Slavoj Žižek nasceu em 1949 em Liubliana, capital da pequena República Popular da Eslovênia, então parte da federação iugoslava. Portanto, cresceu dentro de um regime proclamado como marxista. Na prática cotidiana, foi influenciado pelo comunismo, mas elaborou uma crítica ao marxismo já nos seus primeiros trabalhos acadêmicos. Estudou Filosofia e Sociologia em Liubliana e Psicanálise em Paris. Traduziu para o esloveno textos de Jacques Lacan, Jacques Derrida, Sigmund Freud e Louis Althusser. Em 1973, perdeu o emprego na Eslovênia porque sua dissertação de mestrado foi considerada como não marxista. Tornou-se uma espécie de dissidente tolerado. Em 1988, decidiu sair do Partido Comunista da Iugoslávia, em protesto pela condenação de quatro pessoas acusadas de divulgarem segredos do Exército do Povo. Dois anos depois, candidatou-se a presidente da recém–independente República da Eslovênia, pelo Partido Liberal Democrático, mas não foi eleito.
Seu primeiro livro em inglês, O sublime objeto da ideologia, saiu em 1989 e, a partir daí, sua fama foi se espalhando. Já tem mais de 70 livros lançados e traduzidos em muitas línguas. No Brasil, são pelo menos 17 títulos publicados. Participou de 10 documentários, um deles intitulado simplesmente Žižek, dirigido pela canadense Astra Taylor, totalmente dedicado à sua trajetória. Em Examined life, outro documentário de Taylor, que aborda a filosofia, o esloveno fala de estética ao lado de um depósito de lixo, bem ao gosto do seu estilo performático.
Tem sido convidado a ensinar em muitas universidades norte-americanas e virou figura carimbada nos movimentos contestatórios tipo Occupy Wall Street. Onde, aliás, fez um discurso na rua para os manifestantes, sem microfone, tendo sua mensagem reproduzida como uma onda através da voz dos militantes mais próximos, como nos tempos de 1968.
Seu sobrenome, com dois pequenos sinais diacríticos em formato de “v”, sobre a letra “z”, próprio da escrita eslovena (o que torna a pronúncia equivalente a Jíjek), virou marca registrada no circuito internacional de palestras e páginas de opinião dos grandes jornais.
Polêmico, tem estado nas manchetes com afirmações provocadoras. “O problema de Hitler é que ele não foi violento o suficiente. Gandhi foi mais violento do que Hitler”, afirmou. Em seguida, defendeu-se das reações apresentando novas definições para velhos conceitos. “A verdadeira violência é a violência da mudança social.” Segundo ele, as atitudes de Gandhi foram, no fim das contas, mais radicais e efetivas, conseguindo liberar a Índia do colonialismo, do que os tanques de Hitler, que acabaram perdendo a guerra. Aliás, Žižek sempre demonstra uma fascinação pela violência e chegou até a afirmar que “o amor é um ato muito violento”.
Ele critica o multiculturalismo e o politicamente correto. É contraditório em relação ao stalinismo (talvez mais como charme e provocação do que como opinião sincera). Gosta de fazer referências ao cristianismo e, certa vez, afirmou ser um “materialista cristão”. Já descreveu sua obra também como uma “teologia materialista”.
QUESTÕES DE ESTILO
A despeito da verve, da produtividade estonteante e do sucesso editorial, seguir um texto do esloveno pode, pelo menos nos livros, deixar uma pessoa desnorteada. As frases são longas, o estilo é denso e cheio de referências, que remetem a outros pensadores contemporâneos e exigem também um conhecimento profundo da História da Filosofia.
Žižek aparenta ter lido tudo. Além de filosofia e psicanálise, utiliza-se de conceitos da física, biologia, história, literatura e do cinema para criticar tudo e todos. Apesar do verniz incendiário, suas ideias têm um componente paradoxal, que torna possível interpretá-las até mesmo como conservadoras ou de direita. No fim, o leitor sai confuso, sem saber se entendeu corretamente, mas com uma sensação de divertimento, um prazer difuso em perceber que as coisas não precisam ser como são.
As críticas ao seu estilo não são poucas. Escrevendo no periódico Film-Philosophy, o ensaísta Edward O’Neal assim define o estilo de escrita de Žižek: “um estonteante arsenal de estratégias retóricas enlouquecedoras e divertidas é apresentado com o objetivo de seduzir, intimidar, emudecer, deslumbrar, confundir, enganar, oprimir e, de forma geral, subjugar o leitor para que ele aceite (os argumentos)”.
O acadêmico norte-americano Geoffrey Galt Harpham diz que o estilo de Žižek é “um fluxo de unidades não consecutivas, arranjadas em sequências arbitrárias que solicitam uma atenção esporádica e descontínua”.
No World Socialist Web Site, portal trotskista norte-americano, Bill van Auken e Adam Haig o acusaram de ser um “charlatão intelectual mascarado de esquerdista”, cujo marxismo é “contaminado pelo stalinismo e maoísmo”.
O próprio capitalismo produz esse tipo de personagem, um fenômeno mundial que percorre universidades e auditórios, denunciando o sistema, redefinindo conceitos e defendendo um regime comunista puro. No fim das contas, nada acontece, muita gente se diverte e a sociedade baseada no consumismo avança.
Enquanto isso, a fama de Žižek só aumenta. Em breve, suas ideias servirão de argumento para um espetáculo de ópera a ser encenado pela companhia da Royal Opera House, de Londres. Suas intervenções públicas estão em vídeos no YouTube. Há até uma publicação somente dedicada ao seu pensamento, o International Journal of Žižek Studies.
Esse papel do intelectual público, globalizado, provocador, com um quê de palhaço, é abordado pelo filósofo inglês John Gray, em artigo publicado em The New York Review of Books, em 2012. Ele afirma que “o radicalismo sem forma de Žižek se adapta muito bem a uma cultura paralisada pelo espetáculo de sua própria fragilidade”. Para Gray, o papel de intelectual público mundial que o esloveno desempenha “surgiu juntamente com um aparato de mídia e uma cultura da celebridade que são parte do modelo atual de expansão capitalista”. E acrescenta que “Žižek criou uma crítica que afirma repudiar praticamente tudo o que existe, mas que, ao mesmo tempo, reproduz o dinamismo compulsivo, sem propósito, que ele vê nas atividades do capitalismo”.
MARCELO ABREU, jornalista e autor de livros-reportagem e de viagem, como De Londres a Kathmandu.