Edição #204

Dezembro 17

Nesta edição

Desde que existe Aids

Você pode se perguntar, leitor, o motivo de prepararmos um dossiê de 20 páginas sobre os 35 anos da presença da Aids/ HIV no Brasil. Uma revista "de cultura" deter-se de tal modo sobre um assunto de saúde… Mas, pensar assim, seria como imaginar que podemos separar nosso corpo da nossa mente, nosso coração dos nossos ossos. Isso não podemos. A vida não se separa da arte, a cultura é a própria existência.

Esse foi nosso ponto de partida para trazer um assunto que é silenciado, mas cuja realidade se espalha insidiosamente, atingindo pessoas que não estão querendo pensar sobre o sexo que estão praticando e que viver a sexualidade, em todas as suas dimensões, é vivê-la também com responsabilidade por si e pelo outro. Como se não fosse pouco o fato de muita gente estar sendo infectada por não considerar os riscos que implicam desconhecer os cuidados com o corpo, há um contexto de ultraconservadorismo que quer silenciar o debate, impedir a educação nas escolas, impingir o medo e a castidade, definir modelos de se relacionar e amar, como se a história não tivesse ensinado a ineficácia disso.

Numa reportagem repleta de dados relevantes, fontes representativas do contexto, cuidado com o tratamento do assunto, Luciana Veras, repórter especial da Continente, não deixou um aspecto de fora da discussão. São muitos depoimentos relevantes, de gente que lida diariamente com as questões da soropositividade.

Porque silenciamos, o HIV se espalha com mais rapidez. Sobre isso, um trecho do dossiê: “Outro aspecto notável é um conjunto de ramificações: houve a pauperização, a interiorização, a feminização e o entardecer da Aids. A epidemia assola os mais pobres, chegou às cidades do interior, hoje as mulheres são 51% das pessoas com HIV no mundo, conforme o Unaids, e o aparecimento de pílulas para disfunção erétil reacendeu a vida sexual na ‘boa idade’, com o agravante de que homens septuagenários e mulheres sexagenárias nem sempre se acostumaram ao uso de camisinhas ou se achavam imunes a uma infecção ainda atrelada à impressão de populações-chave – pessoas que usam drogas injetáveis, homens que fazem sexo com homens (HSH), profissionais do sexo, pessoas trans e seus respectivos parceiros sexuais”.

Agora, como em 1989, as palavras Ignorance = Fear (ignorância = medo) e Silence = Death (silêncio = morte), estampadas em obra de Keith Haring, fazem um imenso sentido.

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