Tradicionalmente, nas disputas entre clubes de futebol, os hinos das equipes têm, pelo menos no Brasil, um uso quase restrito às transmissões de TV, quando há comemorações por títulos, e raramente são cantados nas arquibancadas. Mesmo assim, cada clube tem, normalmente, várias canções consideradas hinos extraoficiais, muitas vezes mais conhecidas do que as versões oficiais.
Existe um vasto folclore a respeito das músicas que foram adotadas ao longo do século 20 pelos times brasileiros. É conhecida a proeza realizada no final dos anos 1940 pelo compositor carioca Lamartine Babo, quando ele recebeu a encomenda de compor hinos para as 11 equipes que disputavam o campeonato estadual do Rio de Janeiro. Babo compôs a homenagem ao seu time de coração, o América – na época uma equipe forte –, e fez também os hinos dos outros clubes, adversários, de forma igualmente inspirada.
Botafogo, Fluminense, Flamengo, Vasco, Bangu, Madureira, Olaria, Bonsucesso, Canto do Rio e São Cristóvão, todos ganharam marchinhas que foram consideradas, a partir de então, hinos extraoficiais, ou populares, já que os oficiais existiam desde a década de 1910. No Rio Grande do Sul, o Grêmio também teve seu hino composto por um nome ilustre da música brasileira, Lupicínio Rodrigues, que fez a música em 1953.
No futebol de clubes na Europa, as canções são bem mais utilizadas. O badalado Barcelona encerra as partidas de forma imponente, com a execução do seu Canto del Barça após cada jogo, no Camp Nou, com a torcida cantando de pé. Os torcedores do inglês Manchester City cantam uma versão romântica de Blue moon (referência à cor de seu uniforme), clássico do cancioneiro norte-americano composto por Richard Rodgers e Lorenz Hart, em 1934, e gravado por mais de 60 artistas até hoje.
Virou moda também se utilizar pequenos trechos de músicas pop para homenagear equipes de futebol. A torcida do Arsenal, de Londres, utiliza o refrão de Hey Jude, dos Beatles, para homenagear o atacante francês Olivier Giroud, que joga no time. A torcida do Stoke City canta Delilah, grande sucesso na voz de Tom Jones.
O maior fenômeno recente, porém, tem sido a música Seven nation army, da banda de rock norte-americana White Stripes, que vem sendo usada por várias torcidas para animar as arquibancadas. Adotada inicialmente por um grupo de torcedores do pequeno time do Brugge, da Bélgica, que a ouviram, por acaso, em um bar, na véspera de um jogo da Liga dos Campeões, foi depois utilizada pelos torcedores da Roma e se espalhou por vários clubes e competições internacionais.
A música do White Stripes foi adotada numa época em que o ritual nos grandes eventos do futebol internacional começa a se aproximar da coreografia das partidas do basquete norte-americano, em que não há um segundo de silêncio – mesmo os intervalos são preenchidos com atrações musicais, números de danças, ou brincadeiras de um apresentador supostamente engraçado. Com as modernas arenas de futebol caminhando na mesma direção, a música dos Stripes, com seu riff pegajoso, calhou bem e já rivaliza com We are the champions, do Queen – essa já um clichê sempre usado nas comemorações de títulos.
Na Argentina, as torcidas conhecidas como barra bravas (que também têm seus problemas com a polícia) levam charangas e tambores aos estádios e cantam incansavelmente durante toda a partida. Há uma década, começaram a influenciar o comportamento de torcidas do sul do Brasil.
PATRIOTISMO
Durante a realização da Copa do Mundo, os hinos nacionais ganham destaque, apesar do uso ser restrito à cerimônia de abertura de cada jogo. Mesmo os mais tradicionais e populares, como o francês A marselhesa, raramente são cantados durante ou depois da disputa. Entretanto, a prática de apresentar os hinos com os jogadores perfilados antes das partidas é parte indissociável do glamour e da paixão que o futebol adquiriu nas últimas décadas no mundo inteiro. É o momento máximo da ritualização do confronto esportivo, uma espécie de canto da guerra iminente que se resumirá, espera-se, às disputas com a bola.
Esses hinos são geralmente produtos da instituição dos estados nacionais a partir do século 18. Para os padrões atuais, são considerados rebuscados, cheios de arcaísmos e referências ao sacrifício pela pátria, noções agora bastante distantes das ideologias dominantes no mundo do capital globalizado. Mas, diante de uma disputa internacional do mais universal dos esportes, servem para animar as torcidas, inflar o peito dos jogadores, criar esperanças que muitas vezes evaporam no primeiro ataque do time mais forte.
Cada hino remete a imagens que se tem do país e extrapolam o âmbito futebolístico. O norte-americano The star-spangled banner (A bandeira estrelada) lembra as patriotadas de George W. Bush. O britânico God save the queen (Deus salve a rainha) é imperial e diz tudo em 51 segundos. O da Holanda, o melodioso Het Wilhelmus (O Guilherme), de 1568, é o mais antigo, ainda em uso, do mundo. O dramático japonês Kimi ga yo (Reino Imperial) tem apenas seis estrofes curtas e dura 53 segundos. O passional uruguaio vai a mais de cinco minutos (se a Fifa não o podasse por razões de tempo) e mais parece uma minissinfonia, cheia de variações de tempo e de clima. O espanhol, intitulado Marcha real, é saltitante e animado. O de Honduras é um dos mais longos, desproporcional ao tamanho do país e à sua importância no futebol.
No caso do Brasil, o Hino nacional foi se tornando, nos últimos anos, cada vez mais importante, com jogadores compenetrados, de olhos fechados, cantado a todo pulmão junto com a torcida. A execução deixa parte da plateia frustrada, porque metade da letra de Joaquim Osório Duque Estrada é cortada por questão de tempo. Mesmo assim, a melodia de Francisco Manuel da Silva é inspiradora e importante para criar o clima da partida.
GRITOS DE INCENTIVO
Nos jogos entre seleções, as canções se misturam também aos tradicionais gritos de incentivo. Os franceses entoam uma ladainha que repete incessantemente: Aller les bleus!(Vamos, azuis!). Os alemães, quando querem botar o time para frente, gritam em uníssono: Sieg! (Vitória!). Nas pessoas que conhecem o período da Segunda Guerra Mundial, o grito pode causar um certo desconforto, porque se aproxima da saudação Sieg heil! (Salve, vitória!), entoada nos desfiles nazistas. A pequena Costa Rica aposta no simpático Si, se puede (Sim, é possível), inventado anos antes do Yes, we can da campanha de Barack Obama.
É paradoxal, mas o Brasil, tão conhecido pela sua musicalidade, não leva aos estádios a riqueza musical presente no país. Até as tradicionais charangas perderam importância. A despeito da força do time em campo, o barulho da torcida brasileira raramente domina as arquibancadas na hora de incentivar a equipe durante as Copas do Mundo. Jogando em casa desta vez, espera-se que seja diferente, apesar da pobreza de canções de incentivo. O estímulo da torcida brasileira resume-se ao pouco inspirado “Ô, lê-lê ô, lê-lê ô, lê-lê ô, Brasil!”, ou ao “Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”, ambos pobres em melodia e desprovidos até de uma rima. Seria bonito se, ao lado do bom futebol, o Brasil chegasse ao hexa com boas canções ou, pelo menos, com algum grito de incentivo mais inspirado.
MARCELO ABREU, jornalista, autor de livros como De Londres a Kathmandu - Aventura na Estrada do Oriente.
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Partida 1: Chã Grande x Ypiranga
Partida 2: Central x Santa Cruz
Partida 3: Santa Cruz x Sport