No que se refere a salários, a tendência de pagar somas astronômicas a grandes estrelas começou para valer somente nos anos 1960. Durante as primeiras duas décadas do século 20, poucos atores conseguiam viver exclusivamente do cinema. Mary Pickford, uma das atrizes mais famosas do cinema mudo (e provavelmente a que tinha maior tino comercial), começou a carreira em 1909, ganhando um salário de 10 dólares por dia (o equivalente hoje a 230 dólares – levando em consideração a inflação do período). Esse era o valor padrão dos contratos da época, e 98% dos atores de Hollywood não ganhavam mais do que isso. Menos de 10 anos depois, porém, Pickford assinou um contrato muito mais lucrativo: 675 mil dólares por três filmes (11,3 milhões, nos dias de hoje), tendo direito a levar 50% dos lucros dessas produções.
Pickford, Charles Chaplin e David W. Griffith (diretor do influente O nascimento de uma nação) estavam entre os raros que faturavam alto em Hollywood, tornando-se milionários. Fundaram juntos, em 1919, o estúdio United Artists, que, por seu gigantismo, foi importante agente na construção das normas que estabeleceram o star system, sistema de produção diretamente responsável pela fama de Hollywood como fábrica de sonhos. Esse sistema se desenvolveu no começo da década de 1930, durou pouco mais de 20 anos e era centrado na figura do ator como celebridade. A cultura das celebridades que vivemos hoje nasceu dessa maneira. No entanto, os atores da época usufruíam mais da fama do que do dinheiro.
Além de serem modestamente pagos, eram raros os atores que recebiam salários mensais em Hollywood, até os anos 1950. Eles assinavam contratos anuais com os estúdios, eram pagos semanalmente e faziam até quatro filmes por ano, recebendo o mesmo pagamento, fossem os filmes fracassos ou sucessos. Ingrid Bergman, a estrela sueca que brilhou como ícone de beleza e talento nos anos 1940, recebeu apenas 25 mil dólares para fazer Casablanca, filme legendário de Hollywood. Hoje, esse valor corresponderia a cerca de 400 mil dólares. Humphrey Bogart, par romântico da atriz no mesmo filme e considerado um ator bem pago da época, recebeu igual valor. O star system era generoso com seus astros apenas em glamour. A parte dos lucros obtidos pelos estúdios ia para o bolso de executivos, especialmente aqueles que lideravam a parte criativa da produção, como David Selznick e Louis B. Mayer (da MGM).
DIVA MILIONÁRIA
Essa tradição começou a mudar no princípio dos anos 1960. Na época, Hollywood começava a viver uma intensa crise criativa. A geração de pioneiros que havia criado tantas obras-primas e erguido todo um sistema de produção bem-sucedido começava a se aposentar. Fora dos Estados Unidos, um cinema jovem, irreverente e disposto a correr riscos para produzir algo diferente estava sendo produzido, em particular na França de Jean-Luc Godard e François Truffaut. Ao mesmo tempo, a ascensão de uma nova geração norte-americana de talentos marcou o surgimento de outra maneira de fazer filmes e uma distribuição de renda que valorizava mais o ator. Começava aí a era dos salários astronômicos. Em 1963, pela primeira vez, uma atriz – Elizabeth Taylor – rompia uma barreira simbólica fundamental, ao receber 1 milhão de dólares por um único filme: Cleópatra. Contabilizada a inflação, se aceitasse o mesmo acordo em 2013, Liz Taylor sairia dos sets de filmagem 7,5 milhões de dólares mais rica. Reza a lenda, que a cifra resultou de uma mera brincadeira feita pela diva, que teria chutado um valor alto ao receber a proposta para protagonizar o filme. Taylor teria tomado um choque ao ver a proposta prontamente aceita pelos produtores da Fox.
Brad Pitt anteviu o fim dos grandes cachês em Hollywood. Foto: Reprodução
Já nos anos 1970, com a consolidação da cultura do blockbuster, a partir de filmes como Tubarão (1975) e Guerra nas estrelas (1977), os atores-celebridades passaram a receber salários cada vez mais vultosos. Clint Eastwood, por exemplo, recebia 1 milhão de dólares por filme (5,4 milhões em valores de hoje), regularmente. Nas duas décadas seguintes, os cachês continuaram aumentando: Sean Connery foi o primeiro ator a romper a barreira dos 10 milhões de dólares (18,2 milhões em 2013) por um só trabalho, a aventura Caçada ao Outubro Vermelho (1990). Seis anos depois, Jim Carrey levou o dobro (hoje seriam 29,9 milhões) pela comédia O pentelho (1996). O valor de 20 milhões acabou se tornando um número cabalístico, mágico – pré-requisito de acesso ao primeiro time das supercelebridades. Um ator só seria realmente grande quando fizesse um filme ganhando esse montante. Algumas das principais estrelas se acostumaram a atingir regularmente esse patamar – Tom Cruise, Denzel Washington e Tom Hanks são exemplos desse clube exclusivo.
Também é preciso lembrar que salários substanciosos só costumam ser exigidos pelos atores de prestígio quando a produção em questão tem alta expectativa de faturamento, fato que nem sempre vem acompanhado da mesma expectativa quanto à qualidade do texto. É por isso que os astros que cobram milhões para protagonizar aventuras e filmes carregados de efeitos especiais costumam trabalhar, por valores meramente simbólicos, com diretores de grande prestígio crítico. Dessa forma, cineastas como Woody Allen e Robert Altman reuniram grandes estrelas, incluindo atores como Leonardo Di Caprio e Julia Roberts em filmes com orçamentos inteiros menores do que os salários recebidos por eles nas grandes produções.
Em 2013, contudo, mesmo esses nomes estelares têm dificuldade para assinar contratos superfaturados. Há diversas razões para isso. Em primeiro lugar, os executivos dos estúdios perceberam que não haveria modo de estancar a inflação dos salários, se não começassem a praticar outro tipo de acordo com os atores. A partir de meados dos anos 1990, tornaram-se comuns os contratos de risco. Funcionava – e ainda funciona – assim: o astro fecha contrato por um valor fixo baixo, e garante para si um percentual dos lucros. Seus ganhos financeiros só serão grandes se aquele filme fizer sucesso. Foi dessa maneira que Jack Nicholson bateu o recorde de valor mais alto recebido por um único trabalho: seus ganhos em Batman (1991) chegaram a 60 milhões de dólares, o equivalente hoje a 103 milhões. Atores como Tom Cruise e Brad Pitt costumam assinar seus filmes também como produtores executivos, assumindo a responsabilidade por um sucesso ou um fracasso – e é assim que continuam, quando bem-sucedidos, garantindo ganhos astronômicos sem ter salários tão altos.
A outra razão para que os salários estejam baixando é mais complexa. Acontece que, desde o começo da década de 1990, quando a quantidade de capital circulante nas bolsas de valores cresceu de modo acelerado, as fontes de financiamento de filmes em Hollywood tornaram-se mais diversificadas. Ao contrário do que muita gente pensa, o dinheiro para custear os filmes mais caros (esses que ultrapassam os 100 ou 200 milhões de dólares de orçamento) não sai diretamente dos cofres dos estúdios, mas de investidores independentes. Desse modo, a maior parte do dinheiro para filmes tem vindo de bilionários e fundos financeiros que, muitas vezes, estão fora dos Estados Unidos (frequentemente, países do Oriente Médio e da Ásia).
O filme Cleópatra, com Elizabeth Taylor, estabeleceu novo patamar de salário
para atores. Foto: Reprodução
Quando a crise bate às portas desses investidores, as fontes de financiamento somem. Diante do quadro sombrio por que passa a economia internacional, é fato que os estúdios de Hollywood estão atraindo menos investidores – afinal, fazer filmes é um negócio arriscado. Com menos dinheiro, os orçamentos das grandes produções sofrem cortes, e os salários dos atores estão entre as áreas mais atingidas por essas operações de reorganização financeira. É por isso que as perspectivas para os próximos anos, como disse Brad Pitt, não são nada animadoras.
RODRIGO CARREIRO, jornalista, professor e crítico de cinema.