Artigo de fé
Um banho de multidão em Belém do Pará que mescla o sagrado e o profano num enlace total
TEXTO Mario Helio
25 de Junho de 2025
Foto Fotoarena
Pode-se começar este périplo muito resumido de uma visita ao Círio de Nazaré de Belém do Pará perguntando se a essa festa cabe o trocadilho amplificado e invertido: é preciso crer para ver ou ver para crer? Para crer na sua monumentalidade, avassaladora, como um contágio, basta ver as imagens gravadas e os números proclamados: mais de dois milhões de pessoas nas ruas da cidade, segundo as estatísticas, que são, desde há tempos, parte indissociável da diferenciação do êxito. Porém, os números não dão a melhor medida das sensações, e muito menos da fé.
Para saber do Círio e, sobretudo, saber o Círio e saber-se no Círio, não se deve prescindir de um contato direto, corporal. Sem isso não há como sentir verdadeiramente sua pujança que pode ser esmagadora, no mais literal dos sentidos. Se fosse factível propor uma fusão radical do Carnaval do Brasil com a Semana Santa de Sevilha, o Círio encarnaria as duas coisas como se fossem nós superlativos. O Círio é um Galo da Madrugada quanto aos números. É preciso querer um ‘banho de multidão’ a que se referiu certa vez Baudelaire para embrenhar-se nas ruas de Belém nos dias do Círio.
Como alguns psicólogos se esmeram em distinguir solidão e solitude, certos sociólogos também precisam mostrar as diferenças entre massa e multidão. Esta seria movida por um desejo comum, mas acidental, como os ajuntamentos para presenciar um acontecimento. As massas possuiriam unidade, mesmo quando dispersas, pelos sentimentos. Na classificação proposta por Roger Brown, as aglomerações religiosas, por exemplo, seriam chamadas de turbas expressivas.

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