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André Neves
Ilustrador de livros infantis revela diálogo com a obra de consagrados pintores pernambucanos
Contra qualquer ideia de evolução linear das coisas do mundo, vivemos diariamente uma realidade de sobreposições que nos arrebata, mesmo com toda sua evidência. Caso contrário, não acharíamos “absurdas” cenas como as que observamos com frequência e que nada mais são do que materializações dos desníveis econômicos e das demandas da sociedade de consumo, na qual estamos todos imersos. Num sinal de uma via movimentada do Recife, ladeiam-se uma caminhonete superpossante e uma charrete que carrega sobras para alimentar porcos de uma criação mantida perto dali. Um detalhe: ambos os motoristas usam celulares para se relacionarem e fechar negócios.
O desconforto do ocupante da caminhonete com tal situação antitética é expresso em manifestações de desagrado em matérias da grande imprensa, que os representa. Aos charreteiros, cabe resistir. Ou seja, mesmo com interdições e impedimentos, usam as ferramentas de que dispõem para trabalhar e circular pela cidade.
Não que tivéssemos, na Continente, a pretensão de “dar voz” ao segmento dos que estão à margem das estatísticas de vendas de veículos motorizados que alegram o mercado, mas situações como a que descrevemos acima são dignas de um registro histórico. Nesse caso, assumimos a posição de quem observa o fenômeno social “de fora”, do ponto de vista de quem “caminha” pela cidade e “reage” ao que presencia.
Foi com disposição de andarilhos que Carol Leão e Ricardo Moura desenvolveram o tema do “Recife rural” que propusemos para esta edição. Eles trouxeram para os que trafegam sobre o asfalto vivências daqueles que se alojam num ambiente diverso, numa cidade de barro dentro da cidade de pedra. Espaços e tempos imbricados.
O leitor perceberá, em outros momentos desta edição, nosso interesse por antagonismos geográfi cos e econômicos no ambiente urbano, particularmente na reportagem ao estilo gonzo de Thiago Lins, sobre a Rua Ferreira Lopes, e no artigo de Kleber Mendonça Filho, que se detém na relação do cineasta com a cidade. Embora com locuções diferentes, eles trazem uma consonância que o leitor logo identifi cará.
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