"Meu pop é carregado de MPB"
A cantora e compositora Marina Sena fala com exclusividade sobre seu trabalho, que chega ao segundo álbum autoral, ‘Vício inerente’
TEXTO Erika Muniz
27 de Abril de 2023
Foto Fernando Tomaz/Divulgação
[conteúdo exclusivo Continente Online]
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Já no primeiro trabalho de sua carreira solo, ela conquistou muitos corações, fãs, palcos, haters, seguidores e números. Com letras, melodias, arranjos marcantes e refrões que ficam rapidamente na memória de quem os escuta, o álbum De primeira (2021) veio como ela programou desde o título: “Vai bombar de primeira”. Logo após o lançamento, ela não demorou a dar várias entrevistas, aparecer em diversos programas televisivos, estampar capas de revistas e a ser indicada para premiações importantes do mundo da música, além de ter uma agenda repleta de datas com apresentações por todo o Brasil – e também fora dele.
Nascida em Taiobeiras, no Norte de Minas, a cantora e compositora Marina Sena, de 26 anos, também já fez parte d'A Outra Banda da Lua e da Rosa Neon. Hoje, em sua carreira solo, ela se tornou um dos nomes de maior relevância do pop brasileiro atual. E, nesta semana, a dona de interpretações marcantes dá mais um passo em sua trajetória artística, lançando o segundo álbum, com 12 composições inéditas. Em Vício inerente, com produção também de Iuri Rio Branco, do seu disco de estreia, ela experimenta construir novas texturas sonoras, tecidas a partir de outras formas de compor, que ela revela mais sobre, ao longo da conversa a seguir. Novamente passeando por diferentes gêneros musicais, entre os quais o trap, reggaeton, drill, R&B, neste novo trabalho, a artista não deixa de evidenciar sua forte relação, outrora já mencionada, com a MPB.
Em entrevista exclusiva à Continente, através de uma videochamada, a artista Marina Sena conversa sobre seus processos de criação para Vício inerente, algumas de suas influências artísticas na hora de criar, de que maneira o Norte de Minas Gerais se espraia por sua obra, o que o seu primeiro álbum De primeira a fez aprender, como é sua relação com o público pernambucano e como vê a sua música.
Imagem da capa do novo disco. Foto: Fernando Tomaz/Divulgação
CONTINENTE Marina, conta sobre esse novo trabalho, o Vício inerente (2013). O que você pensou? E como é a chegada dele para você, neste seu momento?
MARINA SENA Acho que, finalmente, ele está chegando porque eu já estava nessa vibe dele, sabe? E eu precisava que as pessoas vissem que estou nessa vibe, porque acho uma vibe bem diferente do De primeira (2021). Mas era a vibe que eu estava vivendo, então, preciso que as pessoas também saibam disso. Que as pessoas também consumam essa nova vibe, que as pessoas entendam que estou em um outro momento. E, até para eu conseguir explicar um pouco mais do que está rolando dentro da minha personalidade agora, sabe?
CONTINENTE E sobre passear por diferentes gêneros musicais, o que já faz parte de outros de seus trabalhos. Como você percebe isso nesse novo álbum?
MARINA SENA Acho que estou transitando por outros gêneros, outros estilos, novas formas de ver a música, de ver a minha própria voz, de ver a minha composição. Novos jeitos de compor também que encontrei. E timbre, acho o que muda mais mesmo do De primeira para esse é o timbre, é a textura do som. Mudou bastante.
CONTINENTE A música Tudo para amar você, assim como outros hits seus, foram e são sucesso nas redes sociais, inclusive no Tik Tok. Como você percebe as redes sociais na divulgação da música hoje em dia e também como forma de interação com os fãs?
MARINA SENA Eu amo, porque amo interagir mesmo, gosto de conhecer quem são as pessoas que me escutam, porque gosto de entender por que me escutam, por que estão ali, sabe? Normalmente, as pessoas que me escutam seriam meus amigos na escola. Tipo assim: “Nossa, esse menino é a cara de que seria meu amigo na escola, na época que eu estudava. Era a cara de eu andar com ele”. E a pessoa gosta do meu trabalho porque a gente se identifica enquanto personalidade também. Mas eu amo, acho que é maravilhoso poder ter uma relação tão próxima. E é essencial você utilizar das redes sociais para divulgar sua música. Hoje em dia, não tem mais como divulgar por outro [meio]… Você pode até utilizar outros meios, mas a forma que mais você consegue divulgar é pelas redes sociais. Acho que as redes sociais fazem parte da nossa vida agora. É a nossa vida também. Então, é um lugar que a gente também está vivendo. Tipo, a gente está vivendo, aqui, no carne e osso, mas a gente também está vivendo no digital, então, é super importante dar toda atenção para isso.
CONTINENTE Nesse novo álbum, novamente a produção é de Iuri Rio Branco, que também assinou o De primeira. Como é a afinidade artística de vocês? E o que dá esse match na parceria musical?
MARINA SENA Ele também é esse artista que gosta de experimentar texturas, sabe? Ele também é essa pessoa, então, a gente se comunica muito nesse lugar. E a gente gosta das mesmas músicas, gosta das mesmas coisas. O que eu acho bom também é o que ele acha bom, então, a gente se comunica muito mesmo. Ele confia muito em mim, quando falo: “Eu quero isso”, ele sabe que “quero isso” por um motivo. E quando ele me propõe coisas também, sei que ele está ligado, porque ele é antenado, está ligado no que está acontecendo. Ele está ligado no que já aconteceu, ele está ligado na história da música, na história dos timbres, na história de tudo, assim como eu. Então, a gente dá esse match nesse lugar, de tipo assim, pesquisadores de música mesmo. A gente entende do assunto, sabe?
CONTINENTE Se você fosse um filme, qual filme ou personagem você gostaria de ser ou interpretar?
MARINA SENA [Breve pausa] Eu gostaria de interpretar…. A Tieta do Agreste!
CONTINENTE Por que ela, Marina?
MARINA SENA Porque me identifico com ela, essa mulher que sai do interior sem um real no bolso e volta rica, sabe? Volta numa caminhonete, volta num carrão.
Foto: Fernando Tomaz/Divulgação
CONTINENTE Marina, como você percebe que as vivências em Taiboeiras (MG) e Montes Claros (MG) aparecem na sua música e na sua criação?
MARINA SENA O Norte de Minas é... Minha terapeuta que fala: “Taiobeiras, tudo dela é Taiobeiras”. Qualquer atitude minha, qualquer ação minha é carregada de Taiobeiras, é carregada do Norte de Minas. E Montes Claros é a capital do Norte de Minas, então ali é a síntese do negócio. Mas sempre carregada de Taiobeiras, sempre carregada do Norte de Minas porque quando você vê, aí você está fazendo uma coisa e fala: “Olha, gente. Isso que eu escutava lá na casa da minha tia. Na loja de calcinhas, eu escutava essa música e agora estou fazendo uma música que é exatamente aquilo que eu escutava lá”. Quando você vê você, já está fazendo. Quando você vê, já está referenciando. Então, o meu pop é meu pop, do jeito que eu faço, porque sou uma menina de Taiobeiras, que tive uma realidade e tive algumas referências específicas minhas, que são únicas minhas, de uma pessoa que viveu em Taiobeiras, que viveu no Norte de Minas. Por isso que é tão único, por isso que considero o meu trabalho tão único. Porque sou eu. Eu que vivi isso, eu que escutei tudo o que escutei, eu que tive a relação que tive com todas as coisas ali, e eu trago isso, eu não deixo morrer. É uma coisa que eu sempre reitero, sabe? Estou sempre reiterando Taiobeiras dentro de mim. Tipo: “Sou de Taiobeiras, sou de Taiobeiras”.
CONTINENTE Não só para o novo trabalho, mas quais os artistas são referência na hora de criar?
MARINA SENA Acho que todos os artistas que já escutei na vida são minhas referências. Mas, hoje em dia, tenho escutado muito, muito, muito Brime! e Fleezus, que são daqui de São Paulo (SP). Eles arrasam muito, muito, muito. É uma das coisas que tenho mais ouvido ultimamente. Eu me inspirei bastante no Brime! para criar. Apesar de que nem é tão parecido assim, tipo, tem relações, mas é a vibe que eles criam. É muito mais a vibe, aquela sensação que eles criam me inspira, me dá vontade de criar também, sabe?
CONTINENTE Vi que você estará no Festival The Town, e vai cantar a nossa diva Gal Costa. Qual a influência de Gal na sua construção artística?
MARINA SENA Gal é a artista que mais me atravessou durante toda a minha vida. Ela é a que mais me preencheu, a que mais me senti representada, a que mais olhei para ela e pensei: “Gente, concordo com absolutamente tudo que ela faz”. Tipo, estou de acordo absolutamente, com tudo, todas as escolhas artísticas dela. Acho que ela sabia muito bem o que estava fazendo. Ela sabia mesmo, ela tinha propriedade em fazer aquilo que ela estava fazendo, em interpretar as músicas e cantar. Cantar, acho que se tem uma pessoa no Brasil que tinha propriedade para cantar essa pessoa é Gal Costa. Ela tinha total domínio do aparelho vocal, total domínio da arte de cantar.
CONTINENTE Ela é muito importante. Tem um vídeo seu com ela, vocês se abraçando, que circulou na internet. Emocionante aquele vídeo. Como foi aquele momento? Como foi conhecer Gal?
MARINA SENA Não dá nem para acreditar que conheci ela. E ainda gravei uma música com ela [veja aqui]. “Meu Deus, não acredito que tenho uma música com ela”. Surreal, porque, realmente, ela é minha maior ídola. Pensa, você conhecer sua maior ídola, uma pessoa que você, tipo assim, sentiu tanta coisa escutando ela, você sentiu tanta coisa vendo ela. E aí, de repente, você está lá e ela te conhece também, ela sabe que você existe. [Abre um sorriso] Um dia eu falei: “Gente, a Gal Costa sabe que eu existo”. Para mim, era surreal.
CONTINENTE Uma coisa que sempre pensei em lhe perguntar é… Como você compõe? Você para pra escrever, pega o violão e fica lá, ou, às vezes, a ideia chega e você trabalha em cima dela?
MARINA SENA No processo do De primeira, compus muitas músicas no violão. Nesse processo do Vício inerente, compus algumas no violão, mas a gente compôs muitas já produzindo, já com o beat, sabe? Foi um outro processo que gostei muito, que era uma coisa que eu não tinha experimentado ainda e que achei que funcionou muito. Eu pensava que eu só conseguiria compor no violão. Antes eu achava: “Nossa, preciso do violão para compor, só consigo compor no violão”. Mas aí, depois, comecei a explorar essa coisa de criar em cima de um beat e aí, vi que a música é outra vibe quando você cria em cima do beat. Aí, achei muito legal como é o processo, mas também sou uma pessoa muito aberta a processos. Acho que um processo específico cansa, então você tem que sempre estar mudando seu processo, estar criando de outras formas, te tirando da minha zona de conforto. O que me inspira mesmo é sair da zona de conforto. Quando saio da minha zona de conforto, fico mais confortável. [Abre um sorriso] Loucura, mas é isso. Eu me sinto mais confortável. Tipo: “Agora, tenho algo para me fazer querer criar”, sabe?
CONTINENTE E me conta desse título do seu novo álbum, Vício inerente. Como é que ele chega e como você pensa nele para amarrar todas essas canções?
MARINA SENA Então, eu falo muito sobre vício, eu trato a paixão como um vício nesse disco, porque tem uma coisa meio profana na paixão. Acho que, no De primeira, era muito aquela paixão dentro dos moldes, ali, do que é aceitável. Mas acho que, nesse Vício inerente, trago a paixão de um jeito mais sujo, às vezes, desse jeito viciante, desse jeito que pode até ser tóxico, mas, dependendo do jeito que você olha, que você se posiciona com relação àquilo, você toma posse daquela coisa que poderia ser tóxica, entendeu? Aí, a tóxica é você [risos]. Acho que trago isso, falo muito sobre vício e acho também… É que gosto muito de ser profética nos meus títulos, assim. De primeira porque vai bombar de primeira; Vício inerente porque é inerente a você, que vai se viciar. É óbvio que você vai se viciar, tenho certeza de que você vai se viciar. Você só precisa dar uma chance para ouvir. Se você ouvir uma vez, você vai ficar viciada, porque é uma sonoridade nova, é uma textura nova. Acho que essa textura que eu criei, ela vicia. Então, o nome (do disco) é meio profético assim também.
Assista ao clipe de uma das músicas de Vício inerente:
CONTINENTE Marina, você é uma artista cuja autenticidade sempre é destacada por parte do público e da crítica musical. A que se deve isso? Como é que você vê essa autenticidade que o público e a crítica se referem ao seu trabalho, à sua performance artística?
MARINA SENA Eu me acho uma artista muito autêntica mesmo, até porque não consigo não ser. Eu tento, gente, juro que tento ser normal. Falo assim: “Meu Deus, agora vou fazer tudo certinho, normal, normal, mas não rola. Não rola, por mais que eu tente. Acho que minha personalidade grita muito, sabe? Minha personalidade é o tipo de personalidade que grita muito, então qualquer coisa que eu for fazer vem, assim, com a minha personalidade gritando três vezes mais antes. Tipo assim, a música vem, mas a personalidade vem antes, cortando. É uma coisa que é maior do que eu. Eu até tento parecer um pouco mais “normalzinha”, mas o negócio é que não rola. Tipo, assim, fazer o quê? Eu sou estranha.
CONTINENTE Muitas pessoas, às vezes, separam isso, mas vamos lá... Desde o De primeira e talvez até antes, você tem muitas influências do pop mundial e brasileiro, mas também transita pela MPB. O que a MPB tem de pop e o que o pop tem de MPB, a seu ver?
MARINA SENA Acho que a MPB é pop. E acho que é o jeito de compor, meu jeito de compor é bem MPB, mas é porque o primeiro lugar que eu fui artista foi na MPB. E também, assim, as primeiras músicas que eu compus com 15 anos de idade, já era MPB, entendeu? Tipo… Foi a primeira linguagem que eu me senti eu, que eu me senti confortável fazendo. Falei: “Caralho, isso, aqui, eu sei fazer, ó MPB. Sei fazer isso daqui, isso daqui eu domino, hein?” [Risos] E acho que o meu pop é carregado de MPB, carregado de música popular brasileira, das mais diversas. Carregadíssimo mesmo.
CONTINENTE Na música brasileira, a presença de grandes cantoras e intérpretes sempre foi destacada, sempre apareceu na história da música brasileira. Há também compositoras, claro, mas existe um processo de apagamento de mulheres que compunham. Não é para valorar o que é mais (importante), intérprete ou compositora. Só que você faz parte das mulheres compositoras desta geração. Como você vê a importância disso, de também integrar esse time de mulheres que estão compondo?
MARINA SENA Ai, eu amo. Para mim, a melhor parte do meu trabalho é compor. Acho que o que eu sou melhor mesmo, no meu trabalho, que falo assim: “Isso aqui, meu filho, você não pode falar nada é com a minha composição”. Acho minha composição, assim... Tenho até dificuldade de cantar músicas de outras pessoas. A única pessoa que consegue escrever mesmo para mim sou eu. Que eu conto com absolutamente toda a composição, sou eu. O resto das pessoas, fico assim: “Gosto disso, mas disso eu não gosto”. Que eu sou toda chatinha também, entendeu? “Isso aqui eu gosto, mas isso aqui eu não gosto. Ah, mas podia ter isso aqui.” Adoro colocar defeito, mas no meu, está perfeito [risos]. O meu é o meu. Eu sou bem confiante com relação às minhas composições, acho que nesse quesito aí não tem o que falar. Realmente sou boa nisso. E gosto muito de compor para mim, assim. Só o que eu quero dizer, só eu sei como eu quero dizer. Mas, óbvio, que tem músicas de outras pessoas que eu cantaria muito, muito, muito, principalmente do Djavan, principalmente do Jards Macalé. Cantaria muito!
CONTINENTE Marina, o que significa ter coragem para você?
MARINA SENA Estar tranquila em estar fora da sua zona de conforto. Você estar com medo, mas ir com medo mesmo, isso é coragem. Tipo assim, porque o medo vai ter o tempo inteiro, mas você vai falar assim: “Estou com medo, mas eu vou com medo mesmo”. Isso é coragem, não é não ter medo. É ter medo e, ainda assim, ir. Isso não te travar, sabe?
Foto: Fernando Tomaz/Divulgação
CONTINENTE Você integrou também as bandas A Outra Banda da Lua e a Rosa Neon, antes de seguir no seu voo solo. Como foi dar início à sua carreira solo?
MARINA SENA Ah, foi maravilhoso, porque banda dá muito trabalho, gente! Lidar com a cabeça dos outros é complicado. Não que organizar as pessoas também seja fácil, mas é mais fácil. Quando é você que dá a palavra final, é muito gostoso. Amei, viciei nessa história. Banda você tem que negociar muito, o tempo todo negociando, tudo é negociado. A cor do copo do não sei o quê vai ser negociado. Aí, realmente, vai ser complicado. Mas eu amo todos os integrantes das minhas ex-bandas. A gente tem uma relação, assim… Esses dias, fui para Montes Claros e aluguei um sítio que dava para dormir 40 pessoas. Foram os meninos das bandas, a galera que eu andava estava lá. Até bartender, para a gente fazer farra três dias. Gosto muito, muito, muito deles, são meus amigos, de verdade. Rosa Neon também, a mesma coisa, tenho uma relação ótima com a galera. A gente é amigo mesmo. [Marcelo] Tofani vem para cá para São Paulo, fica lá em casa e a gente se relaciona super. Mas estar num processo de banda… Pelo amor de Deus! Quem “guenta” ter anos de banda? Falo: “Gente, vocês são fortes, viu? Vocês são corajosos [risos]!”.
CONTINENTE Além de todo o sucesso, o que o De primeira trouxe para você, tanto na vida pessoal como para a artista, que está no palco e no estúdio?
MARINA SENA Olha, acho que o De primeira me mostrou que sou uma empresária, que era uma coisa que eu não sabia, que era uma coisa que eu nunca tinha precisado fazer. Até então, a minha arte, meio despretensiosa, era aquela coisa “jogada”, né? E, aí, com o De primeira, senti necessidade de ser mais profissional. E estou sendo, sabe? De estruturar realmente uma empresa, de estruturar um processo, de estruturar um jeito de trabalhar, para conseguir fazer todas as coisas que eu gostaria de fazer. Para isso, tem que ter muita organização, tem que ter muita estratégia. Tipo, para entender o tempo das coisas, entender o que você precisa entender, entender o que você precisa das pessoas que trabalham com você, para poder falar para elas o que você precisa, para elas poderem te dar o que elas precisam e você poder dar para elas também o que elas precisam. O que você precisa dar de matéria-prima para as pessoas, para elas poderem trabalhar também, sabe? Porque você percebe que você já não trabalha sozinha, tem que ter 300 cabeças pensando junto com você, porque você não dá conta de pensar sozinha. Tem que realmente demandar o que é de cada um e aí cada um pega um pouquinho do que é você para criar. Todo mundo vai pegando o que é você para ir criando. E isso é foda, descobrir como se organizar, como fazer as coisas darem certo, como fazer todas as coisas que você quer fazer. Isso foi uma coisa que o De primeira me ensinou, porque tive que me profissionalizar. Tipo, porque senão eu não ia conseguir estabelecer isso que eu prometi, tipo assim: “De primeira vai bombar, vai fazer não sei quê, vai fazer não sei quê lá”. Para eu conseguir fazer isso tudo que eu falei “vou fazer”, precisei criar uma base e entender que é uma profissão, entender que sou uma empresária, entender como que é esse produto arte que estou criando. É uma coisa pura, de dentro do meu coração, mas como que vou fazer isso ser possível? Ser rentável, ser possível, trazer frutos para mim e para todas as pessoas ao meu redor? E é isso.
CONTINENTE Antes do Carnaval de 2023, que você se apresentou em alguns palcos daqui, eu tinha ido para uns três shows seus no Recife. Como é sua relação com o público de Pernambuco?
MARINA SENA Fortíssima, né, gente? [Abre um sorriso] Eu sou apaixonada com Recife. Minha história com Recife, assim, quantos shows que eu fiz em Recife no ano passado? Oito? Uns oito shows em Recife. Sempre indo aí, qualquer oportunidadezinha que aparecia de ir para Recife: “Vou querer ir para Recife”. Porque é um público, pelo amor de Deus, muito gostoso, gente! É um público interessadíssimo, um público musical demais. Com uma musicalidade, interessado no que está acontecendo, sabe? Tem coisas que o resto do Brasil nem conhece e, em Recife, o povo conhece, tipo assim, porque realmente o povo sabe o que é bom, é interessado nas coisas que estão rolando. E, assim, o público me abraçou completamente, falei: “Graças a Deus, meu Deus do céu. Obrigada, Recife!”.
CONTINENTE Marina, você parece se divertir muito quando está no palco. Você se diverte mesmo quando está no palco? Quais são as dores e delícias de estar no palco durante um show?
MARINA SENA Para mim não tem dor, tá? Para mim, é só delícia. Amo estar no palco, para mim, é meu lugar de poder mesmo. Primeira vez que eu me senti gostosa foi em cima do palco. Subi no palco, falei: “Caralho, que poder!”. Não sabia que eu tinha esse poder. Me empodera muito, me dá uma força. Não sei o que é que acontece, é uma coisa muito louca, mas eu me divirto muito. Para mim, só vale a pena se eu me divertir. Quando, por algum motivo, em algum show, eu não me divirto, eu saio achando que o show foi horrível, porque um dos fatores para eu saber que o show foi bom é se eu estava me divertindo.
CONTINENTE No programa do Pedro Bial, eu estava vendo sua entrevista lá, e você falou: “A música não é simplesmente para ser bela, a música é para ter personalidade, a música é para você sentir algo, sentir uma estranheza, o que for”. Queria que você falasse o que seria esse sentir algo, essa estranheza que a música, para você, pode gerar.
MARINA SENA Eu acho que a música, ela tem que propor uma textura, ela tem que ser uma trilha sonora para algum momento da sua vida. E ela não é só um pano de fundo que passa despercebida. Ela pode ser também, tem gente que faz música para ser pano de fundo. Okay, cada um com a sua demanda. Mas, na minha demanda artística, eu quero que a minha música seja trilha sonora. Quero que a pessoa, quando a minha música toca e ela está vivendo, ela sinta que ela está dentro de um filme, ela sinta que ela está sentindo que aquela música está trazendo alguma sensação que leva a algo, sabe? Então, não necessariamente é uma música que vai ficar aqui: “Ah, que não sei o quê, nãnãnã, do passarinho do dãnãnã”. É uma música que ela pode ter um milhão de texturas. Ela pode ser estranha, você pode até não entender o que é que está sendo cantado ali, mas é sobre uma sensação que a música passa. Para mim, a música é uma sensação, tanto que trabalho a minha voz muito nesse sentido. Tipo, às vezes, não necessariamente o que interessa é a minha dicção, não necessariamente o que interessa é a minha voz estar bela, aqui, e compreensível ao seu ouvido. Às vezes, preciso fazer um som estranhíssimo com a minha voz para eu conseguir passar aquela sensação que aquela música tem que passar. E é isso e eu acho que tem que ser, sabe? Eu acho que a arte pede uma coisa e você vai fazer o que a arte pede, não é o que você quer que seja feito. É o que a arte está pedindo. A arte está pedindo aquilo, você vai lá e entrega o que ela está pedindo.
ERIKA MUNIZ, jornalista com formação também em Letras.