Em residência artística na Ilha do Ferro, Pedro pôde aproximar-se dos principais elementos daquele universo: homens e mulheres, serpentes, pássaros e lagartos, cadeiras, mesas, bancos e ex-votos. Em sua visão, seres antropomórficos e animais brotam de raízes, galhos e troncos que circundam o povoado. O modo intuitivo de produção dos artesãos também chamou a atenção do ilustrador, que, na série, chegou a trabalhar sem borracha, fazendo dos erros possibilidades reais de mudança de trajetos em seus desenhos.
Dos que rastejam e dos que cantam é uma das obras inspiradas em Manoel de Barros e nos artesãos da Ilha do Ferro (AL). Imagem: Reprodução
Não foi difícil para ele enxergar o elo entre esses elementos tão locais e próprios daquela região com a poesia de Manoel de Barros. “Na Ilha do Ferro, trabalha-se a representação da natureza por meio da escultura, e o Manoel, através da poesia”, diz. Sua interpretação para essas duas vertentes são imagens de corcundas e galhos, cujas extensões se espalham pelo papel – figuras estranhas em comunhão com a natureza, remetendo o observador a um certo surrealismo ou mesmo ao realismo fantástico. Essa simbiose, aliada às cores e composições, confere um ar carregado, sombrio e sarcástico aos trabalhos. Daí, segundo Pedro, algumas pessoas afirmarem sentir apreensão diante deles.
A maioria de seus trabalhos ganha vida no papel. Imagem: Reprodução
A sua proposta, nessa série, é o reconhecimento, a compreensão do lugar de
origem, a busca do “quem sou olhando para o chão”, numa referência aos trabalhos do poeta Manoel de Barros. “Alagoas é um lugar onde as pessoas não sabem direito quem elas são. Não valorizam o passado, vivem o presente, sem pensar no futuro. Esse mergulho nos símbolos da arte popular do estado reforça meu incentivo e minha procura por essa essência alagoana. Sou muito bem-recebido aqui, as pessoas gostam do meu trabalho, mas quero estimular uma reflexão que as faça olhar para tudo o que Alagoas tem a oferecer”, pontua.
O ilustrador gosta de trabalhar em toda a extensão da superfície, criando
variadas texturas. Imagem: Reprodução
Essa relação com o “chão de origem” fez com que Pedro mantivesse seu ateliê em Maceió, apesar de muitos defenderem que o melhor seria migrar para o Sudeste. A distância geográfica do centro econômico não tem impedido que o ilustrador desenvolva trabalhos para os mais diferentes suportes, sejam capas de livros, CDs, ilustrações para livros infantis, estampas, cartazes, periódicos. Segundo ele, mesmo quando são trabalhos feitos sob encomenda, seu traço e estilo ficam bastante claros. Como se já houvesse entre ele e seus clientes uma identificação.
Alguns de seus desenhos exploram a simbiose entre os animais
e a natureza. Imagem: Reprodução
O início de sua carreira como desenhista profissional não se deu em Alagoas. Em 2006, Pedro Lucena atuava como professor e seguiu para a Amazônia com uma aluna estrangeira, para ajudá-la num projeto. Ao chegar lá, foi tocado pela riqueza natural do lugar e começou a desenhar. Seus esboços chamaram a atenção do coordenador de um projeto de preservação de quelônios, que o convidou para produzir uma cartilha. “Nessa hora, tive a percepção de que deveria investir no desenho. Uma pessoa que não me conhecia estava me contratando para trabalhar.” Foi aí que o garoto que desenhava para os amigos ganhou o mundo, mas sem esquecer suas raízes.
MARIANA OLIVEIRA, repórter especial da revista Continente.