As sombras se movimentam e ganham proporções enormes, projetadas nas lonas multicoloridas e remendadas. Vistas de longe, parecem um teatro de sombras. No caminho para dentro do pequeno circo recém-chegado, ainda com todas as lâmpadas alaranjadas funcionando no cabo elétrico pendurado que nos guiam para a porta de entrada, o burburinho de pessoas ansiosas para o início do espetáculo. As baixas luzes dos filamentos de tungstênio iluminam o sorriso da menina de cabelos cacheados e olhar profundo. Sentada em um canto estrategicamente escolhido, observa o que se passa atentamente. Ao contrário da amiguinha que a acompanha, filha do prefeito da pequena cidade sertaneja de Tuparetama, que fornece os ingressos toda vez que um circo chega na cidade, a pequena Odília não perde uma matinê. E, ao contrário das pessoas que ocupam aquelas arquibancadas instáveis, não liga para as piadas de duplo sentido, a pipoca ou guloseimas, ou para qualquer outra coisa senão o poder dos palhaços de ter a plateia nas mãos.
As luzes se apagam e o cheiro da pipoca doce e do churrasco se dissipam. Numa época em que as crianças brincavam de circo, a menina era dona do seu. Os palhaços, além dela própria, eram os camelôs dos mercados públicos e das feiras livres, hábeis mestres em juntar pessoas em volta de si, encantar, comover. Eles, como num filme de Fellini, também eram atração para os olhos da menina que, hoje, aos 35 anos, cultiva-os com carinho na memória.
A imaginação voa quando se conversa com Odília. Enquanto ela conta sobre sua infância e como o circo de outrora influenciou sua formação como atriz, disperso-me das anotações, tentando absorver as sensações que ela sugere. Um tipo de habilidade inata aos brincantes. Talvez os grandes brincantes do Nordeste e do mundo sejam fascinantes porque adquiriram tal consciência. Para eles, a distância entre palco e público nunca existiu. Não precisam de quase nada para comunicar, muitas vezes a poesia, o olhar, os gestos ou as fantasias e objetos que os acompanham dão conta disso, como a boneca Ester, de Odília, que ganha vida através dos seus dedos, postada sobre sua caixa-teatro-realejo.
Com apenas 18 centímetros, a boneca se torna maior que sua manipuladora de quase 1,80 m e é capaz de tirar lágrimas da plateia sem precisar pronunciar uma única palavra, apenas plantando flores e olhando no fundo dos nossos olhos. Ou Cordelina, a boneca gigante feita de cabaça que abriga dentro de si a própria Odília, em um percurso existencial em meio a recordações às vezes amargas, temores, perdas e fantasmas pairando sobre o convívio familiar. Algo bastante universal, também.
E a palhaça Bandeira, então? Essa personagem andarilha, há 14 anos, narra as poesias sobre como ela resolveu seguir um sonho que “nada mais é do que sair por aí, pelo mundo afora, contando histórias para os outros encantar”. Bandeira já brincou em terreiros além das fronteiras de Pernambuco… América do Sul, Europa…
Só no último ano, participou de festivais em Curitiba (a 9ª edição da Mostra Guritiba, teatro para crianças, um recorte do Festival de Curitiba), Paraíba, e nas cidades pernambucanas de Petrolina, Arcoverde e Triunfo. Para 2018, está preparando nova temporada no Recife e aguarda o lançamento de Mateus, longa-metragem de Dea Ferraz que aborda a vida e obra dos “Mateus” das brincadeiras de cavalo-marinho da Zona da Mata de Pernambuco: os mestres Martelo, Mocó, Seu Luiz e Zé de Bibi. No documentário, Bandeira e Jurema, o palhaço de Claudio Ferrario, viajam em um fusca 78 com o objetivo de resgatar a história particular desses homens e a dimensão artística desse personagem. O filme está em finalização e ainda não tem uma data para lançamento.
Quando não está em festivais pelo estado, Odília está se apresentando nas portas dos vizinhos, na escola das filhas, em casa. Está sempre em temporada, como gosta de dizer. Não é à toa que seus espetáculos contam com uma coadjuvante em comum: uma mala. (No caso de Cordelina, uma carroça.) O ato de fechá-la ou abri-la pode ser significativo, dependendo do contexto. Para a atriz, tanto Decripolou Totepou quanto Cordelina e sua bagagem repleta de memórias, imagens e cheiros representam processos de cura necessários à compreensão de sua natureza e as limitações causadas pela nossa ignorância e falta de coragem. Para se chegar a algum lugar é preciso sair de outro, e essa experiência pode ser mais ou menos penosa, dependendo do sentido em que caminhamos e das escolhas que fazemos. Ela fez as suas. Odília se vê como uma brincante.
***
Só volto a atenção às anotações quando ela interrompe a conversa.
– Canela! Deixa a galinha, Canela!
A cachorra obedece como se estivesse apenas tentando chamar a atenção. Contagiado pelo clima circense da nossa conversa, não deixo de ver aquilo como um número ensaiado. São duas, Canela, mais extrovertida, e Pepa, mais tímida. Elas seguem Odília por toda parte.
Chego em um dia peculiarmente quente, mas a casa é arejada e cheia de luz solar. Foi desenhada e construída pela própria Odília Renata Gomes Nunes, nascida em São José do Egito, mas criada em Tuparetama. Prefere só Odília, nome de sua avó, que foi adotado pela família por conta da previsão de uma cigana que os bisavós abrigaram numa noite antiga.
– Segundo as histórias, a cigana teria dito à minha bisavó, grávida, que ela não teria condições de criar a filha e pediu a criança. Claro que o pedido foi negado. Mas a profecia se cumpriu. Poucos dias depois do parto, minha bisavó morreu. Como meu bisavô teria achado a cigana muito bonita, resolveu dar o nome dela para a filha: Odília.
Atualmente, o nome desse bisavô, Bernardo Nunes, está na fachada da pequena escola onde suas duas filhas, Violeta, 9 anos, e Helena, 6, estudam, situada a 12 quilômetros do perímetro urbano de Ingazeira, município com cerca de 4.500 habitantes. A família de Bernardo teria sido a primeira a chegar à região, hoje conhecida como Minadouro, que abriga aproximadamente 100 pessoas em 30 casas espalhadas entre angicos, juazeiros, juremas, aroeiras e caatingueiras, no Vale do Rio Pajeú, sertão pernambucano.
Lugar escolhido por seus pais, dona Lurdinha, professora de matemática, e seu Expedito, agricultor, para aproveitarem a tranquilidade da aposentadoria. A escola Bernardo Nunes, além de ser o único local que possui internet, recebe no máximo 30 crianças, tem duas professoras e todos os problemas característicos da escola rural no país onde mais de 1/3 das escolas do campo encerraram suas atividades (dados do último Censo Escolar).
Odília recorda que na biblioteca da cidade de sua infância havia apenas um livro sobre teatro, de Maria Clara Machado. Em outros municípios, como Buíque, entre o Agreste e o Sertão, há uma biblioteca fechada chamada Graciliano Ramos. Na cidade onde o escritor alagoano aprendeu a ler, mais de 40% da população é analfabeta. A situação se estende por diversos outros municípios, com teatros, cinemas e museus fechados ou inacessíveis. Resistir ainda é a tarefa mais árdua do artista e do professor no interior do estado.
– Eu procuro fazer aqui o que eu queria que a escola fizesse. Dou exercícios de teatro, brinco e todo mundo que vem aqui, amigos, seja do teatro, do circo, eu levo para dentro da escola. A gente já deu oficina de música, de dança, contação de história, poesia. Nessa semana passada mesmo, recebi dois amigos que foram com as crianças para a mata. Depois de ver o solo da mata, construímos um canteiro no quintal da escola. Agora, temos lá uma horta.
As visitas que chegam nos dias em que não há aulas são convidadas a se apresentar nos terreiros vizinhos, ou no de Odília mesmo. “No meu terreiro, tem arte!”, a frase dela, que extrapola as cercas de tocos e arames farpados, é mais que a síntese da ligação atávica com sua terra. Ecoa como um chamado e se tornou um projeto pessoal que vem estruturando desde que retornou ao interior, em 2014. Ela aguarda os resultados de editais de financiamento para ampliar a iniciativa. Os resultados dos seus projetos são colhidos aos poucos; para ela, o legado deixado pelas atividades e o envolvimento cada vez maior das crianças são o que importa. No entanto, em um ambiente pouco propício para o desenvolvimento artístico, os próprios pais, muitas vezes, representam o maior desafio.
– Por isso a importância de estar no terreiro deles, levando o teatro para suas casas. No início, eu queria planejar o resultado, sabe? Ia toda quarta-feira para a escola e pensava assim: preciso levar teatro para as pessoas se sensibilizarem. Porque eu comecei a ter um olhar sensível para as coisas, e isso, tenho certeza, foi por causa do teatro. Eu mesma, até os 17 anos, vi muito pouco teatro. Mas nem isso (de levar o teatro às pessoas) eu quero mais. Faço porque é o que faço todo dia. O padeiro não tem que fazer pão todo dia? A médica não tem que atender todo dia? – Eu faço teatro todo dia. Nunca quis ser “a revolucionária”. Não quero essa responsabilidade.
Mesmo que de vez em quando se chateie com a falta de engajamento dos moradores, Odília sabe bem a importância do seu trabalho. Porque ela mesma foi beneficiada pelos festivais de teatro que ocorreram em Tuparetama, nos anos 1990. Quando Odília tinha 10 anos e a cidade passou a se preocupar com a qualidade técnica e artística dos festivais, Tuparetama recebeu artistas de outras cidades. Um desses foi Romualdo Freitas, a quem Odília se refere como primeiro mestre. Nascido em Arcoverde e hoje morando no Acre, Romualdo foi figura importante na mobilização política de artistas arcoverdenses.
– Lembro que, nessa época, tinha decidido que teatro era o que eu queria. Trabalhei com Romualdo dos 11 aos 14 anos. Quando ele foi embora, assumi a direção do grupo da cidade. Era uma loucura, porque eu passava o tempo todo com alguma coisa do teatro para fazer. Mas, ganhávamos quase todos os prêmios do festival.
Conforme os amigos do grupo teatral da cidade iam estudar nas universidades da capital, Odília pegava o caminho oposto. Aos 17 anos, ela já se sabia e o encontro com Sebastião Simão Filho e sua Cia Máscaras de Teatro reafirmaria isso. Não sem conflito, claro.
– Eu tinha ido para a casa da minha tia, que ficava em Juazeiro da Bahia, para estudar. Ela arrumava todo tipo de emprego para mim, lembro um de vendedora de passagens de ônibus. Eu recusava todos. Queria tanto o teatro, mas tanto, que tinha medo de falar e ela me colocar para fora de casa. Até que o teatro tomou todo meu tempo. Não fazia mais faxina, não parava em casa. Eu não falava o que eu sentia, nisso eu errei. Por medo, eu era muito ingênua, nunca tinha saído de casa… Ninguém sabia o que estava acontecendo. Só eu e ela.
Odília avalia a relação tensa com a tia como o impulso que faltava.
– O momento em que isso aconteceu – ela conta, entre um gole e outro de café – foi quando acompanhei uma amiga num teste para um filme das produções Globo. Eu não queria nada com aquilo. Meu negócio era o teatro. Mas ela insistiu. “Vai” – a menina disse – “finge que a câmera é um homem que você tem que seduzir”. Eu fiz! Mas, minha gente! – eu pensava – nunca que eu vou passar. Fiz tirando onda, estava toda mal-amanhada.
Para encurtar a história, ela passou. Um dia, quando voltava do teatro com a notícia de que passaria um mês fora de casa pesquisando para uma nova peça (o que deixaria sua tia enlouquecida), é recebida por alguns vizinhos dando os parabéns por ela ter conseguido o papel. A própria tia estava esperando na calçada para lhe dar a notícia.
– Eu dei o telefone da casa dela na ficha da produção. Ela começou assim: “Minha filha, eu tenho uma notícia ótima pra você!” – pois é tia, eu também… “Tu passou no teste pra fazer o filme e nem me disse, sua danadinha!” Detalhe: uma semana antes, ela tinha ido ver uma peça em que eu e Sebastião dávamos um selinho, um beijo ridículo! E ela ficou horrorizada, foi logo dizendo que estava vendo a hora de eu ficar grávida… que se meu pai sonhasse com isso… Ela ficou com ódio do que eu fazia. Eu disse que não comentei do filme porque era insignificante pra mim e que não aceitaria o papel. “Como assim?! Tá maluca?” Ela ficou nervosa. Pra acalmá-la, disse que seria o papel de uma prostituta. Então, ela diz algo que me fez entender como o teatro pode ser discriminado: “Ah, minha filha, não tem problema, quem vai contracenar com você é um ‘global’”.
A situação ficou insustentável, quando Odília afirmou com todas as palavras que faria teatro e não cinema e que passaria um mês fora fazendo pesquisa com a companhia. “Isso não tem futuro”, “Você só quer saber desse Sebastião” e uma série de frases de reprovação foram ditas até culminar na mais famosa de todas, aquela que lhe dá duas opções e que todo artista, no geral, escuta pelo menos uma vez na vida.
– Eu escolhi o teatro. Óbvio. E fui embora naquele mesmo dia.
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Após os desentendimentos com a tia, Odília Nunes foi morar num galpão que o grupo havia alugado para usar como sede em Petrolina. Não durou muito e os 13 integrantes decidem se mudar para o Recife, alugam uma quitinete e passam a ensaiar no Parque 13 de Maio. A percepção de que o dinheiro é o padrão de medida para tudo ficou evidente nessa fase da sua vida. Com problemas gritantes de falta de grana, que, até então, não passavam de uma questão filosófica, o grupo foi despejado do apartamento. Uma amiga que ajudava em algumas contas era, na época, a esposa de Sebastião. Sempre que a situação apertava, ela passava um cheque, para alívio geral.
– Acabava a feira, nós sem grana e essa amiga, muito generosa e que nunca quis aparecer, dava um cheque a Sebastião e uma sobrevida… Um dia, quando minha conta bancária desbloquear (risos), quero pegar uma grana e devolver tudo, sabe? Quero mesmo.
Mas alívio de verdade foi quando o grupo conseguiu uma pauta em um teatro da cidade e pôde se apresentar. Porém, uma crise se instalou quando um tropeço na rua impediu Odília de atuar. Sem a principal integrante, a companhia não conseguiu levar as apresentações adiante, perdeu a pauta no teatro e o grupo se diluiu ao ponto em que a própria Odília resolve sair, aos 21 anos.
– Éramos muito radicais. As coisas tinham que ser do nosso jeito. Levávamos o teatro até as últimas consequências. Hoje, eu sei que não é assim que as coisas funcionam.
Sair do grupo significava não ter para onde ir novamente. Mas ela resolveu permanecer na cidade, o que serviu para que percebesse que nem o Recife nem qualquer outro lugar que não fosse o Sertão seria sua residência, nenhuma outra cidade que não fosse Ingazeira.
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O “segundo mestre” de Odília foi Sebastião Simão Filho, eles trabalharam juntos na Cia Máscaras de Teatro. Odília afirma que ele foi uma das pessoas que mais contribuíram para o seu amadurecimento profissional.
– Se tem um homem de teatro, pra mim, esse homem é o Seba. Quando ele está na plateia, eu me tremo toda. A opinião dele me interessa muito. Tanto que, quando eu fazia ensaios abertos com Cordelina, chamei-o para assistir. Quando terminei, superansiosa, ele olhou assim e disse: “Está tudo aí. Só falta alegria”.
Alegria é uma palavra importante e reveladora aqui. A maneira como é colocada não tem conexão alguma com a forma engessada com que o teatro infantil é representado historicamente, uma série de estereótipos cênicos que contribuem à classificação pejorativa de “coisa menor” atribuída ao teatro infantil. Sebastião Simão não é um homem de palavras vagas, quando se trata de teatro. E a “alegria” que menciona se refere à negação desses estereótipos, o que nos leva aos grandes brincantes novamente. Eles nos ensinam que afirmar os eventos que ocorrem em nossas vidas, favoráveis ou não às nossas particularidades, é intrínseco ao existir e, só por isso, geradores de alegria. Os processos de cura e reafirmação da existência acontecem em forma de brincadeira. A alegria que faltava em Cordelina, portanto, era trazer a potência da vida.
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É na cultura popular que Odília Nunes vai achar seu caminho após sair da Cia Máscaras de Teatro. Bandeira, sua palhaça andarilha, nasce depois de adaptar poesias e histórias de sua infância à cena. A técnica vai cedendo cada vez mais lugar à intuição, conforme se intensifica seu contato com grandes mestres brincantes, como Cachoeira, no Ceará, e Martelo, em Pernambuco. Até que o convite de Moncho Rodriguez para que participasse de um projeto com atores do Nordeste leva Odília e Bandeira para uma temporada na Europa.
Moncho, um dos mais importantes diretores espanhóis contemporâneos, já conhecia seu trabalho e o de Sebastião Simão na Cia Máscaras de Teatro. Para ele, o nordeste brasileiro ainda carrega uma “herança da cultura do brincante há tempos perdida na Europa”. Continente que representou uma virada na vida de Odília, tanto que, quando voltou para o Recife, não tinha mais problemas em arrumar pautas em teatros da cidade. Logo depois, veio a peça Divinas. Com ela, as palhaças Zanoia, Uruba e Bandeira, das atrizes Lívia Falcão e Fabiana Pirro, da Duas Companhia, e Odília Nunes, rodaram o Brasil. Novas portas se abriram, e Odília foi morar no Ceará, no Rio de Janeiro e, depois, no Chile.
A maturidade que adquiriu na estrada ensinou-a a desviar-se de radicalismos, mas não de paradoxos. Ela diz que aprendeu que a vida é mais importante que o teatro, mas basta observá-la por alguns minutos, desde a forma de andar, de gesticular com as mãos enquanto dirige o carro, ou na forma que conversa e trata as filhas, para perceber que não há como separar o teatro da sua vida. E que, parafraseando Rainer Maria Rilke, basta sentir que poderia viver sem o teatro para não mais ter o direito de fazê-lo.
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Um retrato que sintetiza o momento atual da vida de Odília começa com um novo encontro, dessa vez consigo mesma. O nascimento de Violeta a despertou para uma consciência abrangente sobre si e as coisas ao seu redor. Estar em Ingazeira, rodeada de juremas, ganha um significado muito mais elevado quando o sagrado feminino a desperta para um mundo maternal, afetivo e, acima de tudo, intuitivo. Amarra todas as pontas soltas de sua trajetória e justifica todas as escolhas que fez.
Violeta e Helena brincam entre as juremas do quintal. São 17 horas, momento diário quando o rebanho de cabras de Biu e Neves, moradores da região, cruzam seu terreiro. Assim como a pequena Odília, suas filhas brincam com suas fantasias totalmente absortas, como se o futuro não fosse além do presente e vice-versa. Curiosamente, Violeta está vestida como cigana e Helena, como pirata, espíritos livres que parecem querer entender cada coisa, respirar as árvores em um mundo de silêncios e ruídos particulares. Ambas seguem os passos da mãe, Violeta é Viola e Helena é Jerimum, palhaças que acompanham Bandeira em apresentações por esse interior onde tantas mulheres enfrentam as primeiras luzes da vida com os destinos mais ou menos traçados.
– Violeta desde cedo já mostrava que queria brincar. Mas Helena nunca quis. Um belo dia, depois de uma apresentação, estávamos jantando e era sopa de jerimum. Helena não queria e ofereceu para Violeta. Então Viola me olha e diz: “Mãe, Helena já pode ser palhaça! Olha, ela já sabe dividir”. Helena riu e, desde então, quis brincar com a gente. Essa, até hoje, é a maior lição de palhaçaria que eu aprendi. Viola e Jerimum são a melhor companhia teatral que eu poderia ter.
Os sinos das cabras ficam distantes, os últimos raios de luz iluminam o topo das serras que nos cercam. É hora de se recolher.
tiago henrique é fotógrafo documental independente.