Entrevista

"É preciso aprender a aprender de novo"

Jornalista e mestre em Filosofia, também editor do blog RS Urgente, Marco Weissheimer traz para o debate sobre fake news uma reflexão sobre o próprio fazer jornalístico

TEXTO Luciana Veras

20 de Agosto de 2018

Jornalista e mestre em Filosofia pela UFRGS, Marco é editor do blog RS Urgente

Jornalista e mestre em Filosofia pela UFRGS, Marco é editor do blog RS Urgente

FOTO Adriana Franciosi/Divulgação

[conteúdo vinculado ao especial de capa da ed. 212 | agosto de 2018]

No Brasil de 2018,
às vésperas de uma acirrada e já controversa campanha presidencial, se a internet é o campo por excelência de propagação das notícias inverídicas, as fake news, o WhatsApp, aplicativo de envio e recebimento de mensagens entre telefones celulares, é o epicentro do debate. Não por acaso, foi a partir da constatação do uso político do WhatsApp em episódios recentes, como a greve dos caminhoneiros de maio, que a Continente estruturou a reportagem de capa desta edição de agosto. 

Vivemos, portanto, um contexto em que não apenas o conceito de "pós-verdade" campeia, mas também uma cada vez mais crescente postura de relativizar os fatos - como se os fatos não importassem, e sim apenas as interpretações que podem derivar deles. O jornalista e mestre em Filosofia pela UFRGS Marco Weissheimer, editor do blog RS Urgente, foi um dos nossos entrevistados para o texto que estampamos na edição de agosto de 2018 e trouxe para o debate uma reflexão sobre o próprio fazer jornalístico: "É preciso aprender a aprender de novo".

CONTINENTE No episódio da greve/locaute dos caminhoneiros, ficou evidente o fortalecimento do uso político de ferramentas como o WhatsApp. Como analisa esse fenômeno de partilha de infos/notícias – nem sempre verdadeiras, é bom frisar – por meio desse aplicativo?
MARCO WEISSHEIMER Segundo dados do próprio WhatsApp, o Brasil já tem mais de 120 milhões de usuários dessa ferramenta. Além disso, ele é o aplicativo de troca de mensagens preferido da população. De acordo com levantamento do Mobile Ecosystem Forum, 76% das pessoas com acesso à internet móvel no Brasil utilizam o WhatsApp. O Messenger do Facebook vem em segundo com 64% e o SMS em terceiro, com 36%. Ou seja, ele tem um alcance que rivaliza com os meios de comunicação tradicionais. O seu modo de funcionamento tem uma característica importante: suas mensagens atingem apenas uma pessoa ou participantes de um grupo que não pode exceder o número de 256 integrantes. A proliferação de grupos de WhatsApp atravessa o ambiente familiar, as relações de trabalho e as mais diversas causas, que podem ir de grupos de proteção dos animais a de mobilizações como a greve dos caminhoneiros. Essa troca de informação pode ou não usar conteúdos dos meios de comunicação tradicionais. Dependendo da causa envolvida – como foi o caso da greve dos caminhoneiros - parece haver mesmo uma desconfiança em relação a esses meios. Há um sentimento de afinidade em relação a um determinado tema e de confiança entre os participantes desses grupos que parecem servir, de certa maneira, como legitimadores da veracidade daquilo que é compartilhado. Não é, necessariamente, a má fé que explica esse compartilhamento de conteúdos e informações nem sempre verdadeiras.

CONTINENTE Acredita que essa passividade do receptor (que, muitas vezes, apenas recebe as mensagens e as compartilha) é também um dos elementos cruciais para o contexto de difusão de notícias falsas?
MARCO WEISSHEIMER Não é possível afirmar com certeza qual é a causa principal desse comportamento. Provavelmente não haja uma causa única. Creio que um dos fatores que acompanha esse fenômeno é o engajamento afetivo, com alguma causa, política ou não. Como disse antes, há um sentimento de afinidade dentro dos grupos que facilita a circulação dos conteúdos compartilhados. Às vezes isso funciona no sentido contrário também. Há diversos relatos de pessoas que deixaram um grupo de WhatsApp da família ou de amigos por não tolerarem posições expressas dentro dos mesmos.

CONTINENTE Sobre o 'efeito manada' que leva as pessoas a compartilhar conteúdos falsos sem nem se preocupar com a veracidade daquilo que disseminam: que malefícios traz à prática jornalística? E o que acarreta para esse mesmo ofício?
MARCO WEISSHEIMER Esses malefícios, é importante assinalar, não se limitam à prática jornalística, podendo impactar fortemente a vida política e social de um país. Penso que o jornalismo já dispõe dos procedimentos e ferramentas necessárias para combater esse tipo de falsidade: a apuração das informações, das fontes das mesmas. Na greve dos caminhoneiros, por exemplo, fez isso denunciando a falsidade de áudios que falavam de uma intervenção militar iminente no país.

CONTINENTE Considera que, nesse panorama de “pós-verdade”, a mídia sai enfraquecida, com a comunicação e emissão/recepção de infos e notícias se dando mais por meio de WhatsApp e plataformas como Facebook (notícias essas geradas por sites nem sempre confiáveis…)? Quais seriam os elos entre essa comunicação, a 'mídiafobia' e o poder nesse contexto?
MARCO WEISSHEIMER Creio que a possibilidade dela sair enfraquecida dependerá fundamentalmente da sua capacidade de se adaptar a essa nova realidade, tanto no que diz respeito à produção de conteúdo quanto à criação de estratégias de distribuição destes conteúdos. Mas nem tudo são más notícias neste tema. A abertura da possibilidade de cada cidadão ou cidadã se tornar um produtor e emissor de informação pode ser um fator importante para a democratização do sistema de comunicação como um todo, representando um contraponto difuso e massivo aos conglomerados midiáticos cada vez mais concentrados e poderosos economicamente. O mesmo desafio que está colocado para os meios de comunicação está colocado para as pessoas individualmente: produzir conteúdo de qualidade e interesse público e combater a difusão de mentiras, preconceitos e das mais diferentes formas de violência.

CONTINENTE Por fim, de que modo o uso político do WhatsApp, por exemplo, ajuda a moldar o cenário de disputa de narrativas que tem marcado a contemporaneidade no país, em especial desde 2014?
MARCO WEISSHEIMER O WhatsApp teve um papel muito importante nas eleições de 2014 e ele deve ser mais importante ainda este ano. Penso que a preocupação dos partidos e candidatos em relação a essa ferramenta não deve se limitar à questão da produção de conteúdo, mas também deve considerar prioridade o tema da distribuição e da circulação desse conteúdo. Há um desafio tecnológico a ser enfrentado aí. Os partidos políticos, os sindicatos e os movimentos sociais têm um desafio tecnológico a enfrentar aí: as possibilidades de produção e distribuição de informação – e de formação de narrativas, portanto – se multiplicam a cada dia, criando cenários e plataformas que não existiam até bem pouco tempo. É preciso aprender a aprender de novo.

Publicidade

veja também

“O que eu ouvia é que isso não era uma profissão” [parte 2]

“O que eu ouvia é que isso não era uma profissão” [parte 1]

“Arte demanda um completo sacrifício”