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Pedro Lucena

Fincado em suas raízes

TEXTO Mariana Oliveira

01 de Março de 2013

Figuras corcundas são recorrentes nos trabalhos da exposição 'Ciscos'

Figuras corcundas são recorrentes nos trabalhos da exposição 'Ciscos'

Imagem Reprodução

Foi o desafio proposto por uma colega que levou o alagoano Pedro Lucena a desenvolver uma de suas mais recentes séries. “Por que você não junta elementos de Manoel de Barros às referências da produção artesanal da Ilha do Ferro?” Instigado pela proposta, o ilustrador elaborou obras que têm como inspiração esses dois universos. Ele já havia lido Manoel de Barros e visitado a alagoana Ilha do Ferro, mas para empreender o projeto foi preciso voltar ao lugar e ler as obras completas do escritor mato-grossense. Nesse estudo, percebeu que tanto Manoel de Barros quanto os artistas da Ilha do Ferro tinham a natureza como um tema de excelência. Parte dos resultados dessa investigação foram expostos em Maceió, até o fim de janeiro, na mostra Ciscos. Em agosto, as obras vão sair do papel e das paredes e dar vida a personagens no espetáculo de teatro de rua batizado de EmCiscos, cujo projeto foi contemplado com o prêmio do BNB.


O ilustrador tomou como referência Chapeuzinho Vermelho
e
Alice no país das maravilhas. Imagem: Reprodução

Em residência artística na Ilha do Ferro, Pedro pôde aproximar-se dos principais elementos daquele universo: homens e mulheres, serpentes, pássaros e lagartos, cadeiras, mesas, bancos e ex-votos. Em sua visão, seres antropomórficos e animais brotam de raízes, galhos e troncos que circundam o povoado. O modo intuitivo de produção dos artesãos também chamou a atenção do ilustrador, que, na série, chegou a trabalhar sem borracha, fazendo dos erros possibilidades reais de mudança de trajetos em seus desenhos.



Dos que rastejam e dos que cantam é uma das obras inspiradas em Manoel de Barros e nos artesãos da Ilha do Ferro (AL). Imagem: Reprodução

Não foi difícil para ele enxergar o elo entre esses elementos tão locais e próprios daquela região com a poesia de Manoel de Barros. “Na Ilha do Ferro, trabalha-se a representação da natureza por meio da escultura, e o Manoel, através da poesia”, diz. Sua interpretação para essas duas vertentes são imagens de corcundas e galhos, cujas extensões se espalham pelo papel – figuras estranhas em comunhão com a natureza, remetendo o observador a um certo surrealismo ou mesmo ao realismo fantástico. Essa simbiose, aliada às cores e composições, confere um ar carregado, sombrio e sarcástico aos trabalhos. Daí, segundo Pedro, algumas pessoas afirmarem sentir apreensão diante deles.


A maioria de seus trabalhos ganha vida no papel. Imagem: Reprodução

A sua proposta, nessa série, é o reconhecimento, a compreensão do lugar de
origem, a busca do “quem sou olhando para o chão”, numa referência aos trabalhos do poeta Manoel de Barros. “Alagoas é um lugar onde as pessoas não sabem direito quem elas são. Não valorizam o passado, vivem o presente, sem pensar no futuro. Esse mergulho nos símbolos da arte popular do estado reforça meu incentivo e minha procura por essa essência alagoana. Sou muito bem-recebido aqui, as pessoas gostam do meu trabalho, mas quero estimular uma reflexão que as faça olhar para tudo o que Alagoas tem a oferecer”, pontua.



O ilustrador gosta de trabalhar em toda a extensão da superfície, criando
variadas texturas. Imagem: Reprodução

Essa relação com o “chão de origem” fez com que Pedro mantivesse seu ateliê em Maceió, apesar de muitos defenderem que o melhor seria migrar para o Sudeste. A distância geográfica do centro econômico não tem impedido que o ilustrador desenvolva trabalhos para os mais diferentes suportes, sejam capas de livros, CDs, ilustrações para livros infantis, estampas, cartazes, periódicos. Segundo ele, mesmo quando são trabalhos feitos sob encomenda, seu traço e estilo ficam bastante claros. Como se já houvesse entre ele e seus clientes uma identificação.


Alguns de seus desenhos exploram a simbiose entre os animais
e a natureza. Imagem: Reprodução

O início de sua carreira como desenhista profissional não se deu em Alagoas. Em 2006, Pedro Lucena atuava como professor e seguiu para a Amazônia com uma aluna estrangeira, para ajudá-la num projeto. Ao chegar lá, foi tocado pela riqueza natural do lugar e começou a desenhar. Seus esboços chamaram a atenção do coordenador de um projeto de preservação de quelônios, que o convidou para produzir uma cartilha. “Nessa hora, tive a percepção de que deveria investir no desenho. Uma pessoa que não me conhecia estava me contratando para trabalhar.” Foi aí que o garoto que desenhava para os amigos ganhou o mundo, mas sem esquecer suas raízes. 

MARIANA OLIVEIRA, repórter especial da revista Continente.

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