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Graxa: burilando as possibilidades do lo-fi

Graxa, a persona mais conhecida do músico Angelo Souza, lança seu novo álbum, 'Aquele disco massa', reafirmando sua veia cronista, ácida e bem humorada

TEXTO Guilherme Gatis

01 de Setembro de 2015

Graxa

Graxa

Foto Juvenil Silva/Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 177 | set 2015]

Enquanto você está lendo este texto,
é provável que Angelo Souza esteja, agora mesmo, remoendo alguma ideia que vai virar música. Ou gravando cópias de lançamentos locais em fita cassete. Ou editando o áudio lo-fi de uma improvisação gravada de um celular. Ele pode, também, estar misturandoblues com elementos do samba, incorporando um músico americano que veio de zepelim para o Recife ou finalizando mais um capítulo de um livro que publica periodicamente na internet. Há ainda a possibilidade de ele estar passando a régua no fiado da oficina em que trabalha quando não está exercitando o seu alto potencial de criação.

Dentre as várias personas e projetos tocados por Angelo, o Graxa é a alcunha que mais se destaca. O apelido faz referência à oficina, mantida por familiares e amigos, onde trabalha desde novo, seguindo os passos do avô Beraldo, já falecido – “o melhor mecânico do Jiquiá”, garante. Como Graxa, Angelo lançou dois álbuns: Molho, de 2013, e o mais recente, Aquele disco massa, que pode ser ouvido e baixado na internet e também está disponível nos formatos CD e fita cassete, em pleno 2015, uma forma pouco usual de circulação de músicas, ou, como gosta de dizer, um souvenir retrô. “Acho que o pior lançamento que se pode fazer de um disco é em cassete, mas, ao mesmo tempo, esse é um formato que ninguém voltou a explorar ainda”, explica, adiantando que está em andamento o projeto de selo para, em parceria com outros artistas, lançar álbuns pernambucanos nesse formato.

Um dos nomes listados no arranjo musical que uniu bandas e artistas de diferentes vertentes no que se convencionou chamar Cena Beto, Angelo participou da Insites e da Canivetes, além de tocar no grupo do amigo D Mingus, antes de lançar o primeiro disco solo. Como não tinha uma banda base, a parceria com D Mingus foi fundamental na produção de Molho. O álbum foi todo realizado num estúdio caseiro, utilizando programações midi para automatizar as sequências de baterias.

A estreia de Graxa foi mais longe do que o próprio músico esperava, mais precisamente, para a República Tcheca. “O disco foi para a internet e um cara de Chapecó, que teve acesso às músicas, me disse que ia tentar um contato para prensar o álbum em vinil. Clênio Lemos, representante de uma empresa que nem existe mais, a Media for Music, ouviu o Molho e viabilizou o lançamento em vinil”, explica. O disco foi prensado no exterior e distribuído aqui no Brasil com boa resposta de público e crítica.

Pode-se dizer que a circulação em vinil de Molho foi quase uma predestinação, já que Graxa disponibilizou os arquivos para download em duas pastas, assinaladas como lado A e lado B. “Eu pensei o Molho como um vinil, queria que a pessoa escutasse um lado e tivesse esse tempo entre trocar de uma pasta para outra, tal qual um LP. Apesar de usar esse conceito, não fazia ideia de como executar essa prensagem e foi uma surpresa grande quando rolou a oportunidade de fazer esse vinil”, lembra.

FORMAÇÃO SIMPLES
Entre o Molho e Aquele disco massa, Angelo ainda encontrou tempo para personificar o Biu Grease e gravar o Goodbye songs, um disco de blues com instrumentos e elementos de samba, uma forma que encontrou para homenagear o avô, trabalhando temáticas como despedida, saudosismo e nostalgia, numa cadeia de histórias e personagens fictícios que repassam, por meio de canções, as tradições do bairro do Jiquiá, onde foi construída a primeira estação aeronáutica para dirigíveis da América do Sul. Não satisfeito, Angelo ainda editou e lançou o projeto Graxeboratha, que tem quatro volumes de gravações lo-fi, a maioria delas realizadas em um telefone celular.

Duas músicas foram lançadas no formato de EP antes de Angelo, novamente Graxa, concluir Aquele disco massaEu não Kiss e Soul socialista foram inicialmente produzidas no mesmo processo de home studio, com programações para as baterias. Ele não gostou do resultado e veio então a vontade de trabalhar o próximo álbum com uma banda – é aí que entram Rama Om (guitarra) e Tiago Marditu (bateria), além de Adriano Leão, que mixou e masterizou o disco e hoje faz parte da banda que está divulgando o Disco massa pelo Nordeste. “Queria que o álbum reproduzisse a mesma atmosfera do show, por isso optei por uma formação mais simples, de modo que o que você escuta em casa é basicamente a mesma sonoridade que você vai ouvir ao vivo.”

Apesar de trabalhar na divulgação e shows do Disco massa, o próximo álbum está em processo de criação – e já tem nome e data para ir para a rua. Puto será um disco duplo com show de lançamento agendado para 17 de janeiro, data do aniversário de Jorge Mautner. “Escolhi essa data para homenagear Mautner, que é o principal puto da música brasileira.” Cada disco vai trabalhar duas dimensões diferentes do termo. “Num, a temática principal é o ser puto e, no outro, é o estar, o que deixa a pessoa com raiva, o que te deixa puto.”

A julgar pela velocidade das ideias de Angelo, é muito provável que, antes mesmo de canalizar a raiva de Graxa, o músico reapareça com mais alguma persona – e a julgar pelo que já vem apresentando, quanto mais Angelo botar para fora o que circula na sua cabeça, essa verdadeira oficina de ideias, melhor.

O RUOCK D’AQUELE DISCO MASSA
Toda essa proatividade de Angelo/Graxa pode sugerir um raciocínio difuso e pouco coeso, mas é justamente em Aquele disco massa que ele condensa o melhor das suas criações. Se em Molho o músico optou por falar de questões pessoais, como tédio do final da tarde de domingo, no segundo álbum, em 12 faixas, aborda temáticas relevantes e atuais, como o mea culpa masculino ao movimento feminista da música Marcha das vadias. Críticas e ironias relacionadas às cenas musicais e a política cultural de Pernambuco também se fazem presentes. Sou socialista, lançada antes do acidente que vitimou o ex-governador Eduardo Campos, ironiza o famoso jantar que o político ofereceu aos cineastas em 2013.


Capa de Aquele disco massa. Imagem: Reprodução

A introdução instrumental d’Aquele disco massa dá a deixa para outro elemento fundamental da obra: as guitarras em fuzz e a bateria marcada, acompanhando os riffs, denunciam que nas próximas 11 faixas são elas, as guitarras, que terão seu lugar de destaque.

A ideia de fazer o disco soar como uma apresentação ao vivo funciona e o uso de elementos setentistas nos timbres, além das distorções, fazem de Aquele disco massa um álbum de ruock, termo criado pelo próprio músico para tentar definir, a partir da reapropriação desse termo, já cansado, a sonoridade peculiar do seu trabalho. 

GUILHERME GATIS, jornalista e DJ.

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