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Pedro Lucena
Ilustrador relaciona a poesia de Manoel de Barros ao trabalho dos artesãos da Ilha do Ferro
Eles são centenas, milhares e mantêm-se em presença muda, acuada. Formam pequenos bandos que, cada vez mais interiorizados, estabelecem regras próprias, que devem ser cumpridas com severidade. Ao mesmo tempo, enquanto se refugiam em torno de si mesmos, precisam estar no mundo, como os demais. Então, assumem os comportamentos da contemporaneidade, como a comunicação virtual e a formação acadêmica. Mas tudo aos poucos, e não sem concessões. Ao contrário da cultura dominante, valorizam a velhice, como lugar de reconhecimento e respeito. Para longe de estereotipias, usualmente dispensam as roupas extravagantes e a aura de mistério, sendo vistos em shorts e camisetas, à cata da sobrevivência comezinha, como os muitos brasileiros sem posses.
Esses são os ciganos. Pelo menos, os ciganos que encontramos em grupos que residem em pequenas cidades interioranas de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Passamos – a jornalista Danielle Romani e a fotógrafa Roberta Guimarães – cinco meses em torno deles. E, como relata a repórter, chegamos, mas não fomos convidados à intimidade, apenas nos foi permitido conhecer. É assim que apresentamos a reportagem especial deste mês: quase com modéstia, apesar de ela ter tomado um tempo maior de produção que a maioria dos trabalhos que realizamos.
Desde o início, o que nos mobilizava em torno desse grupo étnico – que parece provocar em igual medida a desconfiança e o fascínio dos não ciganos – era observálo hoje, em suas demandas cotidianas e sua relação conflituosa com a sociedade. Assim como se dá com outras minorias que se fecham para se proteger e preservar, há contradições e impasses nesse contato, desde que você se aproxime sob essa procura: a de “conhecer” o cigano.
Uma coisa é certa: se não lhe for dito que esse ou aquele indivíduo é “um cigano”, poucas vezes você assim o identificará. Ele será “apenas” um sertanejo de poucas posses, que mora naquela pequena cidade, que pode ser um autônomo, um desempregado ou uma jovem que acaba de entrar na faculdade, mantém um perfil no Facebook e está prestes a se casar. Qual a diferença dessas pessoas para tantas outras que estão aí? O que muda quando sabemos tratar-se de “um cigano”? Que ideias nos assolam? E o que os distingue, de fato? Essas foram algumas de nossas premissas.
Como se verá na reportagem, os próprios ciganos praticam esse jogo de ocultar e revelar, de acordo com a conveniência das máscaras e dos momentos, como fazem os demais. Mas o nosso encontro com alguns dos membros desse grupo sugere que muitas das (más) qualificações que lhes imputamos são frutos de anos e anos de ideologização.
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