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Partida 2: Central x Santa Cruz

TEXTO Samarone Lima

01 de Junho de 2014

Foto Jarbas Jr.

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 162 | jun 2014]

Estádio Luiz Lacerda, o “Lacerdão”, no centro de Caruaru,
agreste pernambucano. O jogo Central x Santa Cruz era decisivo para o time de Caruaru. Caso ganhasse do Santa Cruz, e dependendo da combinação de resultados, chegaria à semifinal do Campeonato Estadual. Estava na quinta posição do “hexagonal do título”, o lado oposto do “hexagonal da morte”, em que a única glória futebolística era não cair para a Série B. Fazem parte Santa Cruz, Sport, Náutico, Central, Salgueiro e Porto.

O domingo, portanto, prometia. O estádio, bem-cuidado, tem capacidade para 20 mil pessoas e não sofre com o problema de “mobilidade urbana”. Fica exatamente no centro da cidade. Às 14h, o assessor de imprensa, Antônio Arruda, bancário da Caixa Econômica Federal e comentarista da Rádio Cultura, já está em campo.

“Aqui é amor ao clube mesmo”, diz.

Ao lado, o locutor da 98 FM entra ao vivo.

“Boa-tarde, minha amiga Valéria. É grande a expectativa para a chegada do ônibus do Central para esse jogo decisivo. Um jogo de vida ou morte para a Patativa chegar às semifinais do Campeonato Pernambucano de 2014. Só a vitória interessa. A Confraria Alvinegra já confirmou uma ajuda de 10 mil reais para o Porto, para ele conseguir um pontinho contra o Salgueiro e ajudar o Central a se classificar.”

O locutor, Adalberto Alves, prosseguia.

“A estimativa é de um público entre oito e 12 mil pessoas. Foram colocados 12 mil ingressos à venda, sendo sete mil e quinhentos do Programa Todos com a Nota.”

O time chegou num ônibus, acompanhado de uma caravana de torcedores, com direito à queima de fogos e buzinaço.

“Olha o Central, Reginaldo! É muita emoção”, diz o locutor da Rádio Cultura.

Os jogadores descem do ônibus seguindo o “padrão-internacional-de-jogador-descendo-do-ônibus”. Quase todos com enormes fones de ouvido coloridos, com ares pouco simpáticos. Descem e vão cumprimentando um homem que tem um olhar angustiado e está emocionado.

É César Veloso, vice-presidente de honra do Central, que teve um acidente vascular cerebral (AVC) 15 dias antes.

“Ele estava internado no Recife e veio hoje para o jogo”, explica o locutor.

Pouco depois, começam a chegar as “centraletes”, animadoras da torcida do Central. Todas vinham de motocicleta, já com a camisa preta e branca do time.

Alexisandra Santos, de 26 anos, a “Alexi”, é a primeira. Atendente de laboratório durante o dia e estudante de Serviço Social na Faculdade Maurício de Nassau, vem a todo jogo. Chega na sua “Cinquentinha”, uma Honda metálica. Fica ao lado das amigas, durante toda a partida, tentando animar a torcida, disfarçando as cantadas que saem das arquibancadas e cadeiras – algumas pouco elegantes. Aline Maciel, de 20 anos, estudante de Engenharia Civil na UFPE, diz que há dois meses participa dessa “torcida feminina”. São convidadas pelo clube e recebem por isso.

PADRÃO NACIONAL
O vestiário do Central segue uma espécie de padrão nacional. Música evangélica em alto volume (com telão mostrando clipe dos cantores), altar num dos cantos, em uma parte alta, com velas acesas, carpete verde.

O roupeiro, Joselito Francisco da Silva, de 45 anos, cinco anos de Central, diz que o clima é muito bom. “Vamos chegar à classificação.” Tem material para 30 atletas, mas hoje só serão 20. Num mural, os dados de um dos jogos: Central 0 x 2 Sport. Número de faltas cometidas por cada jogador, bolas perdidas, roubadas etc.


Foto: Jarbas Jr.

O treinador, Humberto Santos, calmo e comedido, passa confiança aos atletas. Lembra Edson Miolo, só que menos tenso. “Tivemos dois jogos que eram decisões e ganhamos. Agora, vamos para a terceira. Hoje, só depende da gente.”

Falta uma hora para o jogo começar. O cheiro de cânfora se espalha. Como se trata de um clube intermediário do interior, o Central paga melhor. O jogador Tallys já ganha R$ 10 mil. Os menores salários são de R$ 1.500 – para os que vieram da base.

“Toque no altar de Deus do impossível”, canta Lázaro, no Programa Raul Gil, enquanto os jogadores começam a bater bola num vestiário que é três vezes maior que o do estádio Carneirão. “Diante do trono das águas purificadas”, repete várias vezes. Lázaro parece ser o preferido dos jogadores.

Discreta, mas atenta a tudo, está a única mulher dentro dos vestiários, nos três jogos que acompanhamos. A fisioterapeuta Mércia Almería, de 33 anos. Ela tinha uma clínica particular e atendia vários jogadores do Central, até que foi contratada.“O time chegou a ter 14 jogadores no Departamento Médico”, diz. “Hoje, estão bem, à disposição do treinador.”

O horário do jogo se aproxima. A campanha irregular do Santa Cruz não empolgou muito sua torcida, que veio em menor número. Os centralinos vão chegando aos poucos e ocupando a parte do estádio abençoada pela sombra.

Um torcedor chega à entrada com um ingresso e uma dúvida. Pergunta ao policial militar:

“Aqui é a entrada do Central ou do Santa?”

“A gente está dizendo que é a do Central, mas a turma do Santa está entrando, tudo bem”, responde o PM.

No calor de rachar, o vendedor de bandeiras, pulseiras, bonés, chapéus e toucas, Adauto Norato, de 31 anos, torcedor do Santa Cruz, espera fazer a festa.“Quero vender umas 50 peças”, diz, com um arsenal de material com as cores do Central. Mora em São Lourenço da Mata, mas fica de olho nas tabelas dos campeonatos para organizar sua empresa ambulante. Já vendeu nos estádios do Ceará, Bahia e Alagoas.

“No jogo do CSA contra o São Paulo, em Maceió, levei tudo do São Paulo. Vendi mais de 100 peças”, conta, animado. No final do primeiro tempo, Adauto me encontra. Já tinha vendido 25 bandeiras, 20 bonés e 11 toucas da equipe local.

CLIMA DE VELÓRIO
O Central abriu o placar com um gol de Danilo Lins, aos 14 minutos do primeiro tempo, anulado pelo árbitro Luís Sobral. Dois minutos depois, Erivélton fez a festa da torcida alvinegra.

A classificação estaria garantida, não fosse um lance polêmico. O atacante do Santa, Léo Gamalho, trombou com o zagueiro Alison, e o juiz marcou pênalti. O gol do Santa deixou a torcida do Central revoltada. Para piorar, o Salgueiro, que disputava a vaga com o Central, conseguiu vencer o Porto.

Quando o juiz apitou o final da partida, o clima da torcida, da comissão técnica e dos jogadores do time local era de revolta.

Nos vestiários, os jogadores viviam um misto de revolta e tristeza. Por causa de um ponto, o Central não ficou entre os semifinalistas do Estadual. Cabisbaixos, calados, não se conformavam com o gol anulado e o pênalti que não existiu. “Desse jeito, nunca um time do interior vai chegar à final”, lamentou o assessor de imprensa do clube, Antônio Arruda.

O prejuízo do clube foi estimado em R$ 300 mil reais. Depois da Copa do Mundo, em julho, o Central reiniciará a vida jogando pela Série D do Brasileirão. O Santa voltou ao Recife com o desafio de dois jogos contra o Sport, para chegar à sua quarta final consecutiva. 

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