Artigo

Por que me ufano de Campina Grande?

É conhecida e reconhecida a mania de grandeza do povo campinense. Aqui, tudo é potencializado: o maior do mundo, o melhor, o primeiro lugar

TEXTO Thélio Queiroz Farias

25 de Junho de 2025

Foto Leydson Jackson/Divulgação

“Campina Grande, Deus te colocou nos píncaros da Borborema
para mais perto do céu contemplar o bordado azul dos teus horizontes.”
Alcides Carneiro

Localizada no Planalto da Borborema (Serra da Borborema, ou Planalto Nordestino, Borborema, originário do Tupi: ybymbore’yma, terra sem habitantes) nascida de um aldeamento de índios Ariús, a atual Campina Grande se consolidou como povoado com a chegada do Capitão-Mor das Fronteiras das Piranhas, Cariri e Piancó, o nobre português Teodósio de Oliveira Lêdo, no primeiro dia de dezembro de 1697. Teodósio saiu da região do rio São Francisco, na Bahia, e adentrou a Paraíba pelo alto sertão para tomar posse das sesmarias que ficavam ao longo do Rio Paraíba e média 275 km (50 léguas) de cumprimento por 55 km (10 léguas aproximadamente) de largura.

O lusitano Teodósio ficou encantado com uma enorme campina, o acesso à água e o clima ameno do alto de um planalto na Serra da Borborema. Em 1698, o governador-geral da Capitania da Parahyba, Manoel Soares de Albergaria, a pedido do Lêdo, enviou um frade franciscano para catequizar os índios e iniciar uma missão religiosa na grande campina. O povoado foi elevado à categoria de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição em 1769, e transformado na Vila Nova da Rainha no ano de 1790, em homenagem a Rainha Maria I, de Portugal, conhecida como “a louca”. No século XIX, o povo da “Campina Grande”, nome pelo qual a Vila Nova da Rainha já era conhecida, demonstrou seu espírito rebelde e participou dos movimentos revolucionários de 1817 (Revolução Pernambucana), 1824 (Confederação do Equador), 1848 (Revolução Praieira) e 1874, quando a cidade foi epicentro da Revolta do Quebra-Quilos, iniciada no distrito de Fagundes, no qual o popular João Carga d’Água (João Vieira), líder do movimento, “jogou uma rapadura e acendeu o fogo” da insurreição.

Em 11 de outubro de 1864, em aplicação à Lei Provincial n. 127, Campina Grande se torna cidade e começa a despontar como uma das mais prósperas do interior do Nordeste, se consolidando como entreposto, pois era o centro de caminhos que ligava os sertões paraibano e norte rio-grandense à cidade da Parahyba e ao Recife. A base do crescimento era a pecuária e a produção agrícola de subsistência. Um produto mudaria o destino da cidade: o algodão. Campina tornou-se o centro comercial algodoeiro, virando a “Liverpool brasileira”, a segunda maior exportadora de algodão do planeta. Junto com o sucesso do algodão, registra-se um rápido incremento populacional e, dia a dia, atraia novos moradores.

Cristiano Lauritzen, dinamarquês que exerceu o cargo de Prefeito por quase vinte anos, turbinaria o crescimento embalado pelo boom do algodão, ao conseguir a ligação ferroviária entre Campina Grande e o porto do Recife, essencial para a exportação do produto. “O gringo”, como Lauritzen era conhecido, ressaltava: “O que detinha não era a realidade do presente, senão a certeza do futuro”. O trem chegou em 1907, data do início da modernização da cidade. Campina passou a crescer vertiginosamente e, em 1920, já contava com mais 71 mil habitantes, grande parte originário de migração do vizinho Estado de Pernambuco, como realçou José Américo de Almeida que, com a ferrovia, “...Campina Grande passou a ser uma cidade social e comercialmente pernambucana, como empório das transações da praça do Recife....”. A riqueza obtida com o algodão, e em seguida, com o agave, atraiu novos investimentos, como construção de estradas, energia elétrica e estabelecimentos comerciais. A cidade fervilhava como ponto terminal de trens e para ali convergiam tropeiros e boiadeiros de todo o interior da Paraíba e de grande parte do interior de Pernambuco e do Rio Grande do Norte.

De Lauritzen para a atualidade, Campina Grande se transformou num milagre, na metrópole maior do interior nordestino, a “Chicago do sertão”, como falava o jornalista Assis Chateubriand, o Chatô, que embora nascido na vizinha Umbuzeiro, dizia e repetia que só gostava de duas cidades: “Campina Grande e Paris!”. Para Gilberto Gil, Campina não é Chicago nem Paris, mas possui “vontade e anseio de ser Nova York”, pelo seu cosmopolitismo; afirmando ainda que “Campina é encantada, por sentir-se amada” e que era “símbolo da modernidade”.

Quando se fala em Campina Grande, escuta-se logo, vindo de algum lugar do cérebro, o som da sanfona, do triângulo e do zabumba. O “Maior São João do Mundo” é a maior festa popular do planeta, não só pelos mais de trinta dias de duração, como também pela pluralidade de eventos, festejos e alternativas para o turista, divertir-se assistindo a corrida de jegue; ou acompanhando as inúmeras quadrilhas que se apresentam pelas ruas da cidade. Vai-se “remexer o esqueleto” na Vila Forró, no Sítio São João, no Distrito de Galante, na Vila do Artesão, no Salão do Artesanato ou nas palhoças do Parque do Povo. Compra-se artesanato na Vila do Artesão, na Vila do Artesão, no Salão do Artesanato ou no Salão do Artesanato. Escuta-se forró tradicional, forró novo ou alternativo. Música boa, muito boa e música ruim – infelizmente. O Spazzio, casa de espetáculos criada por empresários da cidade, já foi “a maior casa de shows da América Latina”, em cujo palco já se apresentaram o espanhol Julio Iglesias, o norte-americano Ray Conniff, o jamaicano Jimmy Cliff, o conjunto californiano The Platters, além da quase totalidade dos grandes nomes da música brasileira, de Roberto Carlos a Gilberto Gil, de Luiz Gonzaga a Lulu Santos, passando por nomes como Gal Costa, Fafá de Belém, Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Ivan Lins, Djavan, Ivete Sangalo, Chitãozinho e Xororó, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Zé Ramalho, Alceu Valença, Xuxa e inúmeros outros.

A cidade “Rainha da Borborema” é terra fértil para os cantadores, repentistas e embolares de coco, especialmente na vibrante Feira Central – patrimônio cultural do Brasil pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) –, com suas rimas intermináveis, e, às vezes hilárias, como do genial Zé Limeira (1886-1954), que encantou gerações e eternizou-se no livro “O Poeta do Absurdo”, de Orlando Tejo (1935-2018). Os versos de Zé Limeira, que foram declamados em Campina Grande e Brasil afora, – humilham qualquer realismo fantástico de Gabriel García Márquez, com seus personagens doentes de insônias e que atraem borboletas, já que em Campina Grande “Sanção traiu Pedro I”, “Pedro Álvares Cabral inventou o telefone” e “Dom Pedro II governava a Palestina”.

É conhecido e reconhecido a mania de grandeza do povo campinense, talvez decorrente do “grande” que acompanha o nome de Campina. Aqui, tudo é potencializado: o maior do mundo, o melhor, o primeiro lugar. Esse espírito de superioridade faz milagres e transformou uma região pobre e carente num fenômeno. Diante da forte autoestima da população, Campina criou coisas que seriam inimagináveis no interior do Nordeste, como duas universidades públicas de excelência, uma das quais, a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a segunda do Brasil em número de registros de patentes, atrás apenas da UNICAMP – Universidade de Campinas. A Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), outra gigante da educação pública em território nordestino, que possui quarenta e seis cursos de graduação, dois de nível técnico e mais de vinte programas de pós-graduação, além de manter uma editora e dois museus, o mais famoso – “Museu dos Três Pandeiros” –, como é conhecido o Museu de Arte Popular da Paraíba, a última obra projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Destaco ainda que Campina Grande possui o maior número per capita de doutor no Nordeste e uma das maiores médias do país, com um título de doutorado para cada 590 habitantes, muito além da média nacional, que é de 1 (um) doutor para dez mil habitantes.

A cidade sedia também o Instituto Nacional do Semiárido “Celso Furtado” (INSA), com objetivo de promover o ensino, pesquisas e extensão nas regiões áridas e semiáridas, especialmente na tentativa de buscar soluções para a seca do Nordeste, único instituto federal com jurisdição nacional com sede no interior do Brasil, como também, a EMBRAPA Algodão, responsável por tecnologias e inovações utilizadas no agronegócio nacional para as culturas de algodão, mamona, amendoim, gergelim, sisal, etc. Merece menção ainda a UNIFACISA, instituição privada que foi considerada pelo Ministério da Educação como o melhor complexo universitário do Norte/Nordeste; e o campus do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), que oferta cento e oitenta e cinco cursos técnicos, de graduação e pós-graduação. Tem razão o governador de Pernambuco Agamenon Magalhães, quando afirmou: “Quem entra em Campina Grande tem a impressão de que o homem do Nordeste é maior do que a terra.”

O empreendedorismo é a marca da cidade, o que levou um produto local, ideia de um empresário da cidade – que depois venderia sua fábrica para um conglomerado paulista –, transformou uma sandália simples de borracha, chamada de “havaianas”, num sucesso mundial, com vendagem superior a 210 (duzentos e dez) milhões de pares em mais de 100 (cem) países. Olhe que Campina não tem praia, e mesmo assim, esse calçado praieiro e nome que homenageia o paraíso marítimo, é sucesso em todo planeta, sendo até um case empresarial realçado em palestra do executivo Márcio Utsch, intitulada “De Campina Grande para Hollywood”.

Campina já teve empresa de telefonia própria, a TELINGRA, que implantou o primeiro serviço de DDD (discagem direto a distância) do Nordeste e o segundo do Brasil, empresa da qual se originou a OI/Telemar;   além de uma companhia de saneamento pertencente ao Município, a SANESA, que foi embrião da CAGEPA – Companhia de Águas e Esgotos da Paraíba. Não se pode esquecer a CELB – Companhia de Eletricidade da Borborema, a Bolsa de Mercadoria e o fato de ter tido a quinta emissora de televisão do país e a primeira no interior brasileiro, a Televisão Borborema, criada por Assis Chateubriand, outro ilustre campinense-adotivo. Chateubriand criaria em Campina Grande, em 1967, o segundo museu com seu nome (o primeiro foi o MASP, em São Paulo), com um acervo contendo obras de Pedro Américo, Candido Portinari, Anita Malfatti, Rodolfo Amoedo, Alfredo Volpi, Ismael Nery, o prata da casa Antônio Dias (outro grande orgulho da cidade), dentre outros. E pela visão vanguardista de Edvaldo do Ó, para o progresso da cidade e do professor Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, homem da Ciência e da Tecnologia, foi Presidente do CNPq e do Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras.

O campinense considera-se sempre o melhor, como destaca Jessier Quirino, “a folha perversa da urtiga / Despontando no vaso sanitário / Querosene na mão de incendiário / Solitária mexendo na barriga”, ou, nas palavras de Bráulio Tavares, quem é da cidade é “ponta de prego no sapato das que prega no meio do calcanhar”, “vampiro que morde jugular”, “cobra feroz que engole um rato” e “barruada de aviões a jato”. Aliás, Bráulio e Jessier são considerados os “Galos de Campina”, exemplo de grandes talentos da cidade “Rainha da Borborema”.

Em Campina, até o clima é improvável. Quem não a conhece, nunca imagina que, no centro do Nordeste brasileiro, bem perto dos trópicos, na porta do seco e árido sertão nordestino, exista uma cidade que se possa sentir frio. Ao recomendar que um amigo trouxesse um casaco para vir conhecer a festa de São João, no mês de junho, recebi como resposta: “Como? O que vou fazer com roupa de frio no Nordeste?”. Sente-se frio graças a Serra da Borborema, de 552 metros de altitude, onde Campina se encontra; a mesma onde o poeta Augusto dos Anjos imaginava que Cristo estaria morando: “Não! Jesus não morreu! Vive na Serra da Borborema, no ar de minha terra.”

Há um famoso brocardo popular na cidade, que diz o seguinte: em Campina Grande, taxista dá carona, prostituta se apaixona, agiota faz caridade e cego enxerga, especialmente dinheiro.  Não sei se é verdade, mas escuto exemplos da veracidade do dito desde criança. É realmente uma cidade diferente, como ressaltou o escritor e político José Américo de Almeida: “A cidade são as ruas e as praças. Mas é, sobretudo, a alma. Essa coisa imanente. As peculiaridades que todos sentem e poucos sabem definir. Seu maior encanto, Campina, é essa originalidade. Parece com tudo e não se iguala a nada.”

O imortal Murilo Melo Filho, habituée da cidade, registrou que a inspiração para Jorge Amado escrever seu vigésimo-primeiro livro, “Tereza Batista Cansada de Guerra”, veio de um fato ocorrido no tradicional restaurante Manoel da Carne de Sol, como lembrou o potiguar, em conferência na Academia Brasileira de Letras:

“Jorge Amado estava em Campina Grande, na Paraíba, em um jantar em sua homenagem, promovido por um grupo de intelectuais paraibanos, quando adentrou ao salão a senhora Jurema Batista. Uma leitora sua, prostituta elegante e dona do melhor rendez-vou da cidade.

Jorge perguntou-lhe o nome e ela respondeu: “Jurema, as suas ordens!”. Qual é a sua profissão: “Prostituta, com muita honra!” Como é a sua vida: “Minha vida, meu senhor, é um romanço.”

Num guardanapo, que me entregou por debaixo da mesa, Jorge anotou o nome. Ali, naquele exato momento, nascia o romance Tereza Batista Cansada de Guerra.”

Três “ceguinhas” encantavam as ruas centrais da cidade cantando músicas próprias, cocos e tocando os ganzás, uma espécie de chocalho de metal cheio de areia.  Maria das Neves Barbosa, a Maroca; Regina, a Poroca; e Francisca da Conceição, a Indaiá; nasceram com deficiência visual, mas nunca deixaram de ver a cidade. Elas ficaram famosas e tiveram a história de vida contada no emocionante filme “A Pessoa é para o que nasce”, do diretor Roberto Berliner, que estreou em 2004. As “Ceguinhas de Campina Grande”, como se notabilizaram, fizeram turnê nacional com Gilberto Gil e Naná Vasconcelos e, devido ao talento musical, em 2004, receberam no Palácio do Planalto, a Ordem do Mérito Cultural (OMC), das mãos do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, na companhia de personalidades como Caetano Veloso, Alberto da Costa e Silva, Fernando Sabino, Odete Lara, Waly Salomão/post mort, Rachel de Queiroz/post mort e Maurício de Souza. Alcides Carneiro, orador brilhante, em discurso, justificou essa diferenciação das coisas da cidade “Rainha da Borborema”, ao afirmar que “Deus fez a Paraíba com o braço e Campina Grande com o coração”.

O consagrado jornalista e poeta José Nêumanne Pinto, invocando o famoso livro do escritor português José Saramago, defende a tese de que o heterônimo de Fernando Pessoa, “quando viveu no Brasil, o lírico Ricardo Reis também fez seu itinerário pela Campina Grande mítica que me arrisco a fundar aqui. Ele dormiu num quarto do Hotel Majestic e foi visto na Unidade Moreninha, à altas horas da madrugada, saindo embuçado com uma puta que se dizia holandesa, mas na verdade tinha vindo de Currais Novos”. Verdade? Não importa! Como disse Carlos Pena Filho, “é do sonho dos homens que uma cidade se inventa”. Complementa Nêumanne que existe um mistério e uma energia especial, “que brota da luz rubra dos crepúsculos da Borborema”.

Campina Grande faz tudo. Certa feita, em visita que fiz ao museu da fábrica Smith & Wesson, famosa por suas armas fabricadas desde 1852, na cidade da Springfield, Massachusetts, nos Estados Unidos, qual a minha surpresa ao ver, num local de destaque, um revólver calibre 32 fabricado na minha cidade, com o letreiro: the best forgery (a melhor falsificação). Peças de veículos e equipamentos industriais, cujos originais só se compraria na Alemanha ou no Japão, são feitas pelos hábeis mecânicos  e inventores da cidade. O consagrado dramaturgo Paulo Pontes, outro filho de Campina, receitava sempre: “para o atraso feudal do Nordeste, a melhor solução era o capitalismo campinense”.

Com razão o grande músico pernambucano Capiba, que residiu na cidade onde iniciou sua carreira de músico na orquestra “Jazz Campinense”, homenageou a cidade na música “Campina, cidade Rainha”:

“Linda cidade,
Campina,
És um sonho de amor
Tão bela que és
Com teu céu,
Com teus lindos jardins,
Tuas noites de lua
E o sol
A brilhar!
Tu tens o porte real
De rainha que és,
Campina!.”

São esses, dentre outros, os motivos que me ufano de Campina Grande!

THÉLIO QUEIROZ FARIAS, advogado e escritor. Autor de 23 livros, inclusive Além do Ipiranga a extraordinária vida de Pedro Américo e suas incríveis facetas, publicado pela CEPE e A União. É membro da Academia Paraibana de Letras, presidente da Academia de Letras de Campina Grande e sócio-correspondente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.

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