Curtas

Caprisongs

O novo disco da multiartista britânica FKA twigs, ou quando uma capricorniana faz música

TEXTO Antonio Lira

20 de Janeiro de 2022

Foto Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Mesmo durante a pandemia, com a impossibilidade de curtir festas presenciais, a pista de dança não saiu das mentes dos fãs de música pop. Álbuns como Chromatica, Future nostalgia e What’s your pleasure?, todos de 2020, foram responsáveis por não apenas mais uma cíclica renovação de interesse de artistas pop mainstream na disco music, mas, sim, quase como uma tentativa de recriar, no ambiente sonoro, a própria experiência da pista em si, ausente na vida da maioria de seus ouvintes, graças às limitações impostas pelo novo coronavírus.

Tears in the club, parceria da multiartista britânica FKA twigs com o cantor e compositor canadense the Weekend, é mais uma dessa leva de canções. É claro que a cantora não foi a primeira e nem provavelmente será a última a falar sobre lágrimas derramadas em clubes e boates noturnas por desilusões amorosas. Mas, num momento de incertezas, quando não sabemos quando poderá ser nossa próxima oportunidade de dançar, ela parece evocar, mais do que nunca, a urgência dessa experiência enquanto momento de expurgo. “I wanna get you out of my hips, my thighs / My hair, my eyes, my late-night cries / I wanna take my clothes off, wanna touch my hips / My thighs, my hair, not yours, all mine, yeah”. Quem já chorou por amor na madrugada enquanto dançava uma canção-chiclete compreende bem.

A música foi escolhida para ser o primeiro single de CAPRISONGS (2022 – ouça aqui), mais novo álbum da cantora que, na verdade, é a sua nova mixtape. Em ride the dragon, faixa que abre o trabalho, é possível, inclusive, ouvir o barulho de uma fita cassete sendo colocada para tocar. O nome da produção remete ao fato de que FKA twigs é do signo de capricórnio, algo que pode fazer muito sentido pra quem entende do assunto e conhece a trajetória da artista. Afinal, capricornianos costumam ter uma relação intensa e disciplinada com o trabalho, o que, muitas vezes, pode inclusive trazer prejuízos. No final do ano de 2017, por exemplo, twigs foi forçada a interromper sua intensa rotina de produção artística após passar meses ignorando uma forte dor que vinha sentindo na região do estômago. A multiartista viu-se obrigada a se submeter a uma cirurgia para retirada de seis tumores não-cancerígenos de seu útero. Ou, para usar as palavras dela: “Duas maçãs, três kiwis, alguns morangos. Uma tigela de frutas de dor diária”.

Determinada a dar continuidade à produção do que viria a ser o disco MAGDALENE (2019), a cantora foi forçada a procurar um médico no dia em que se viu com dificuldades para se levantar sozinha de sua cama por conta da extensão da dor. Seu ano bastante atribulado, com sua separação do ator Robert Pattinson, o assédio diário por parte do fandom do ator e a pressão que ela colocara nela própria para entregar um sucessor à altura de seu álbum de estreia, LP1 (2014), causara efeitos em seu organismo que ela não era mais capaz de ignorar. Mesmo assim, twigs continuou em sua rotina até pouco antes da cirurgia. E, enquanto trabalhava em um vídeo onde precisava fazer uma coreografia de voguing, foi chamada de preguiçosa pelas várias vezes em que ela tinha que ir ao banheiro durante o ensaio graças à comorbidade. “Em toda a minha vida, eu nunca fui chamada de preguiçosa. Aquilo me quebrou”, disse a cantora em entrevista ao The Guardian.

FKA twigs já foi descrita diversas vezes como workaholic. Sua trajetória na música pop começou ainda cedo, quando se mudou para o sul de Londres com a ideia de seguir carreira de dançarina. Apareceu no fundo de clipes de artistas como Kylie Minogue, Taio Cruz, Ed Sheeran e Jessie J antes de começar a trabalhar com produtores locais, na tentativa de descobrir quais sonoridades expressariam melhor o que ela pretendia enquanto compositora. De lá pra cá, além dos dois álbuns de estúdio já citados, FKA twigs conta ainda com três EPs e colaborações com Skrillex, Kanye West, ASAP Rocky, entre outros vários artistas. E em CAPRISONGS a coisa não é diferente, já que conta, além da já citada parceria com the Weekend, com mais oito feats. Assim como em suas outras produções, há a mistura de diversos gêneros, que vão do hip hop e trip hop, mas passeando também por ritmos como reggaeton, na faixa papi bones em parceria com a rapper britânica Shygirl.

Quando foi anunciada a parceria de twigs com the Weekend, houve a especulação de que isso poderia indicar que a cantora – que se tornou queridinha da crítica, graças às experimentações e à ligação com a música avant-garde – estaria procurando um caminho mais simples e direto nessa nova produção. Mas esse desejo, que continua no horizonte da estrela, já havia se expressado no álbum anterior. Na época do lançamento de MAGDALENE, ela chegou a declarar para o The Guardian: “Eu acho fácil escrever em cima de uma completa aleatoriedade musical, mas não é isso que eu queria. Eu queria algo mais simples, mais honesto. Parecia que eu havia construído essa gaiola ornada de ouro e tudo estava tão intrincado – com tapeçarias, miçangas e lindos fios. E eu entrei nela, tranquei a porta e fiquei tipo, ah, meu deus, isso é um pesadelo”.

Mesmo que isso seja em parte verdade e que CAPRISONGS siga um caminho mais massivo e comercial – embora eu, particularmente, discorde da necessidade de pensar a música dentro dessa distinção –, ainda é possível encontrar no álbum muito da estranheza intrincada que marca a trajetória artística da cantora, através de arranjos com referências ao lo-fi e à obra de artistas como Frank Ocean e Kendrick Lamar. Mas o importante mesmo é que a nova mixtape de FKA twigs mostra novamente ao mundo a versatilidade, criatividade e intensidade da obra da cantora, que segue sendo uma dos mais interessantes nomes da música pop anglófona dos últimos anos.

ANTONIO LIRA é jornalista, músico, pesquisador e mestre em Comunicação pela UFPE.

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