Apontado como um dos mais expressivos herdeiros do legado poético-musical de Gonzagão, Maciel Melo, cuja carreira artística começou em 1982, sempre acreditou na vocação universalista e atemporal do forró pé de serra (que não é apenas um ritmo, mas uma espécie de balaio musical que abriga o baião, o xote, o coco e outros ritmos). Por isso tem vibrado como as cordas do seu violão com a crescente receptividade internacional desse tipo de música, comprovada não apenas no recente e bem-sucedido show de Nova York, mas através de vários fatos ocorridos nos últimos anos.
Caso da Forró Night, realizada, em 2008, como uma das atrações do Festival de Jazz de Montreux, na Suíça. Voltando ainda mais no tempo, outra referência histórica dessa “globalização” é o CD Brazil-forró: music for maids and taxi drivers (gravado em um estúdio recifense), que, em 1991, ficou em segundo lugar na categoria Traditional Folk do Grammy. Não do Grammy Latino, mas do prêmio em seu formato original, disputado por artistas de todos os continentes.
PAGODINHO NO FORRÓ
Em termos pessoais e profissionais, o forró também tem proporcionado a Maciel Melo a realização de muitos sonhos. Um dos mais recentes é o CD Minha metade, que conta com a participação de velhos parceiros em composições, arranjos e produções, além de alguns dos artistas e grupos que ele mais admira, como Geraldo Azevedo, Dominguinhos, Elba Ramalho, Alceu Valença, Zé Ramalho, Fagner, Marcelo Melo, Quinteto Violado e o ator, radialista e escritor Renato Phaelante, que, numa das faixas, declama um poema em homenagem a Luiz Gonzaga. Uma das surpresas do disco é Zeca Pagodinho, ícone do samba, que não apenas cantou, mas, visando a facilitar a distribuição nacional do CD, viabilizou o lançamento pelo selo Zeca PagoDiscos, da gravadora Universal Music.
Foto do pai, retirada de álbum de família. Foto: Reprodução
“O novo CD de Maciel Melo, Minha metade, deveria se chamar ‘meu todo’. Porque, mesmo dividindo grande parte das 14 músicas com convidados, Maciel imprime seu DNA a todas. Até um personalíssimo Zeca Pagodinho parece adocicar a voz para entrar no clima de Qui nem jiló”, diz o compositor e poeta Marco Polo, ex-vocalista da banda Ave Sangria, acrescentando que, apesar de os arranjos (feitos por Spok, Maestro Duda, entre outros) serem diferentes dos que têm caracterizado o estilo do artista e dos temas tristes de uma e outra letra, as melodias são alegres e bem ritmadas. “No todo, é um disco solar, cantante e dançante. A cara de Maciel Melo. Por inteiro.”
Antenada com as novidades no campo da música, na esfera regional, nacional e internacional, a obra de Maciel tem, no entanto, como marca principal o “cheiro de bode”, como observou o jornalista e crítico musical José Teles, parodiando uma frase de Gonzagão a respeito das composições de Zé Dantas. Num estilo um pouco mais lírico, o poeta Jessier Quirino compartilha da opinião do jornalista sobre o trabalho de seu parceiro de várias criações: “Sua música, com especial encanto, é um verdadeiro repositório das tradições matutas, sertanejas e nordestinas”.
Essa ligação artístico-umbilical está bem presente em Caboclo sonhador, por muitos considerada um clássico da música nordestina. Composto em 1982, quando Maciel residia em São Paulo, o xote – que nos anos 1990 se tornaria grande sucesso nas vozes de Flávio José e de Fagner – expressa em seus versos uma mistura de plataforma artística e profissão de fé baseada nos valores culturais, sociais e históricos do mundo de origem do autor: “Sou um caboclo sonhador,/ Meu senhor, viu?/ Não queira mudar meu verso./ Se é assim não tem conversa/ E meu regresso para o brejo/ Diminui a minha reza./ Um coração tão sertanejo/ Vejam como anda plangente o meu olhar/ Mergulhado nos becos do meu passado/ Perdido na imensidão desse lugar”.
Premiado compositor, ao lado de suas filhas. Foto: Reprodução
DO SERTÃO DE IGUARACI
Nascido em 26 de maio de 1962, na sertaneja Iguaraci, a 363 quilômetros do Recife, Maciel, como ele mesmo diz, cresceu “ouvindo os cantadores de folhetos nas feiras”. A região pernambucana onde fica sua cidade natal, o Vale do Pajeú, é um famoso reduto de poetas populares e repentistas, como Rogaciano Leite, Sebastião Dias, Antônio Marinho e os irmãos Otacílio, Dimas e Lourival Batista (Louro do Pajeú), além de ser vizinha de uma área da Paraíba de onde também vieram à luz célebres improvisadores de versos, a exemplo de Pinto do Monteiro.
Se o ambiente externo era propício ao desenvolvimento de um letrista, a casa do futuro compositor constituía um permanente estímulo à vocação musical. O seu pai, Heleno Louro, conhecido como Mestre Louro, era barbeiro e pedreiro, mas ganhou fama como consertador de foles de oito baixos e, principalmente, como sanfoneiro. Ainda criança, Maciel costumava acompanhá-lo nas festas para as quais era contratado para animar. “Às vezes, eu tocava triângulo, mas depois de certas horas o que eu fazia mesmo era dormir perto de onde ele estava tocando”, relembra o artista, que, ainda em Iguaraci, onde morou até os 16 anos, participou de uma banda marcial. Embora exercesse apenas a atividade de costureira, Dona Lourdes, a mãe, também tem sua parcela de influência na musicalidade de Maciel, como ele mesmo reconhece: “Vez por outra me pego assoviando melodias que não sei de onde vieram, mas tenho a impressão de que são antigas cantorias feitas para ninar menino chorão”.
O permanente contato com a música, acordado e dormindo, concorreu para deixar bem desperto o talento de Maciel Melo, um fecundo compositor que passeia com naturalidade pelas várias vertentes do forró e, com um espírito de repentista, consegue transformar em mote quase todos os assuntos e imagens. Como o poeta cearense Patativa do Assaré, talvez ele seja um dos que podem dizer: “Pra todo canto que olho,/ vejo um verso se bulindo”. Somada à quantidade, a qualidade das canções que começou a produzir, sistematicamente, a partir da década de 1980, logo chamaria a atenção de muitos cantores e do público.
Maciel Melo (D), no palco com Xangai e Geraldo Azevedo. Foto: Divulgação
O seu primeiro grande sucesso como compositor foi Que nem vem-vem (“Quebrei no dente/ Um taco da literatura/ Tô na história, tô e sei/ Que sou motivo pra falar”). Ainda hoje presença obrigatória em qualquer festa regada a forró que se preze, a música foi gravada em 1991 por Flávio José e, em seguida, por Elba Ramalho. Outros artistas que gravaram composições de Maciel foram: Sivuca, Marinês, Petrúcio Amorim, Amelinha, Renato Teixeira e Xangai.
Velho companheiro de shows e gravações, Xangai foi um dos participantes do primeiro disco de Maciel Melo, Desafio das léguas, de 1987, composto em parceria com o poeta pernambucano Virgílio Siqueira. Outros que participaram foram Vital Farias, Dércio Marques, Dominguinhos e o violonista francês Frederic Victor, inaugurando uma característica comum a quase todas as produções fonográficas de Maciel: a participação de renomados artistas, aos quais devem ser acrescentados os nomes de Naná Vasconcelos e Mestre Salustiano. Atualmente, entre CDs e vinis, Maciel possui 14 discos, incluindo o mais recente, Minha metade.
Colecionador de prêmios, presente em trilhas sonoras de filmes e telenovelas, Maciel tem, entre os maiores reconhecimentos e homenagens que já recebeu, uma placa afixada na entrada de Iguaraci, com os seguintes dizeres: “Esta é terra de Maciel Melo”. Será que é emocionante para uma pessoa sentir-se no coração de um lugar que, mesmo distante, nunca saiu de seu próprio coração e arte?
GILSON OLIVEIRA, jornalista.