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Matheus Mota: Um olhar sobre o homem comum

'Almeijão', novo álbum de Matheus Mota, traz narrativas de pessoas comuns, mas que se revestem de uma sonoridade melódica e harmonicamente sofisticadas

TEXTO Fernando Athayde

01 de Setembro de 2015

Matheus Mota

Matheus Mota

Foto Renata Pires/Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 177 | set 2015]

Desde o lançamento do primeiro disco de sua carreira
Desenho, em 2012, o compositor carioca radicado no Recife Matheus Mota vem se tornando conhecido pela originalidade de seus arranjos e pelo tom de crônica de suas letras. E embora a percepção de tais características esteja intrinsecamente associada à visão artística do músico, suas composições reservam um universo mais denso e reflexivo. Buscando se situar entre a complexidade da academia e a banalidade com a qual a rotina esgota os dias, o artista dá à luz uma obra repleta de impermanências e conflitos pessoais quase sempre relatados através do bom humor e da sagacidade.

Inquieto, Matheus enxerga sua relação com a arte como um exercício de administração de crise e cita os livros Ouvido pensante e a Afinação do mundo, do pesquisador canadense R. Murray Schafer, como obras que amparam sua perspectiva artística. “Schafer possui ensaios sobre educação de escuta… Exercícios para buscar, através de sons interessantes, ritmos diferenciados ou até de banalidades, inserir uma reflexão séria”, pontua o músico.

Tal identificação fica muito clara ao escutarmos a primeira faixa do último trabalho de Mota, o disco Almeijão. Basicamente, a abertura do álbum consiste numa edição de áudio em que é possível escutar a voz do apresentador de televisão Fausto Silva, o Faustão, convidando Matheus Mota a entrar no palco do seu programa – uma escolha estética que não só chama automaticamente a atenção do ouvinte, mas que funciona como um denominador comum a todos os segmentos da sociedade brasileira.

Essa abordagem, embasada na reflexão de que a arte não necessariamente deve permanecer como um campo de acesso restrito e difícil interpretação, é algo notável num país como o Brasil. Aqui, há um tipo de cisão entre o público que tem voz ativa na busca por conhecer artistas e o que responde passivamente ao bombardeio midiático proporcionado pelos grandes veículos de comunicação. Ao associar versos como “Você não é gorda, tá bonita/ Com esse olhar bobo pra cima/ Numa foto em preto e branco/ Só pra parecer antiga, de outro tempo”, de Gorda, a harmonias dissonantes e escolhas rítmicas de difícil assimilação, por exemplo, Matheus busca entrar em consonância com ambos os grupos citados acima. De forma hábil, o compositor dá a deixa para uma discussão sobre a afetação que permeia a vivência em sociedade. Assim, coloca em xeque uma característica inerente à própria vida contemporânea e evidenciada após a massificação das redes sociais: a relação entre corpo, autoestima e imagem presente em todos os setores sociais.

CRIAÇÃO
Multi-instrumentista de habilidade incomum, Matheus gravou a maior parte dos seus discos sozinho. “Na época do Desenho, eu compunha quase tudo direto na partitura, mas no Almeijão eu compus no piano, tocando.” Consequência de um estado de total entrega ao processo criativo, essa peculiaridade é algo que acompanha o músico desde o início de sua carreira.

Esse direcionamento, refletido na complexidade dos arranjos e no apuro técnico do artista, porém, jamais deve ser interpretado como uma barreira aos ouvintes não iniciados na teoria musical. A composição de Matheus é assobiável, muitas vezes capaz de despertar sentimentos como a nostalgia. Algo que frequentemente se diz após a audição de seus discos, inclusive, é que eles remetem àquela sonoridade oriunda das trilhas dos programas televisivos da TV Cultura da década de 1990, em que melodias marcantes conseguiam espaço em meio a difíceis progressões harmônicas e rítmicas.

Apesar disso, o músico afirma que seu som não é somente um mecanismo de resgate sentimental. O que ele faz é provocar o ouvinte a perceber que a música pode descer dos palcos e programas de auditório, se desglamourizar e usar o cotidiano como ferramenta para se comunicar de igual para igual com as pessoas.

No entanto, não seria justo reter a relevância do trabalho de Mota à sua faceta lírica. Canções como Profissional, faixa de Desenho, também se sustentam por suas dinâmicas rítmicas e melódicas. Matheus fala que gosta de pensar na música mais ligada à pausa e pontua que “hoje é tudo muito comprimido”, referindo-se ao processo conhecido na mixagem como compressão, explicado de forma resumida como sendo um artifício capaz de equilibrar os volumes, todas as notas presentes numa faixa de áudio, ignorando a intensidade com que foram tocadas. Assim, ao trabalhar o uso do silêncio no meio de suas músicas, o artista dá vazão a uma mecânica quase inesgotável de possibilidades estruturais para suas canções.

Matheus Mota escolheu dar vida a letras que trazem como protagonistas o homem comum. Fazendo crônica, mas sem deixar que a casualidade afete suas escolhas melódicas e harmônicas, o músico vai além da obviedade do dia a dia e enxerga naquilo que todo mundo vê diariamente alguma coisa diferente. 

FERNANDO ATHAYDE, jornalista e músico.

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