Gonçalo Ivo: Alquimista híbrido da razão e do sonho
O jogo de cores, geometria e formas de um artista inquieto e multifacetado
TEXTO Carol Botelho
25 de Junho de 2025
Foto Divulgação
Abstracionista e alquimista da cor são as definições mais usadas pelos críticos para definir Gonçalo Ivo. Mas o artista plástico carioca de 66 anos prefere algo tão mais simples quanto complexo: é essencialmente um pintor. “Sou um ser híbrido que vive entre a razão e o sonho. Uma vez, João Cabral de Melo Neto falou que o (pintor alemão-suíço) Paul Klee ‘pulou o muro dos sonhos e invadiu o do sereno’.” O céu é um limite muito curto. Sonhando, Gonçalo ultrapassa camadas atmosféricas para se encontrar com o movimento circular dos planetas, com as nuvens e as nebulosas, com a claridade e a escuridão que o percurso da vida real lhe apresenta, e que o artista atento interpreta poeticamente.
Gonçalo é contraditório, característica tão definitiva quanto a de pintor, que é também escultor, gravador, desenhista, ilustrador... É geométrico e abstrato, mas se permite ser figurativo. É erudito com um pé no popular. É artista e artesão; racional e espiritual; tradicional e experimental. “Me interessa a transcendência e a fisicalidade ao mesmo tempo. Me interessam as coisas antagônicas como a beleza de um Michelangelo e a transcendência de um texto bíblico”, declara o artista, cujas influências passeiam pelo medieval, gótico, barroco, pré-renascimento, romantismo, até chegar ao modernismo. Vai de Kandinsky a Goya, Mondrian, Francis Bacon, Turner e Ivan Serpa. Caminha ao som de Bach, Paulinho da Viola e David Bowie.
Filho do poeta, romancista, contista, cronista, ensaísta, tradutor e jornalista Lêdo Ivo (1924-2012), e da professora universitária Maria Leda (1923-2004), Gonçalo passou a infância dormindo entre os livros do pai; admirando obras de arte que ele colecionava; conversando com os artistas que frequentavam a casa dos Ivo: Iberê Camargo – de quem Gonçalo foi aluno –, Lygia Clark, Augusto Rodrigues, Abelardo Zaluar, Gilberto Freyre, Marques Rebelo, Rubem Braga, Manuel Bandeira, Jorge Amado e João Cabral de Melo Neto. Este último foi o primeiro colecionador das obras do então jovem promissor, com quem conversava sobre as nuvens. “João Cabral era como um tio pra mim. Vivia em nossa casa em Teresópolis. Gostava de conviver com ele mais do que jogar bola de gude.”
Nas paredes da casa da infância, Gonçalo se encontrava, diariamente, com as pinturas geométricas do grande modernista Alfredo Volpi, sem dúvida uma grande influência. “Tinha 10 anos de idade nessa época e perguntei a Lêdo quem era o pintor daquelas obras. Ele me explicou como se estivesse falando com um adulto. Aquele momento se tornou tão inesquecível, que foi absorvido como algo espiritual”, recorda. Não havia mais motivo para passar pelo lápis de cor antes de se inebriar com o cheiro tóxico da tinta a óleo. “Uma vez, Lêdo me deu uma caixa de lápis de cor, mas eu disse que queria pintar a óleo. Foi [o pintor e poeta] José Paulo Moreira da Fonseca quem me presenteou meu primeiro estojo de tinta a óleo. Com ele também partilhei o gosto pela música clássica”. Ambos eram ouvintes assíduos de Mahler, Bach e Brahms.

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