Edição #205

Janeiro 18

Nesta edição

Além do tecido e do corte

“Viver é desenhar sem borracha.”
Millôr Fernandes

O Brasil parece viver de pequenos milagres, surpreendentes acontecimentos que contrariam positivamente um suposto destino em meio a um contexto inóspito. Um desses milagres aconteceu em Minas Gerais. Cinco órfãos com idade entre 5 e 11 anos conseguiram sobreviver à ausência dos pais. Com a ajuda dos vizinhos, recebiam donativos. Uma dessas crianças gostava muito de desenhar e seu sonho era fazer um curso para aprimorar sua técnica. Um dia, já adolescente, descobriu o curso de moda gratuito do Senac . Inscreveu-se. Após conclui-lo, recebeu da instituição uma oferta de emprego de estilista. Pouco tempo depois, veio o convite para ganhar três vezes mais num ateliê de alta-costura. Lá aprendeu a engenharia e a arquitetura de uma roupa.

Depois de cursar Estilismo na UFMG, foi estudar em Nova York. Um dia, ao conhecer a Comme de Garçons, do estilista Rei Kawakubo, teve uma epifania ao inesperado som da canção Pastorinhas (Noel Rosa/Braguinha), na voz de Dalva de Oliveira. Sentou na calçada e começou a chorar, traçando, ele mesmo, seu destino: voltar ao Brasil e fazer como os japoneses, usar a tradição para criar o contemporâneo. Assim, se tornou Ronaldo Fraga. Hoje, aos 50 anos, é uma das vozes mais críticas de um setor apontado como fútil, mas que, nas suas mãos, transforma-se em arte ou cultura, como ele diz preferir, nesta entrevista à Continente. Na conversa, tema de nossa capa, ele fala sobre a necessidade de se pensar a moda para além do tecido e do corte.

Outro pequeno milagre, celebrado nesta edição, é o surgimento da gravadora Rozenblit. Nascida nos anos 1950, de uma família de imigrantes judeus que vieram para o Recife, a empresa rompeu o poderio do eixo Rio-São Paulo e se tornou uma das mais bem-sucedidas do ramo. Contribuiu para divulgar os ritmos pernambucanos e nordestinos e lançou no Brasil nomes relevantes da música nacional e internacional. Encerrou o seu ciclo em 1984 e seu fundador faleceu em 2016, legando um acervo que ainda hoje reverbera nos tímpanos país afora. Essa trajetória é narrada através de HQ, com roteiro de Débora Nascimento e Flavão, autor dos desenhos que retratam a vida na periferia recifense e as enchentes que castigaram, principalmente, os mais vulneráveis na cidade.

Com esta edição, desejamos a todos um 2018 com muita força de vontade para desenharmos novos milagres.

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