Instagram: Compartilhando o apego à imagem
Aplicativo gratuito para publicação de fotos, que é um dos mais bem-sucedidos apps da atualidade, conquista fotógrafos e leva usuários a educarem o próprio olhar
TEXTO Chico Ludermir
01 de Abril de 2012
O fotógrafo paulistano Alexandre Urch ganhou prêmio da Leica com série feita com um iPhone
Imagem Divulgação
Em março deste ano, o fotógrafo paulistano Alexandre Urch ganhou a categoria Ensaio do importante prêmio Leica – Fotografe Melhor, com Everyday people, um conjunto de fotos tiradas por ele no metrô de São Paulo. As imagens captam a espontaneidade de pessoas comuns, em uma “fotografia de rua” executada com maestria. Mas não é essa a qualidade que mais tem recebido atenção no seu projeto. Com as 10 imagens capturadas em um celular iPhone, Urch comprovou que a fotografia anda mesmo trilhando um novo caminho: ampliado e simplificado por programas desenvolvidos para celulares. Paradoxalmente, ele ganhou, pelo seu trabalho feito com o Instagram, uma máquina Leica (modelo M9), sonho de qualquer fotógrafo mais purista ou resistente às novas tecnologias.
Urch faz parte dos mais de 27 milhões de usuários dessa nova febre tecnológica chamada Instagram. Um aplicativo gratuito de compartilhamento de fotos para aparelhos móveis da Apple, criado pelo brasileiro Mike Krieger e pelo americano Kevin Systrom, lançado em outubro de 2010, que permite aos usuários fotografarem e editarem suas fotos, com um variado número de efeitos, e as compartilharem instantaneamente na rede. Isso, tanto na timeline do próprio aplicativo quanto em outras redes sociais, como Facebook, Twitter e em sites de compartilhamento como o Flickr ou o Tumblr. O vencedor do concurso faz parte também de um grupo mais restrito, que enxerga o celular como novo instrumento fotográfico, uma ferramenta imprescindível para a atual captura de imagens, profissionais ou não.
“Fotografar com telefone, hoje em dia, tornou-se uma coisa indispensável. Acho que esse ano eu cliquei mais com o iPhone do que com minha câmera ‘profissional’ ”, conta Alexandre. “Gosto muito de fotografia de rua, sem muita pose, e o celular permite fotografar sem que ninguém perceba. Você faz imagens espontâneas maravilhosas. É possível capturar até um segurança embaixo de uma placa de proibido fotografar”, brinca, exemplificando o maior ganho, na sua opinião. “As pessoas saem sem roupa, mas não sem o telefone.”
O fotógrafo húngaro Balazs Gardi registrou em celular o ambiente de guerra no Afeganistão. Imagem: Divulgação
O advogado Ricky Arruda também andava com seu celular/câmera para todos os lugares, fazendo cliques do cotidiano. Aderiu ao Instagram com a mesma naturalidade com que fez com a lomografia (febre nos anos 2000), buscando grupos para debater suas fotos com efeitos e distorções. Começou mais ou menos como um “tuiteiro da imagem”, como ele mesmo se definiu, mas, no final de 2011, recebeu de J. R Duran – fotógrafo conhecido por seu impecável trabalho com nus na revista Playboy – a alcunha de “Instagram man do ano”.
Postava diariamente algumas “bobagens”, até que seu perfil na rede ganhou respaldo e valor inesperados. Foi convidado a escrever um artigo que recebeu destaque de capa da revista Photo Magazine, edição de outubro do ano passado, realizou um ensaio de fotos sensuais para ilustrar uma matéria da revista Alfa e, para fechar o ano, fotografou a Miss Bumbum Rosana Ferreira para a revista Sexy, utilizando apenas o iPhone.
“Com isso tudo, creio que demonstrei que a foto com o telefone, desde que feita de forma correta e respeitando os limites do aparelho, pode ser, além de muito divertida, vendável”, defende Ricky. O aumento da resolução das fotos do iPhone já permite fazer impressões maiores, que alcançam alto valor no mercado. Ampliadas, fotos de celular têm sido vendidas para colecionadores e galerias por quantias que chegam a R$ 4 mil.
RECURSOS E EFEITOS
Com cerca de 30 imagens capturadas por celular comercializadas, o fotógrafo Toni Pires tem focado seu trabalho autoral exclusivamente no aparelho. Depois de cobrir por vários anos o São Paulo Fashion Week (SPFW), maior evento de moda do país, este ano, surpreendeu todos com um ensaio conceitual do evento. “Achava tudo muito fake, as modelos e as roupas não existiam, era tudo uma ficção”, conta, explicando a ideia geradora do ensaio. Foi com os aplicativos do celular que ele concretizou a “digressão” que tinha em mente. Já usava o iPhone desde sua primeira versão e, por conhecê-lo, idealizava os efeitos nele disponíveis, capazes de expressar em imagens as sensações de vazio e fuga.
Após cobrir o São Paulo Fashion Week por anos, Toni Pires lançou trabalho conceitual sobre os desfiles de moda. Imagem: Divulgação
“Queria alguma coisa que sujasse”, conta ele, que experimentou muito antes de conceber o ensaio. “As pessoas se deslumbram com as infinitas possibilidades e esquecem que é essencial escolher uma linguagem, ao invés de querer usar todas. O iPhone é um segundo armário de equipamentos. Acho que o grande barato é você saber com que linguagem vai trabalhar.” Acabou usando apenas dois aplicativos: um de captura lenta, que continha o impulso do disparo contínuo, e um filtro. “Não queria me perder. Consegui, com uma câmera e um filtro, chegar ao resultado final. Fácil e rápido.”
Credenciado pela revista IstoÉ Gente para uma cobertura digital, Pires chegou a causar estranhamento nos seguranças acostumados às grandes máquinas fotográficas. “Cadê seu equipamento? A entrada de jornalistas de texto é do outro lado”, afirmaram. E, enquanto os outros fotógrafos trabalhavam com câmeras mais caras e pesadas, utilizou apenas três iPhones, levados no bolso, que o permitiram fotografar, tratar e postar em alta velocidade, atrativa para todo e qualquer veículo de comunicação.
NAS REDAÇÕES
Pensando no tempo, o fotojornalismo tem incorporado o celular no rol dos equipamentos indispensáveis a uma redação, e surpreendido com coberturas inovadoras. Neste ano, por exemplo, o jornal Folha de S.Paulo realizou a cobertura do Carnaval utilizando uma conta na rede do Instagram. Em Pernambuco, edições online dos jornais já utilizam a rede para compartilhar fotos, especialmente nas hard news.
Thiago Soares, jornalista editor do caderno de turismo do jornal Folha de Pernambuco, vê como fundamental o uso da fotografia de celular no jornalismo atual. Mas, na sua leitura, os ganhos vão além da instantaneidade. “Já fiz várias matérias com Instagram porque acho que essa fotografia proporciona uma narrativa mais íntima. Pela estética, pode criar até mesmo uma nova linguagem na reportagem. É quase uma narrativa de blog inserida no texto jornalístico: um olhar próximo, menos institucional”, explica, citando como exemplo coberturas que fez no Chile e na Argentina.
Com página no Instagram, Thiago Soares vê como fundamental o uso da fotografia de celular no jornalismo contemporâneo. Imagem: Divulgação
O jornalismo de guerra também ganhou cara nova. No Afeganistão, o fotógrafo húngaro Balazs Gardi, várias vezes premiado em seu país, fez belíssimos retratos de famílias afegãs. Nos últimos anos, Gardi tem visitado alguns pontos do planeta com seu iPhone, que, ele mesmo conta, jamais teve um chip para funcionar como telefone. A leveza e discrição do equipamento o colocaram num contato íntimo com a realidade, que ele apresenta com força e visceralidade.
Tal como Balazs Gardi, Damon Winter também usou, na Líbia, o popular aplicativo Hipstamatic, que confere um aspecto semelhante ao do Instagram às imagens. “A verdade é que, quando falamos de fotojornalistas com vasta experiência na cobertura de conflitos como esses, pouco importa a câmera que utilizam. É a sua visão, timing, sensibilidade e saber acumulado que determinam o valor da imagem final”, reflete Toni Pires, em seu blog (tonipires.com.br/blog).
CONTAR HISTÓRIA
As discussões conceituais parecem já ter ultrapassado o debate da banalização da fotografia X democratização dela. Adentram, no entanto, em temas como formação de um novo público e até mesmo num possível caráter pedagógico da rede. Nas mesas dos grandes encontros de fotografia, como o Paraty em Foco (RJ) e o Foto em Pauta (Tiradentes-MG), e em sites e blogs, muita gente anda pensando os rumos da fotografia digital a partir da chegada do aplicativo. No blog do professor e fotógrafo Clício Barroso, por exemplo, encontramos o post “Instagram, vício ou virtude?”, no qual ele afirma nunca ter imaginado ser tão feliz ao abandonar equipamentos pesados, princípios rígidos, regras engessadas e papos técnicos intermináveis.
Priscila Buhr utiliza a fotografia para além do jornalismo, como instrumento de memória pessoal. Imagem: Divulgação
A maior vantagem, segundo ele, está no imediatismo do compartilhamento da imagem. A partir do diálogo, as pessoas aprendem a ser seletivas. É esse também o seu maior interesse pessoal: a existência de uma comunidade que une todo mundo que gosta de fotografia. “É como a praia do carioca. Acho que populariza e instrui. As pessoas aprendem a ler imagem, pois podem ver, comentar e ser comentadas o tempo todo”, acredita. “Eu tenho usado o Instagram, mais do que qualquer outra coisa, para contar uma história, imagetizar a minha vida cotidiana”, conta ele, que assume uma presença compulsiva na rede.
Para além do uso jornalístico, as fotógrafas Priscila Buhr e Hélia Scheppa, ambas do Jornal do Commercio, viram no celular e no Instagram a possibilidade de conexão com a fotografia de memória. Buhr desenvolve o trabalho intitulado Antes, que consiste na postagem diária de uma foto que faz antes de ir ao trabalho. “Fotografo a minha casa e meu caminho de várias formas. Cada vez mais tenho que me reinventar. É um ótimo exercício de olhar com mais calma”, explica. O trabalho, iniciado há seis meses, já conta com 24 fotos selecionadas. A praticidade de não ter que pegar a câmera e mudar a lente foi, segundo ela, um fator crucial para o nascimento da série.
Mesmo trabalhando com equipamentos profissionais há alguns anos, Buhr se sentia tímida e exposta em portar câmeras fora do trabalho, e não relaxava para fotografar. “Foi uma libertação fazer um clique sem ninguém saber que sou fotógrafa. Tenho um aparelho leve e discreto que congrega aplicativos de câmeras digitais, analógicas e lomo. Me sinto amadora, no sentido de amar fotografia”, diz, mostrando os 20 aplicativos que carrega no iPhone.
A fotógrafa Hélia Scheppa vem realizando o ensaio É cedo, sobre a avó. Imagem: Divulgação
Scheppa, repórter fotográfica há 15 anos, voltou a se considerar “fotógrafa”, desde que começou a traduzir o amor que sente pela vó Naná, de 95 anos, no ensaio É cedo, que ela compartilha na rede do Instagram. “Sempre ia visitá-la de bicicleta e, por isso, nunca levava a máquina; mas, com o iPhone, veio a possibilidade de fotografá-la.” O nome do ensaio vem do diálogo com a avó, na hora da despedida. “Toda vez que eu vou embora da casa dela, diz: ‘Vai não, fia, é cedo’. É uma figura que eu sei que não vai ficar muito tempo mais comigo. Resgatei esse lado da fotografia de guardar uns momentos das pessoas que a gente ama.”
Se, por um lado, fotógrafos vêm revendo postulados, por outro, algumas pessoas passam a se identificar com a fotografia. Foi o caso do jornalista Guilherme Gatis, que, a partir do uso recreativo do Instagram, ficou motivado ao ponto de comprar uma câmera reflex. “Comecei a ver mais fotografia e treinar meu olhar no aplicativo. O respaldo dado pelos comentários de fotógrafos que admiro me fez investir numa câmera profissional”, conta.
Apesar de refutar o status de “fotógrafo”, o caso de Gatis aponta para o quanto divisões desse tipo são cada vez menos demarcadas na rede, o que não tem parecido ser um problema para os profissionais. “Sou a favor de que todo mundo fotografe. Se todos fotografassem, o mundo seria melhor”, afirma Priscila Buhr.
CHICO LUDERMIR, jornalista e fotógrafo.