de café na Confeitaria Glória, situada na esquina da Rua da Palma com a Rua Nova, no centro do Recife. A tranquilidade daquele final de tarde foi interrompida pela presença de seu opositor político, o advogado e jornalista João Duarte Dantas, que o alvejou com três tiros. O crime chocou o país. João Pessoa era, então, candidato a vicepresidente na chapa de Getúlio Vargas, que considerou o assassinato uma sabotagem de Washington Luís, no contexto da campanha eleitoral. O fato se tornou o estopim para a Revolução de 1930.
Ele, depois, preso na Casa de Detenção (hoje Casa da Cultura), a meio km do local do assassinato, João Dantas recebia uma visita especial, a de Anayde Beiriz – a mulher, cuja troca de correspondências amorosas havia sido exposta por João Pessoa nos jornais paraibanos. A atitude vingativa do governador contra o seu desafeto acabou motivando o homicídio ocorrido a 120 quilômetros de distância da Cidade da Parahyba (simplesmente Parahyba ou Parahyba do Norte), como então era chamado o município que, naquele ano, passaria a ser denominado de João Pessoa, em homenagem ao político falecido. Pouco mais de dois meses após a prisão, João Dantas, em 6 de outubro, foi encontrado enforcado em sua cela. Na sequência, no dia 22 do mesmo mês, Anayde morreu, por envenenamento, sendo enterrada como indigente no Cemitério de Santo Amaro, no Recife.
Morta aos 30 anos de idade, a professora, escritora e poetisa paraibana de vida breve não somente provocou uma mudança no curso da História do Brasil, mas deixava um legado de defesa dos direitos da mulher, de emancipação feminina e de práticas feministas. Quando tudo isso não era assunto discutido livremente na sociedade de sua época, ela escrevia textos sobre a conjuntura social em que se encontravam as mulheres, questões políticas e culturais.
Em uma sociedade tradicionalmente patriarcal, Anayde participava de rodas de intelectuais e artistas, onde recitava seus escritos, muitos deles contestando o papel da mulher, como esse: “Nasci / Nasceu / Cresceu / Namorou / Noivou / Casou / Noite nupcial / As telhas viram tudo / Se as moças fossem telhas, não se casariam”. “Anayde Beiriz, com o diploma de professora na mão, foi uma das primeiras mulheres a andar desacompanhada nas ruas, usando o cabelo curto à la garçonne, e abandonar saias que se arrastavam pelo chão – símbolo da subordinação feminina”, escreve José Joffily, em Anayde Beiriz, paixão e morte na Revolução de 30 (1980) – livro que serviu como referência para a realização do filme Parahyba, mulher macho (1983), de Tizuka Yamazaki, que gerou controvérsia por explorar a personagem sexualmente em detrimento de sua contribuição intelectual e social.
O título do longa-metragem faz referência ao refrão de Paraíba: “Paraíba, masculina / Mulher macho, sim, senhor”. Composta por Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga em 1946, lançada por Emilinha Borba em 1950 e gravada pelo Rei do Baião em 1952, a composição abarca referências históricas veladas em sua letra. Em 1930, Washington Luís, então presidente da República, apoiava Júlio Prestes como sucessor. No entanto, três estados da federação não seguiram a orientação do estadista: a “pequenina” Paraíba, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul – deste estado, o governador Getúlio Vargas despontou como presidenciável e convidou João Pessoa, então governador da Paraíba, para ser o vice na chapa da Aliança Liberal.
Dentre os inimigos de João Pessoa, estava o coronel José Pereira, do município de Princesa Isabel, mencionado no trecho: “Eita Pau Pereira / Que em Princesa já roncou”. O coronel era aliado de João Dantas, irmão de Rita de Cássia Vilar Suassuna, esposa de João Suassuna, deputado federal e pai de nove filhos (um deles, Ariano Suassuna), que acabou sendo assassinado, em 9 de outubro de 1930, em decorrência dos acontecimentos anteriores.
Em 1925, ano em que Anayde Beiriz, “a pantera dos olhos dormentes”, venceu um concurso de beleza promovido pelo Correio da Manhã, nascia em Sapé, no dia 13 de fevereiro, outra paraibana de espírito aguerrido, Elizabeth Altino, cujo casamento marcaria toda a sua vida. Criada em uma família com terras de médio porte no município da zona da mata paraibana, a moça ajudava o pai a vender produtos no barracão – espécie de armazém que comercializa geralmente “a fiado” a trabalhadores rurais, nos lugares recônditos do país.
Quando tinha por volta dos 16 anos de idade, Elizabeth conheceu, no barracão, um homem que era sete anos mais velho. A paixão à primeira vista de ambos se transformou em namoro e em um pedido de casamento. O pai da jovem, no entanto, não consentiu. Talvez as diferenças entre ambos tenham pesado. Ela era uma moça branca, alfabetizada, com posses. O candidato a marido, João Pedro Teixeira, era negro, pobre, analfabeto e trabalhador insurgente. Quebrando paradigmas, Elizabeth não se resignou à proibição paterna e fez aquilo que somente as raríssimas donzelas mais rebeldes e impetuosas da época fariam: fugiu. Com o lavrador, teve 11 filhos.
Inconformado com as injustiças sociais e trabalhistas, João Pedro passou a integrar e liderar a luta das Ligas Camponesas, até que começou a sofrer ameaças dos latifundiários locais, descontentes com sua liderança e capacidade de arregimentar outros camponeses. Foi, então, sequestrado de sua casa e assassinado, no dia 2 de abril de 1962, em Sapé.
Viúva, Elizabeth passou a lutar pela condenação dos assassinos do seu marido, que ficaram impunes. A paraibana participava de várias ações das ligas, inclusive discursava em manifestações. Viajou a Cuba, onde conheceu Fidel Castro e Che Guevara. De volta à Paraíba, sofreu perseguição, chegando a ser presa algumas vezes. Durante uma dessas prisões, sua filha mais velha, Marluce, não suportou a possibilidade de também perder a mãe como havia perdido o pai, e tomou veneno. Um dos filhos de Elizabeth, ainda criança, levou um tiro quase fatal na cabeça. A forte pressão levou a líder camponesa a mudar de nome, atendendo por “Marta Maria Costa”, e passar a viver na clandestinidade dentro do próprio país.
Mudou-se para São Rafael, cidade interiorana do Rio Grande do Norte, a 350 quilômetros de Sapé. Lá, onde trabalhava como professora e lavadeira de roupa, foi redescoberta somente 17 anos depois. Em 1981, no período da reabertura política, chegou à sua casa uma equipe de filmagem que já havia feito imagens dela em 1964 – quando a produção tinha sido interrompida devido ao golpe militar no dia 1º de abril, levando à apreensão de todo o material filmográfico, menos os negativos que haviam sido enviados ao Sudeste para revelação.
Em uma das imagens remanescentes de 1964, Elizabeth Teixeira demonstra a Eduardo Coutinho, o diretor das filmagens que resultariam num documentário, como reagia quando os capangas do “latifúndio” apareciam para intimidar e amedrontar sua família. Ela se juntava aos filhos e passavam a cantar cocos de roda. Um deles: “E olha o coco, estabilo, bilo, bilo, ô lelê / E olha o coco estabilo, bilo, bá”. O recurso singelo da mãe para tranquilizar os filhos e, ao mesmo tempo, demonstrar resistência ao opressor é exemplar da força da cultura e da mulher paraibana.
Juntas, as filmagens de 1964 e 1981 deram origem ao premiado documentário Cabra marcado para morrer (1984), que, em novembro de 2015, alcançou o quarto lugar na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Em 2006, a casa onde a família viveu, em Sapé, foi tombada e destinada a abrigar o Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, com a presença de Elizabeth Teixeira, que, em 2025, completou 100 anos de vida.
No mesmo ano em que as filmagens de Cabra marcado para morrer foram interrompidas e Elizabeth Teixeira rumava para a clandestinidade, outra paraibana que também atuou nas ligas camponesas começava a projetar seu nome. Em 1964, Luiza Erundina foi nomeada secretária de Educação e Cultura de Campina Grande. Sétima de 10 filhos do artesão de selas e arreios de couro Antônio Evangelista de Sousa e de Enedina de Sousa Carvalho, ela nasceu em 30 de novembro de 1934, na cidade de Uiraúna, a 476 quilômetros da capital. Na infância, vendia bolos feitos pela mãe, para ajudar no orçamento da família. Dedicada aos estudos, mas sem contar com curso ginasial na sua cidade, em 1948, foi morar na casa de uma tia em Patos, para poder continuar a estudar.
Em 1967, formou-se em Serviço Social na Universidade Federal da Paraíba, situada em João Pessoa, e em 1971, tomou o mesmo rumo de muitos nordestinos da época, mudou-se para São Paulo. Lá, fez mestrado em Ciências Sociais, e no mesmo ano, foi aprovada em um concurso público para assistente social da prefeitura, passando a trabalhar com os nordestinos migrantes residentes das favelas. Quando as conquistas já pareciam suficientes, em 1982, elegeu-se vereadora, em 1986, deputada estadual constituinte, e em 1988, solteira e migrante nordestina, se tornou a primeira mulher a ser prefeita de São Paulo, nomeando, em seguida, para seu secretariado, dezenas de intelectuais de destaque do país, dentre eles, Paulo Freire, Marilena Chaui e Perseu Abramo.
Assim como Erundina, Marcélia Cartaxo é uma paraibana que também migrou para o Sudeste e conseguiu alcançar um feito inédito para a história do Brasil. Nascida em 27 de outubro de 1962, em Cajazeiras, a 470 quilômetros de João Pessoa, ainda adolescente, adorava ir ao cinema e ver as divas hollywoodianas – tal como Cecilia, de A rosa púrpura do Cairo (1985), a espectadora se projetava na tela grande, como uma agradável forma de escapismo. Contrariando a mãe, já cultivava o desejo de ser atriz e costumava ensaiar peças de teatro no quintal dos amigos.
No começo dos anos 1980, a companhia teatral que integrava levou a peça Beiço de Estrada, de Eliezer Filho, para circular por diversas regiões do país, como parte do Projeto Mambembão – ação itinerante que marcou as artes cênicas brasileiras, nas décadas de 1970 e 1980. Quando o espetáculo aportou em São Paulo, uma espectadora especial mudaria a vida de Marcélia. Da plateia, a cineasta paulistana Suzana Amaral ficou maravilhada ao ver aquela jovem atriz paraibana e a convidou para protagonizar o seu primeiro longa-metragem, A hora da estrela, adaptação do livro homônimo de Clarice Lispector, coincidentemente lançado no mesmo ano que A rosa púrpura do Cairo.
Com seu jeito tímido e marcante, Marcélia Cartaxo encarnou Macabéa de forma tocante, tornando-se a primeira artista brasileira a receber o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim, na Alemanha. Além disso, ganhou o Candango de Melhor Atriz no Festival de Brasília. Poderia ser sorte de estreante, mas estes seriam apenas os primeiros prêmios de uma longa trajetória assinalada por diversas honrarias. Além de integrar elencos de novelas e séries, Marcélia se transformou em uma das atrizes mais emblemáticas do cinema nacional, tendo participado de 44 filmes, dentre eles, Madame Satã (2002), O céu de Suely (2006), A história da eternidade (2015) e Big Jato (2016).
Em maio de 2025, no ano que marca as quatro décadas de A hora da estrela, protagoniza Lispectorante, da cineasta pernambucana Renata Pinheiro, filme ambientado no Bairro da Boa Vista, no Recife, e inspirado no universo clariciano. E agora, em uma metalinguagem, a atriz se prepara para participar de um filme sobre sua própria vida, em que vai interpretar sua mãe. O diretor Allan Deberton, que a dirigiu no premiado Pacarrete (2020), está à procura de uma “nova Marcélia” para interpretá-la.
Demonstrando seguir os passos da conterrânea, duas paraibanas das novas gerações de atrizes brilham nas telas do país. Ex-Miss Paraíba, Mayana Neiva representou o estado no Miss Brasil 2003. No ano seguinte, se mudou para São Paulo, onde formou-se, em 2009, em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Sua estreia na televisão aconteceu em 2007, com a minissérie A Pedra do Reino, baseada na obra de Ariano Suassuna, em que Marcélia também integrava o elenco.
Mayana Neiva ficou conhecida nacionalmente por interpretar algumas personagens, como a modelo Desirée na telenovela Ti Ti Ti (2010), Maria do Amparo em Amor eterno amor (2012), Leandra em O outro lado do paraíso (2017) e a delegada Carolina Ramalho na série Rotas do ódio (2018). Entre novelas, filmes e séries, a artista ainda incursionou pela música, no período da pandemia, culminando com o lançamento, em 2024, de seu primeiro álbum, Tá tudo aqui dentro, com participação de Chico César e Zé Manoel. Em junho deste ano, a atriz pode ser vista em Guerreiros do Sol.
Essa terceira novela original da Globoplay, de George Moura e Sérgio Goldenberg, é protagonizada por outra atriz paraibana de destaque, Isadora Cruz. Nascida em João Pessoa, em 4 de fevereiro de 1998, foi morar em Paris aos 16 anos, onde estudou cinema e deu início à carreira na atuação. Sua primeira aparição na TV foi em Haja coração (2016). Mas conquistou projeção nacional ao interpretar Candoca, protagonista da telenovela Mar do sertão (2022). Na novela Volta por cima (2024), que terminou em abril de 2025, interpretou a personagem Roxelle, com sucesso de público, por seu carisma e humor.
Desde 2018, paralelamente ao trabalho na TV, Isadora começou uma carreira internacional no cinema, tendo sido protagonista do filme O chapeleiro do mal (2021), de terror – gênero em alta na indústria norte-americana. Como uma das grandes apostas da Globo, em 2025, além de Guerreiros do Sol, Isadora foi convidada para interpretar uma das protagonistas de Coração acelerado, nova novela das 19h, com estreia prevista para 2026.
Tendo como trunfo a arte da interpretação, Elba Maria Nunes Ramalho conseguiu um diferencial no rol das cantoras brasileiras da segunda metade do século XX. Nascida na zona rural de Conceição, no Vale do Piancó, em 17 de agosto de 1951, ela se mudou, aos 11 anos, com a família para a cidade de Campina Grande. O pai, apaixonado por música, se tornou proprietário de um teatro local e Elba passou a se interessar por música e teatro ainda na adolescência.
Em 1966, participou, pela primeira vez, de uma apresentação no palco, no Coral da Fundação Artística e Cultural Manuel Bandeira, interpretando “Evocação do Recife”. Não demorou para que a inquieta, efusiva e radiante jovem logo se tornasse destaque nas apresentações. Em 1968, enquanto cursava a faculdade de Economia e Sociologia na Universidade Federal da Paraíba, formou a banda feminina As Brasas, na qual tocava bateria. O grupo depois se transformou em companhia teatral.
Em 1974, acompanhando o Quinteto Violado, Elba mudou-se para o Rio de Janeiro. No mesmo ano, conseguiu um papel na peça Viva o Cordão Encarnado, em parceria com o grupo teatral Chegança, do diretor pernambucano Luiz Mendonça, fundador do Movimento de Cultura Popular do Recife. Interpretando personagens relacionadas à música, se estabeleceu no teatro. E, em 1977, atuou no filme Morte e vida severina, de Zelito Viana.
No ano seguinte, chegou o momento de virada em sua carreira, ao integrar o elenco de Ópera do malandro, na qual interpretou a prostituta Lúcia. Na peça de Chico Buarque, dirigida por Luís Antônio Martinez Corrêa, cantava O meu amor, em dueto com a atriz Marieta Severo. A gravação feita para o álbum duplo de trilha sonora da peça também entrou no disco Chico Buarque, de 1978 – cuja vendagem de 700 mil cópias ajudou a popularizar a voz da nova cantora. No mesmo ano, Elba gravou seu primeiro álbum, Ave de prata, cujo repertório incluía os futuros sucessos “Canta coração” (Geraldo Azevedo/Carlos Fernando) e “Não sonho mais” (Chico Buarque).
Se Elba demonstrava talento para cantar no estúdio, a sua arrebatadora presença cênica era um diferencial, ao vivo. Assim como a baiana Maria Bethânia, com vocação para atriz e que surgira uma década antes, no show Opinião (1965), a paraibana se mostrava destemida para interpretar qualquer letra, com o acréscimo que colocava à prova toda a sua capacidade de manter divisões rítmicas aprendidas na “escola Jackson do Pandeiro de canto”. Ao contrário das cantoras da época, usava recursos cênicos, como a dança, tornando-se uma referência para diversas artistas que surgiriam nas décadas seguintes, em especial Daniela Mercury, nos anos 1980, e Ivete Sangalo, anos 1990.
Em 1983, o álbum Coração brasileiro fez Elba conquistar discos de ouro e platina, originando o espetáculo homônimo, cuja temporada no Canecão ultrapassou os recordes de público de Roberto Carlos: foram 97 mil pessoas em 10 semanas, em 44 datas, com ingressos esgotados semanas antes. Com o sucesso, a artista foi parar na capa da Veja, na edição de 30 de novembro de 1983, cuja manchete era “O brilho da estrela”. No subtítulo: “Depois do sucesso no Canecão e da semana de seu especial na TV Globo, Elba Ramalho se reafirma como figura única no mundo do espetáculo”. No ano seguinte, a Polygram alemã escolheu o disco como o primeiro trabalho solo de um artista brasileiro a ser lançado internacionalmente em CD – o formato somente chegaria ao Brasil em 1986.
Em quase 50 anos de carreira fonográfica, Elba Ramalho vendeu mais de 10 milhões de discos, ganhou dois Grammy Latino pelos álbuns Qual o assunto que mais lhe interessa? (2008) e Balaio de amor (2009), na categoria Melhor Álbum de Raízes Brasileiras: Regional e Tropical. Recebeu da Associação de Críticos de Arte de São Paulo (APCA) o prêmio de Melhor Show do Ano, em 1989, pelo espetáculo Popular Brasileira e, em 1996, por Leão do Norte.
Rainha dos palcos das maiores festas nordestinas, o Carnaval e o São João, com shows obrigatórios em Campina Grande, Caruaru e no Recife, Elba Ramalho também é responsável por ajudar a divulgar a obra de diversos compositores da região, através de interpretações que se tornaram sucessos, como “Banho de cheiro” (Carlos Fernando), “Do jeito que a gente gosta” (Severo e jaguar), “Forró do poeirão” (Cecéu), “Energia”, “Essa alegria” (Lula Queiroga), “Sete cantigas para voar” (Vital Farias), “Nordeste Independente” (Bráulio Tavares e Ivanildo Vilanova), que teve a execução pública proibida, e o maior sucesso de sua carreira, “De volta pro aconchego” (Dominguinhos/Nando Cordel), composta como um baião, mas que ela preferiu transformar em toada, com arranjo de Dori Caymmi.
Dentre os compositores mais gravados pela cantora, está Mary Maciel Ribeiro, mais conhecida como Cecéu, da dupla com o marido Antônio Barros, falecido em 6 de abril de 2025. Da compositora conterrânea, Elba gravou “Bate Coração”, seu primeiro grande sucesso, “Amor Com Café” e “Forró do Poeirão”. O casal, declarado Patrimônio Imaterial Cultural da Paraíba, emplacou outros hits, como “O neném” (1981), na voz de Lindu, do Trio Nordestino; “Por debaixo dos panos” (1982), com Ney Matogrosso; “Forró nº 1” (1985), com Luiz Gonzaga e Gal Costa; “Na cama, no chão” e “Não lhe solto mais” (ambas de 1986), com Jorge de Altinho.
No álbum de estreia Ave de prata (1978), Elba Ramalho cantou “Kukukaya”, composição de uma singular artista paraibana, Cátia de França. Catarina Maria de França Carneiro nasceu em João Pessoa, em 13 de fevereiro de 1947. Filha única, foi alfabetizada através de canções pela mãe, Adélia de França. A menina começou a estudar piano a partir dos 4 de idade; dos 12 aos 15 anos, aprendeu piano clássico.
Também teve aulas de violão, flauta, sanfona e percussão, no colégio interno em Belém de Maria, cidade pernambucana para onde se mudou aos 16 anos. Nos anos 1970, viajou para Portugal e Espanha com o grupo folclórico da Fundação Artístico-Cultural Manuel Bandeira, do qual participava Elba Ramalho. De volta ao Brasil, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde integrou bandas de artistas como Zé Ramalho, Elba Ramalho, Amelinha e Sivuca.
Em 1979, lançou seu primeiro disco, 20 Palavras ao Redor do Sol, cujo título é inspirado no poema Graciliano Ramos, de João Cabral de Melo Neto. Na obra, incorporou referências literárias e culturais diversas e demonstrou que seria uma artista indomável. Em cerca de 40 anos de carreira, Cátia gravou oito discos, sendo o mais recente, No Rastro de Catarina (2024), indicado ao Grammy Latino. Além da música, a artista enveredou pela literatura e artes plásticas.
Assim como Cátia de França, Lucy Alves é também multi-instrumentista. Nascida numa família com forte ligação musical, desde criança teve contato com instrumentos e o cancioneiro nordestino. Integrou um grupo musical com as irmãs e os pais – entusiastas dos talentos das filhas. Foi o pai quem incentivou Lucy a entrar na disputa para participar da segunda temporada do The Voice Brasil, em 2013 – decisão que mudaria radicalmente a sua vida. “Meu pai é muito visionário”, disse, em entrevista à Continente.
Após ser classificada, chegou, enfim, o momento de se apresentar frente ao júri, formado por quatro dos artistas mais populares do país e com as câmeras de um dos programas de maior audiência da TV voltadas para si. Munida de sua sanfona, Lucy Alves enfrentou o desafio, começou a tocar e a cantar “Qui nem Jiló” (Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira). Em 16 segundos, Carlinhos Brown, que estava de costas, apertou o botão vermelho e virou sua cadeira para o palco, em sinal de que aprovava a candidata. Na sequência, Lulu Santos fez o mesmo. Lucy estava aprovada. Após ter passado por todas as etapas do programa, a cantora chegou à final, ficando em segundo lugar. Com isso, engatou não somente uma carreira fonográfica, mas também como atriz na TV Globo, integrando elencos de novelas e séries.
Oito anos depois, mais um reality show foi responsável por tornar outra paraibana famosa no país. O Big Brother Brasil 2021 dividiu os participantes entre famosos e “pipocas”, pessoas desconhecidas do grande público. Uma delas era Juliette Freire, uma moça branca, de 1,65 m, cabelos lisos e com óculos redondos, parecendo Tina, da Turma da Mônica. Logo no começo, foi conquistando a simpatia do público. Como trunfo, ela mostrava inteligência, bom humor, resiliência e um carisma imensurável. Por exibir essas qualidades, passou a ser fustigada pelos participantes. Com isso, ganhou um papel na trama, o de vítima. O seu remédio era cantar. O repertório do cancioneiro nordestino foi de Elba Ramalho a Alceu Valença.
Enquanto isso, a audiência do programa só aumentava, com a contribuição do fato de que milhões de brasileiros estavam confinados em suas casas devido à pandemia. O termômetro do sucesso da paraibana com o público ia dando sinais: por exemplo, “Deus me proteja”, de Chico César, de música pouco conhecida do disco Francisco, forró y frevo (2008), ganhou milhões de plays nas plataformas de streaming. Nos comentários do vídeo da música no YouTube, milhares de pessoas afirmaram que conheceram a música “por causa de Juliette”. No Spotify, a canção chegou ao topo da parada viral. Ou seja, o que ela cantava, virava ouro, da mesma forma que seus rivais no programa eram eliminados um a um. Tudo o que ela usava, virava tendência, esgotava nas lojas.
Portanto, uma coisa era certa, as marcas estavam apenas esperando o maior fenômeno da TV e das redes sociais no Brasil de 2021 ter a sua vitória confirmada no programa, para começar o lucro. Ao, finalmente, vencer o BBB 21, com a maior votação do público, 530 milhões de votos (o público pode votar mais de uma vez), a vencedora ouviu o discurso do apresentador Tiago Leifert: “A verdade é que você nunca esteve sozinha em nenhum momento. E você nunca mais vai se sentir sozinha na sua vida. Isso quem está dizendo não sou eu. São os quase 24 milhões de seguidores que você tem nas redes sociais (ela arregala os olhos). Juliette, você é um fenômeno. No palco montado pelo público, você nunca saiu do primeiro lugar. Você é a campeã do BBB21”. Em maio de 2025, são 29,5 milhões – em termos comparativos, Madonna tem 19,9 milhões.
Em 2021, o engajamento de Juliette nas redes sociais superava o de cantoras como Beyoncé, Ivete Sangalo e Anitta, e quebrou um recorde mundial, no dia 4 de maio de 2021, ao alcançar 1 milhão de curtidas, em apenas 3 minutos, em uma foto postada no Instagram. Esta foi a postagem de celebração após a vitória no Big Brother Brasil 21. O feito foi registrado no Guinness World Records.
Ao deixar o confinamento, além do prêmio do programa (R$ 1,5 milhão), a paraibana saiu com várias propostas de campanhas publicitárias de grandes marcas e com a Sony Music, Warner Music e Universal Music disputando um contrato. Afinal, se Juliette conseguiu tirar do ostracismo uma canção de Chico César, imagine como seria uma música gravada por ela mesma… Como uma demonstração do impacto de seu advento, a aspirante a cantora se apresentou, ainda naquele ano, ao lado de Alceu Valença, Elba Ramalho, Chico César e Gilberto Gil. Apesar de não terem sido sucessos de crítica, seus discos vêm conseguindo bons números de plays nas plataformas de streaming e, em abril, ela lançou seu segundo disco de estúdio, Risca faca (Universal). Seus shows são sempre lotados.
É admirável a história de luta das mulheres da Paraíba – estado de substantivo feminino. E esta aqui é só uma pequenina parte dessa jornada. Ainda há muito mais nomes que fazem a diferença diariamente, como Fátima Maranhão, Daniela Ribeiro, Agamenilde Dias Arruda, Eliane Freire, Nilda Gondim, Ana Flávia Pereira, Marilia Arnaud, Glauce Gaudêncio, Eneida Melo… Não é à toa que Chico César, tão celebrado por Juliette, atualizou, em seus shows, a célebre frase do famoso baião de Luiz Gonzaga: “Paraíba feminina / mulher massa / sim, senhor”.
DÉBORA NASCIMENTO, editora-adjunta das revistas Continente e Pernambuco