Edição #215

Novembro 18

Nesta edição

Missão de solidariedade

É estranho, na verdade, é assustador, pensar o quanto o Brasil mudou desde que lançamos pela primeira vez, em reunião de pauta, há mais de um ano, a hipótese de realizarmos uma reportagem sobre as pessoas que – de boa-fé e motivadas por suas religiosidades – se lançam pelo mundo com o intuito de levar uma palavra, um gesto de solidariedade, de acolhimento e esperança ao outro. Por vários meses voltávamos ao assunto, discutindo como trataríamos de um tema que nos parecia relevante sem trazermos para a revista qualquer conotação evangelizadora. Nosso intuito era observar alguns dos missionários que atuam hoje e quais as suas motivações e práticas. 

O contexto político e social do Brasil, no momento em que fechamos esta edição e escrevemos este editorial, faz com que nossa intenção pareça ingênua e deslocada. Como falar de missionários quando gestos de ódio e intolerância gerados pelo momento político grave tomam conta das nossas relações? E de que missionários gostaríamos de falar?  Decerto, não daqueles que usam a Bíblia para doutrinar e oprimir, mas para agir com amorosidade, esclarecer e fortalecer os que sofrem desigualdades sociais. 

Certamente por praticar um missionarismo que liberta, Dorothy Mae Stang, da católica Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, que atuou por quatro décadas junto aos indígenas na região amazônica, foi assassinada a tiros em 2005. “Consta que, ao ser questionada se estava armada pelos homens que a fuzilariam, teria respondido: ‘Eis a minha arma’, apontando para sua Bíblia”, registra nossa reportagem.

Portanto, ao nos determos nas histórias de jovens que optaram por “viver da palavra”, como muitos deles nos disseram, observamos que o gesto deles é de solidariedade, de empatia, de desejo de um mundo pacífico e livre, em que não pese sobre seus ombros o egoísmo e a indiferença. A história e o presente mostram, também, que o bom missionarismo – já calejado pelas experiências das descolonizações dos anos 1960 – potencializa as populações para a autonomia solidária, para a autoestima regada de religiosidade. De outra forma, não é missão, é doutrinação. 

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