Entrevista

"Descobri um prazer muito grande no cinema"

Em cartaz no filme 'Fortaleza Hotel', que marca seu primeiro papel como protagonista, a atriz pernambucana Clébia Sousa fala de trajetória e criação de personagens

TEXTO Luciana Veras

14 de Fevereiro de 2022

Atriz pernambucana como Pilar, seu primeiro papel de protagonista

Atriz pernambucana como Pilar, seu primeiro papel de protagonista

FOTO Frame do filme

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Ela nasceu em Limoeiro
, no agreste pernambucano, em 1989. É professora em uma escola de audiovisual no Recife, onde dá aulas de interpretação e atuação para cinema, e era sempre escolhida pelos amigos do colégio para ser a rainha do milho. Estudou na Universidade Federal de Pernambuco e hoje mora na Zona Norte da capital, quando está na cidade, claro, porque vive a viajar. O motivo? Ela é atriz. E é impossível não conhecê-la. Porque qualquer pessoa que acompanhou o cinema nordestino na última década já viu a expressão assertiva e o olhar marcante de Clébia Sousa, que, em Fortaleza Hotel (Brasil, 2021), aparece em seu primeiro papel como protagonista. 

Neste segundo longa-metragem do realizador cearense Armando Praça (de Greta, de 2019), em cartaz no Recife e em diversas capitais brasileiras, Clébia vive Pilar, uma camareira no hotel que dá nome ao filme. Quando ela se aproxima de Shin (Lee Young-Lan), uma hóspede sul-coreana que vem ao Brasil para lidar com os trâmites burocráticos após a súbita morte do marido, nasce uma relação de interesses e afetos. “A gente não é luz, a gente é sombra também. Pilar tem essa dualidade”, constatava Clébia no 31º Cine Ceará, em uma frase destacada no texto que escrevi para a Continente de janeiro sobre Fortaleza Hotel

Pude conversar com essa versátil atriz ainda no Ceará, durante o festival, antes de ela embarcar de volta para rodar um seriado no Rio Grande do Norte (e no meio das gravações da segunda temporada de Manhãs de setembro, produção do Amazon Prime em que contracena com Liniker e Thomás Aquino). Era a manhã seguinte à primeira exibição de Fortaleza Hotel. "Tô numa correria danada, mas eu gosto", resumia, antes de começar a falar sobre o início da sua carreira. "Depois que me formei, e já tinha feito alguns filmes, passei um tempo no Rio de Janeiro, fiz uns cursos na CAL [Casa das Artes de Laranjeiras, RJ] e também na Cesgranrio. Uma das professoras sugeriu que eu mudasse meu nome. Em vez de Clébia, que assinasse Bia Sousa. Foi um tempo difícil também... As outras alunas era muito modeletes e eu, que tinha passado muito tempo fazendo filmes com cabelo liso, estava em transição capilar. Ainda bem que tive professores que acreditaram em mim", recorda. 

E ainda bem que ela mesma nem trocou o nome, tampouco desistiu de usar o cabelo com seus cachos naturais, e seguiu acreditando no seu potencial. Abaixo, seguem os principais trechos da nossa conversa. 
 
Clébia Sousa como protagonista. Imagem: Moçambique Audiovisual/Divulgação

CONTINENTE Você é de Limoeiro, mesma terra de Irandhir Santos, ator pernambucano hoje referendado no país inteiro como um dos mais talentosos de sua geração e decerto um dos rostos mais recorrentes na produção audiovisual contemporânea do nosso estado. Ser atriz era algo em que você pensava na infância, por exemplo?
CLÉBIA SOUSA Não, porque era muito distante, né? A gente sempre colocava o artista no lugar de quem tem berço de ouro, de quem tem “quem indica”, então não era algo em que eu pensava. Eu só me divertia, só brincava. Só assistia e gostava e era meio que obrigada, na escola, a fazer as coisas. Tipo, “quem vai ser a rainha do milho?”: Clébia. “Vamos fazer uma feira de ciências, um espetáculo, então quem vamos chamar?”: Clébia. Inclusive, eu era amiga de José Francisco, um primo de Irandhir. 

CONTINENTE Então você já conhecia Irandhir?
CLÉBIA SOUSA Não, eu nunca nem tinha ouvido falar nele, porque essa época eu tinha 15 anos. E era o período em que a gente estava descobrindo o que ia fazer no vestibular. E aí Zé Francisco me perguntou: “Ô, Clébia, e tu gostas já disso? Por que não tenta fazer vestibular para ser atriz?”. E eu tinha ideia de que iria ser atriz, mas não achava que ia ser possível. Até porque sair de Limoeiro para Recife é um gasto. Não sei se meu pai teria condições. 

CONTINENTE Como que é a sua família?
CLÉBIA SOUSA Somos eu, meu irmão, que é mais velho do que eu um ano, e meu pai e minha mãe. Meu irmão passou logo de cara no vestibular, inclusive. Ele se chama Cleiton… É meio dupla sertaneja: Cleiton e Clébia [risos]. 

CONTINENTE E seu nome veio da onde?
CLÉBIA SOUSA Quem sabe? Não sei o que passa na cabeça dessas mães! O nome da minha mãe é Maria José, mas todo mundo chama ela de Sílvia, o que é um tipo de pseudônimo. Não tem nada a ver, né? Mas todo mundo a conhece como Sílvia, ninguém sabe que o nome dela é Maria José. E meu pai é José Amaro, mas todo mundo o chama de Amaro. 

CONTINENTE Mas voltando ao vestibular...
CLÉBIA SOUSA Eu fiz para Artes Cênicas. E demorei um pouquinho, porque eu fiz para a UFPE e fiz também na Paraíba. Lembro que eu passei na Paraíba, só que houve um problema lá que na Paraíba era o vestibular seriado. Então eu fiz o primeiro ano e o segundo, mas no terceiro ano, eles tinham que dar um manual diferente só para quem fazia Artes Cênicas. Era diferente, pois tinha um dia em que a gente teria que fazer uma aula prática. Só que, para algumas pessoas, eles não mandaram esse manual. Cheguei lá e me disseram: “A prova foi ontem”, e eu: “Como assim?”. Só ia ter as outras provas específicas no outro dia. Chegamos a pensar em entrar com um processo, mas meu pai disse que não valeria a pena e que era melhor voltar e fazer vestibular de novo. Então voltei. Eu até tinha feito vestibular para a Universidade de Pernambuco, para História, Turismo e Psicologia, que eram as únicas coisas que eu achava que poderia fazer, mas comecei a fazer cursinho em Limoeiro para tentar Cênicas na Federal daqui de novo. 

CONTINENTE E aí?
CLÉBIA SOUSA E aí que eu vivia para estudar. Parecia que eu estava fazendo para Medicina. Não diminuindo meu curso, longe disso, mas estudei muito. E passei em Cênicas na Federal. Isso foi em 2009. Eu tinha 20 anos. 

CONTINENTE Então logo no ano seguinte, 2010, você já fez O som ao redor, foi isso?
CLÉBIA SOUSA Foi. Me lembro de que estava no quarto período e no meio da aula de Intepretação I, o que foi ótimo, porque tirei muita coisa dali para a construção das personagens. E um amigo que pagava essa disciplina comigo me disse: "Olha, está tendo um teste aí". Eu nem sabia quem era Kleber [Mendonça Filho]! Mulher, eu tinha vindo do interior. Não sabia de nada [risos]. 

CONTINENTE E como foi que surgiu esse teste?
CLÉBIA SOUSA Era lá na Federal com um pessoal de Comunicação. Sabia que era um teste para um filme e mais nada – nem se ia ser um longa ou um curta… Aí, então, fomos fazer. Minhas amigas e eu meio que saindo de duas em duas da aula para o professor não reclamar. Fizemos. Um mês depois, me ligam dizendo: "Olha, tu passou no filme de Kleber e a gente está te chamando para o segundo teste". E eu respondi: "Teste? Que teste?". Nem lembrava mais. E fui fazer o segundo teste, que era na casa de Kleber, e aí fui pesquisar quem era esse diretor. E, nessa época, a única pessoa da minha turma que tinha feito cinema era Nash Laila, então era uma coisa meio inalcançável… Só Nash tinha feito e todo mundo achava que era o máximo e ninguém achava que ia ser possível outra pessoa fazer cinema, porque era uma coisa que a gente não sabia dos testes… Era mais inacessível. Hoje é mais aberto. Aí conversei com Nash e ela disse: "Que massa, filme de Kleber, ele é massa, vai lá". 

Clébia em ação no set. Imagem: Moçambique Audiovisual/Divulgação

CONTINENTE Então depois de Nash lhe tranquilizar, você foi para o segundo teste?
CLÉBIA SOUSA Fui sim e até já contei essa história uma vez lá no Cinema da Fundação e Kleber morreu de rir. Porque quando eu soube que ele morava em Setúbal, e fiquei pensando que poderia ser uma rua esquisita, sabe, meus amigos começaram a dizer: "Ih, esse cara vai fazer o teste do sofá contigo". E se ele for um estuprador? E se quiser que eu faça o teste do sofá e vier para cima de mim? Não, não ia fazer o teste do sofá de jeito nenhum. Então, fui lá e, quando cheguei na casa de Kleber, que é o apartamento onde O som ao redor foi filmado, ele estava de bermuda e sandália, muito à vontade. Pensei: "Fodeu", e desculpa a expressão, mas foi o que pensei mesmo. "Esse cara quer fazer o teste do sofá." Aí, daqui a pouco, quando olho, estava Emilie [Lesclaux] descendo a escada, ela que é a mulher e produtora dele, e veio descendo a escada e ajeitando o vestido. E, na minha cabeça, eu já comecei a achar que ela tinha acabado de fazer o teste do sofá e pronto, era aquilo mesmo. Mas aí Kleber me chama para começar o teste e, quando eu vi, outras pessoas estavam lá, inclusive Irandhir. E fomos fazer o teste na rua lá em Setúbal e foi aí que eu aproveitei para conhecer esse ídolo. E até falei: "Eu sou amiga de Zequinha, você é primo dele, não é?". E deu tudo certo. O mais maravilhoso é que, depois disso, fui emendando um projeto em outro no cinema. 

CONTINENTE Em 10 anos, foram quantos filmes?
CLÉBIA SOUSA Ah, acho que uns 20 já. Depois de O som ao redor, eu fiz um curta chamado Como dois estranhos, que foi no mesmo período em que estava fazendo teste para Tatuagem. Aí passei em Tatuagem, depois fiz O nó do diabo. Aliás, O nó do diabo ia ser uma série, então teoricamente aquele seria meu protagonista, o protagonista daquele episódio, mas aí virou um longa. Fiz Quarto para alugar e Caranguejo rei, de Enock Carvalho e Matheus Farias, do Recife, Bacurau, de Kleber e Juliano Dornelles, e também estou em Curral, de Marcelo Brennand, e Propriedade privada, de Daniel Bandeira, que estão para sair. Ah, também fiz um de Marcelo Gomes, Paloma, que ainda vai ser lançado. 

CONTINENTE Agora vemos uma culminância dessa trajetória em Fortaleza Hotel, primeiro longa em que você atua como protagonista. De uma certa forma, Pilar, sua personagem, é um marco nesses 11 anos de carreira. Existe algum outro papel que você tenha feito que lhe deu a certeza de estar no caminho certo?
CLÉBIA SOUSA Acho que sempre foi assim. Eu nunca tive dúvida de que gostava muito de atuar. E descobri um prazer muito grande no cinema. Porque é algo muito natural… É você fazer o que aquele personagem tá ali fazendo. Você sente. 

CONTINENTE O que tem de Clébia em Pilar?
CLÉBIA SOUSA Essa determinação dela. Sou muito determinada e, vindo de onde vi, e passando por altos e baixos e cobranças… Muitas vezes, meu pai ainda segura a onda para mim, financeiramente, porque as coisas não são fáceis assim, né? Acho que eu sou muito determinada. E acho que a Pilar tem esse lugar: ela quer mudar de vida e não importa se ela é mãe. A gente tem esse lugar da maternidade que tem que se anular pelo filho. Acho que a Pilar mostra isso, sabe? Por que ela precisa se anular se ela não quis ter essa criança nova? Ela meio que estragou a adolescência dela tendo aquela filha, tanto é que as duas têm uma relação mais de irmãs do que de mãe e filha, e ela quer ir para a fora do país, quer outra coisa, quer ganhar dinheiro… Quer vencer na vida. Acho que eu tenho esse lugar da determinação da Pilar.

CONTINENTE E o que ela tem que você não tem? O que é só de Pilar?
CLÉBIA SOUSA Vai ser difícil. Porque eu acho que até a maldade, no lugar dela, eu faria isso também. Talvez pensaria em assaltar. Pensando na realidade da Pilar, de onde ela vive… Ela não decidiu roubar de cara, ela foi buscar outras maneiras. Mas, pensando bem, talvez eu não conseguisse apelar para isso. Porque, quando eu arrumo uma proximidade com a pessoa, mesmo que tenha conseguido há pouco tempo e mesmo não sendo muito de perto, acho que não conseguiria fazer essa maldade. Porque aí eu já teria criado uma relação.



Armando Praça e Clébia Sousa. Imagem: Moçambique Audiovisual/Divulgação

CONTINENTE Uma vez que você recebeu o convite para essa personagem e aceitou, como é que você se apropria, se aproxima daquele universo? Qual é seu modus operandi, Clébia?
CLÉBIA SOUSA Eu sou muito metódica, muito mesmo. Primeiro, eu vou receber esse roteiro e vou ler e reler mil vezes e tirar todas as informações que estão ali, explícitas e implícitas. Depois que fui para o roteiro, vou buscar referências. Sou muito visual, então vou procurar filmes que eu acho que possam me trazer alguma coisa de emoção mesmo para aquela cena, vou procurar artistas plásticos que eu acho que têm imagens que, de alguma forma, me afetem. Por exemplo, na minha relação com Jamile (a filha dela na trama, interpretada por Larissa Góes), eu escutava Anjo negro, de Gal Costa. Uma música que eu achava que tinha tudo a ver com a nossa relação. Então, sempre que eu via a Larissa, eu escutava aquela música, que é muito forte, que me emociona e que eu achava que tinha tudo a ver com a relação delas duas. A história me dá o estado, a música tem esse lugar de sensibilidade que nos afeta, o cérebro está aí para dizer, e esse lance do visual também. É quase um CSI, eu gosto de dizer [risos]. Da Pilar mesmo, eu fiz um grande anagrama no hotel: botei Pilar, Shin, Socorro, o Fortaleza Hotel, as relações que ela tem.

CONTINENTE Quase um trabalho de arqueologia, de detetive.
CLÉBIA SOUSA É, é bem isso. Faço tudo isso e depois eu coloco as imagens que eu acho que têm a ver com a personagem, com as cenas, com as pessoas daquele mundo. E, num contexto geral, busco músicas também. Eu piro, na verdade. Piro mesmo. E, às vezes, procuro coisas que não têm nada a ver com o filme, mas, de alguma forma, me afetam. Então, se aquilo me afeta, já acho válido. Faço todo esse processo e aí depois entro com os truques. Construo para depois desconstruir.

CONTINENTE Como é essa desconstrução?
CLÉBIA SOUSA É quando eu pego tudo que fiz, que pesquisei, que construí e levo para o ensaio. Aí, lá no ensaio, vou ver se o que construí tem a ver com o que vou escutar das outras pessoas. E vou me relacionar com os outros atores, vou ver qual o olhar que esses outros atores trazem dos personagens deles sobre o meu e do meu sobre aquelas figuras, e se o que eu pensei é mesmo o caminho para esse momento de uma construção coletiva. Se for, então vamos partir daqui juntos. Se não, vamos mudar isso ou aquilo.

CONTINENTE Teve alguma coisa assim em Fortaleza Hotel?
CLÉBIA SOUSA Sim. Eu acho que todo mundo trouxe uma coisinha, sabe? É impossível a gente não trazer algo, nem que seja um diálogo, um choro ou uma palavra a mais que se coloca.

CONTINENTE Aquela cena em que Pilar diz que a palavra que ela mais gosta em inglês é "sure" é uma prova disso? Estava no roteiro ou foi trazida por você?
CLÉBIA SOUSA Não tinha essa palavra específica no roteiro. Tinha um texto em que a Pilar falava sobre isso, sobre aprender inglês, mas aí eu, Clébia, gostava da sonoridade dessa palavra. E quando ela perguntou na cena, eu respondi. Adorei esse charme do "sure", acho que tem uma coisa na língua, que dobra, e tem uma sonoridade boa. Acho que a gente sempre traz coisas para o personagem. E tudo pode mudar no set. Porque uma coisa é o roteiro escrito e trabalhado nos ensaios, outra é quando passa para os atores e aí já vira outro quando grava. E você pode descobrir, inclusive, mais coisas sobre aqueles personagens durante a gravação. Tudo pode mudar… E quando edita, vira outra coisa também. 


Pilar e Shin para além do idioma. Imagem: Moçambique Audiovisual/Divulgação

CONTINENTE Me chama a atenção que, em várias cenas do filme, você consegue dosar bem a emoção. Tem momentos de maior explosão, como quando Pilar vai atrás da filha e encontra o traficante, e outros de contenção. Como você busca esse equilíbrio?
CLÉBIA SOUSA Tem um diretor paraibano, Ian Abé, que me dirigiu em O nó do diabo, que me dizia que eu ficava muito bem chorando. Acho que a galera descobre que eu tenho facilidade para chorar e aí quer me botar para chorar em todo filme [risos]. Falando sério agora: eu brinco assim, mas acho que a gente não deve buscar a emoção. E isso é algo que eu vivo dizendo para os meus alunos. Emoção é consequência da atuação e não posso perseguir o choro, ir atrás das lágrimas. Eu posso até marcar a cena.Posso até marcar na cena, entender que naquela cena está escrito assim, que tem um choro, mas eu não posso ir buscar, ou melhor, fabricar. Eu tenho que entender de onde vem aquilo. Por que determinada cena vai ser emocional? Aí, quando eu entender o que leva a personagem a agir assim, eu posso, sim, passar aquela emoção.


CONTINENTE Imagino que isso aconteça de várias formas, não é mesmo?
CLÉBIA SOUSA Sim. A dor, o prazer, a alegria… são diversas maneiras para falar e chorar. Se eu estou num set e o diretor exige isso, vou tentar trazer, primeiro pelo entendimento daquela emoção, depois vou buscar de outras formas. Assim, eu não consigo pensar apenas no choro. O choro é consequência. Penso na emoção como um todo. E aí vou para o corpo, porque o corpo também registra, e nele eu descubro cem maneiras de ativar determinada emoção. Vou para as músicas, para as imagens, para os outros caminhos que usei, lá atrás, para a compor aquela personagem. Mas não é uma busca. É consequência.

CONTINENTE Naquela que talvez seja a cena mais emblemática de Fortaleza Hotel, quando Pilar e Shin dançam, dá para perceber como você usa a linguagem corporal como idioma de acesso à outra pessoa. Porque ali são duas mulheres que vêm de dois países diferentes, falam duas línguas distintas, tentam se encontram no inglês, mas é ao afeto que vão se vincular.
CLÉBIA SOUSA Acho que foi tudo muito natural, a forma como se deu a nossa relação, porque de a gente não conseguia se comunicar. Às vezes, queria conversar e não conseguia mesmo. Tinha um intérprete com ela toda hora, mas às vezes a gente não queria usar aquela pessoa. Então, muitas vezes a Lee falava, eu entendia o que ela queria falar pelo corpo. Pelo gestual. Outras vezes, eu ia falando em português e ela respondia em inglês. E tinha o gesto também. E aos poucos a gente foi criando uma relação em que ela só olhava pra mim e eu já entendia. Devolvia o olhar e ela entendia também. E fomos criando um código só nosso, através do olhar, porque eu acho que a arte leva a isso. A não precisar se comunicar apenas com as palavras… Mas com os gestos, o olhar. Naquela cena da música, a gente até tinha ensaiado um pouco na preparação, tinha experimentado algumas coisas. Mas na hora de filmar, fomos, as duas, tentando nos entender sem saber direito como nos comunicar com aqueles corpos. Até onde eu posso ir também naquele outro corpo? Terminou que foi muito tranquilo. No início, houve esse choque de cultura mesmo, mas depois fomos nos entendendo. E dançando conforme a música.


LUCIANA VERAS, repórter especial da Continente e crítica de cinema.

Publicidade

veja também

“O que eu ouvia é que isso não era uma profissão” [parte 2]

“O que eu ouvia é que isso não era uma profissão” [parte 1]

“Arte demanda um completo sacrifício”