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Petrolina: Imponência neogótica

Principal catedral do São Francisco pernambucano destaca-se pelas paredes externas de pedras e pelos vitrais interiores, preservados há mais de oito décadas

TEXTO CARLOS EDUARDO AMARAL
FOTOS LEO CALDAS

01 de Outubro de 2012

Foto Leo Caldas

O italiano Antonio Maria Mellano (1864-1931), radicado na França com o sobrenome de Malan, embarcou para a América do Sul em missão com os salesianos no início do século passado e aportou no Uruguai, onde se tornou sacerdote. Daí, partiu pelo Brasil indo à região do Araguaia, no Mato Grosso, e começou seu trabalho de evangelização até ser transferido para Petrolina em 1924, destinado a ser o primeiro a ocupar o posto de bispo de uma diocese que possuía apenas cerca de 3 mil habitantes.

Lá empreendeu, entre outras benfeitorias, a construção de um hospital, que hoje leva seu nome, dois colégios – o Maria Auxiliadora, para mulheres, e depois o Dom Bosco, para homens – e uma catedral cuja ideia fora recebida com incredulidade por algumas pessoas próximas ao clérigo, às quais respondeu: “Façamos a casa de Deus, e tudo o mais crescerá ao redor”. De fato, a Catedral do Sagrado Coração de Jesus testemunhou todo o progresso que Petrolina apresentaria nas décadas seguintes à inauguração do templo, em 1929.


Vista a partir da concha acústica da Praça Dom Malan

O padre Francisco José Pereira Cavalcante, nascido no Crato e radicado em Araripina, revela que a concepção da catedral não surgiu de imediato: “Dizem que ele pensou numa reforma da Igreja Matriz, que estava um tanto deteriorada, mas decidiu por outra maior. Italianos gostam de coisas grandiosas”. Autor de Catedral de Petrolina – profecia e evocação e com mais de 30 anos de ordenado, padre Francisco acrescenta que Dom Malan realizou diversas viagens ao Sudeste e à Europa para angariar fundos para a obra.

A catedral, que levou cinco anos da bênção da pedra fundamental à sagração, desde então figura imponente no plano urbano e pode, ainda hoje, ser avistada de alguns pontos da cidade a mais de dois quilômetros de distância. O templo se situa na praça que leva o nome de Dom Malan, a cinco quadras da orla do Rio São Francisco, e que comporta ainda uma concha acústica para missas campais e o busto do clérigo. No entorno da praça, encontram-se o Colégio Maria Auxiliadora, ao leste, e o casarão da diocese, ao norte, enquanto o Colégio Dom Bosco fica a um quarteirão atrás da diocese.

INSPIRAÇÃO NO PAJEÚ
Para a construção da catedral de Petrolina, Dom Malan recorreu ao padre francês Carlos Cottart, formado em Engenharia antes de abraçar o sacerdócio, e responsável pelo projeto da catedral de Afogados da Ingazeira, no mesmo estilo neogótico. Numa das viagens do bispo petrolinense para a Europa, atrás de recursos, Padre Cottart faleceu, e então foi firmado um contrato entre a diocese e a construtora Odebrecht, em 1927, que finalmente agilizou os trabalhos – prejudicados até ali por conta dos problemas de saúde do vigário do município do Pajeú.


Vitral homenageia a atividade missionária salesiana

Um aspecto não concebido por padre Cottart e que diferencia a catedral de Petrolina de outras tantas igrejas neogóticas do país é a sua fachada de pedras, que alude ao próprio nome do município. Cerca de 4 mil metros cúbicos de granito foram retirados de uma pedreira ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora Rainha dos Anjos (que perdeu o título de catedral com a inauguração do novo templo) e de outra nas imediações do atual aeroporto de Petrolina. São conhecidos os relatos sobre o transporte das pedras para o canteiro de obras, feito pela própria população, a pedido de Dom Malan.

Consagrada a Cristo Rei e ao Sagrado Coração de Jesus, a catedral veio a abrigar também a imagem original de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, padroeira da cidade. Oriunda de Vila Real de Santa Maria, localidade que centralizava o missionarismo católico no médio São Francisco, antes da fundação de Petrolina, ela remete ao período em que as ilhas situadas nos atuais municípios de Orocó e Santa Maria da Boa Vista possuíam aldeamentos indígenas e centros de catequese, antes de o marquês de Pombal (1699-1782) expulsar índios e religiosos.

Construída conforme a orientação geográfica característica dos templos góticos e neogóticos, do Oriente para o Ocidente, a catedral petrolinense, por outro lado, possui um toque único, devido ao revestimento exterior de blocos pétreos. Enquanto as principais edificações daquele estilo adquirem uma aparência suja ou sombria, com o passar do tempo, as paredes externas que dão para a praça Dom Malan – recortadas por estruturas caiadas em branco-gelo – mantêm o ar claro, resplandecente, registrado em fotos desde os anos 1920 e favorecido pela ausência de poluição aérea no Sertão.


Padre Francisco registrou a história da Catedral de Petrolina em livro

Com 22 pináculos e discretos contrafortes, os quais assumiram o papel maior de sustentação do edifício em lugar dos arcobotantes, a tendência a priorizar a verticalização não sobrepujou a robustez do templo, ao passo que, em outras igrejas neogóticas, contrafortes e pináculos recebem caráter mais ornamental, de resgate do espírito gótico autêntico, e minimizam o lado meramente funcional.

VITRAIS
Outros elementos que chamam a atenção na catedral são: o relógio, doado por Padre Cícero e que continua a funcionar desde 1931; a imagem de Cristo ladeada por São Pedro e São Paulo, acima do pórtico; os sinos, afinados nas notas sol, lá e si, e que, juntos, pesam uma tonelada e meia; e o altar-mor. É marcante, sobretudo, a considerável coleção de 57 vitrais internos, que reitera uma preferência decorativa comum aos salesianos, ao neogótico e a importantes edifícios históricos e turísticos em Pernambuco.

Todos os vitrais do templo – à exceção de um, feito em São Paulo – foram fabricados na França, pela Companhia Balmet. Os menos acessíveis à contemplação dos visitantes, devido à distância do chão, são os que substituem o clerestório (as janelas que ladeiam a abóbada da nave central) e foram presenteados por 10 estados brasileiros. Já a disposição dos que se situam na abside (recinto de teto abobadado no final da nave), rodeando o altar-mor, possibilita que sejam vistos com menor incômodo, mesmo em um patamar alto. Melhor visibilidade possuem os das nas naves laterais, das capelas do transepto e os das capelas das absidíolas, que rodeiam a abside por trás.


Espaço que abriga o altar-mor

Os vitrais das naves laterais são dedicados à Maria, à direita (lado sul), e a Jesus Cristo, à esquerda (lado norte), e representam os principais episódios bíblicos que ambos os personagens protagonizam. Por sua vez, os vitrais das absidíolas centram-se em São José e em santos italianos e franceses, denotando outra inclinação salesiana. Segundo Padre Francisco Cavalcante, a maioria dos vitrais das absidíolas (pequenas absides) é igual aos das igrejas de São Luiz de França e de Santo André, em Grenoble, cidade-sede da Balmet.

No entanto, apenas na catedral de Petrolina existe um vitral, com motivos tropicais, que homenageia a atividade salesiana no Brasil. Nele, Dom Malan prega para os índios às margens do Rio Araguaia. Padre Francisco lembra que, de tempos em tempos, há a necessidade de realizar a restauração e manutenção dos vitrais, sob responsabilidade do vitralista Fernando Floriano. E por uma razão prosaica, além do desgaste natural: “Eles sofreram violentas agressões da parte do tempo, mas também de pessoas que, na tentativa de matar os pombos que moram nas torres da igreja, terminam por quebrá-los”.

Tudo o mais está crescendo ao redor da catedral de Petrolina, como previu o primeiro bispo da cidade, mas prédios altos já começam a circundar a praça Dom Malan. Por ora, eles ainda deixam que a grandiosidade da igreja se destaque na maior parte do centro de Petrolina e o São Francisco. Porém, já existe a preocupação para que a ocupação urbana não tome o resplendor do templo que antecedeu os demais edifícios de grande porte da capital do Alto Sertão pernambucano. 

CARLOS EDUARDO AMARAL, repórter especial (interino) da revista Continente.

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