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Eduardo Araújo

TEXTO José Cláudio

01 de Outubro de 2012

'Paisagem do sertão', de Eduardo Araújo. Óleo sobre tela, 93 x 133 cm, 1997

'Paisagem do sertão', de Eduardo Araújo. Óleo sobre tela, 93 x 133 cm, 1997

Imagem Reprodução

Eduardo Correa de Araújo não é deste mundo. Ele olha para o nosso paraíso terreal com um certo enfado. “Quanto barulho que há!” parece dizer ou “Tudo vaidade”. Mas como o burrinho pedrês do conto de Guimarães Rosa que, pastando distraidamente, quando viu estava bem em frente da casa do dono, que o mandou selar, Eduardo cometeu um deslize na vida: entregou-se ao danado vício da pintura. Avassalador. O Tinhoso sempre encontra uma brecha para mostrar, aos eleitos, que são feitos de barro, barro esse que, em Eduardo, depois de um avatar como geólogo, se fez carne sob as espécies de pintura, condenando-o a pintor.

Deixo aos estudiosos de sua obra a tarefa vã de procurar raízes sociológicas, talvez a pureza aristocrática da família, a limpeza de sangue, ou desenganos da vida, do fenômeno Eduardo Correa de Araújo. Conservo como relíquia um dos seus primeiros óleos, sem assinatura nem data, pintado em Londres, onde viveu sua via dolorosa, acompanhando o irmão que se tratava de câncer, vindo a falecer, e nesses seus primórdios apenas botou para fora o que já tinha pronto dentro de si, sendo uma grande honra para este que escreve ter sido tal quadro inspirado num nu de minha autoria estampado em catálogo que tinha levado de exposição minha, quadro que poderia participar da sua exposição atual do Museu do Estado sem que se note nenhuma insegurança, dando para perceber o espírito presente em toda sua pintura, a seleção de cor, o riscado como a demonstrar um certo desinteresse como se o ato de riscar se cumprisse em si próprio sem preocupação com o efeito que pudesse causar, deixando-nos flagrar o ato de pintar, sem nada a esconder, sem recorrer a maiores elaborações: nem precisa.


Mulher na rede verde, de Eduardo Araújo. Óleo sobre tela, 90 x 70 cm, 2012.
Imagem: Reprodução

Simples, direto, cru. Todo pintor recita a seu modo o verso de Pablo Neruda “ponho minha alma onde quero”. E encontro-o, na visita que fiz ao seu atelier, ou para melhor dizer, retiro, no topo de um edifício bem no centro do Recife, num 12º andar da Av. Dantas Barreto, o que me lembrou o monte do beato Ubaldo, onde, diz a lenda, São Francisco domesticou o lobo, na cidade de Gubbio, e de fato ventava e fazia frio neste agosto de 2012, apesar de em pleno centro da capital pernambucana, de onde se tem uma vista única de mar e rio se entrelaçando, rara em qualquer lugar do mundo, creio, encontrando-o, como dizia, a folhear um livro do primo renascimento (primeiro renascimento), o Trezentos italiano, e justamente, tão encantado fiquei, pois também uma das minhas predileções, que de fato as primeiras notas para esta croniqueta tomei não dos quadros de Eduardo mas dos seneses Giovanni di Paolo, Taddeo di Bartolo, Sano di Pietro, Matteo di Giovanni, o sublime em arte, quando o renascimento ainda era estático, imóvel, a perspectiva ainda a servir o homem, antes de ficarmos dela escravos, preparação necessária para olhar os quadros de Eduardo. Você precisa olhar os quadros de Eduardo, nus, paisagens, o que seja, como visões celestiais, como seres que por condescendência se mortalizaram durante alguns instantes diante de quem acharam por bem considerar digno se mostrarem, deixarem-se ver sem reservas, ou melhor, contemplar. Eduardo não se vê, se contempla. Sua visão é sagrada.

Ao mesmo tempo, trazendo-nos para hoje, você tem que ver seu autorretrato, por exemplo, em presença de Cézanne, isto é, como se estivesse em presença de Cézanne. Aqui um parêntese. Eduardo participa da protogeometria de Cézanne, a geometrização que através de Picasso e Braque deu no cubismo, no abstracionismo geométrico, na pintura ótica. Mas isso é outra história. Eduardo precisa de um ordenamento feito por ele para entender a natureza, com frequência na disposição da pincelada nos grandes planos. É antes um pintor racional, isto é, clássico. Mas não que não seja emotivo. Quando falo do sublime, do sagrado, como se seus quadros estivessem parados, estáticos, contemplativos, fora do mundo e do tempo, quero salientar o seu sentimento profundo, sua religiosidade. Mas nada de espectros. Às vezes chega a uma carnalidade insuperável (Mulher na rede verde, Francisca). E, com ser analítico, não exclui a grandiosidade, a magnificência (Grande céuPaisagem do sertão). Ou o flagrante (Banho de mar). E os mais altos acordes do lirismo (Paixão). 

JOSÉ CLAÚDIO, artista plástico. 

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