Para Zeca Viana, estar envolvido com o ato de criar resulta numa condição indissociável de sua própria respiração. Multi-instrumentista, o artista parece dominar com certa maestria as voltas que a vida dá, sem nunca deixar que os desafios cotidianos o afastem da sua necessidade de se expressar. Para se ter uma ideia, em 2007, quando tocava bateria na banda pernambucana Volver, o músico conta que chegou a fazer uma turnê nacional sem abandonar o trabalho diário no Recife. “Eu trabalhava numa companhia aérea e, por isso, comprava as passagens de avião muito mais baratas. Aí o resto da banda saía em turnê de carro pelo país e eu viajava para encontrá-los só no dia do show, e depois voltava para trabalhar”, conta Zeca.
Essa dedicação talvez seja um dos eixos fundamentais sob os quais orbitam a vida e obra do artista. Desde a década de 1990, quando ainda era um iniciante na música, Viana já pensava em caminhos alternativos capazes de suportar a vazão de suas vontades e anseios. Seu primeiro disco solo, Seres invisíveis, gravado em casa ao longo de vários anos e lançado em 2009, é o retrato de um músico aprendendo e experimentando como manipular o som pela primeira vez, intuitivamente. Em 2010, impulsionado pela sua experiência com a Volver e com o projeto solo, Viana deu início ao Recife Lo-Fi, uma coletânea musical anual que reúne artistas de todos os gêneros e partes do Brasil sob uma única regra: a adoção da estética lo-fi, termo que reduz a expressão low fidelity recording, ou seja, registros fonográficos cuja sonoridade está situada longe daquelas oriundas dos grandes estúdios e próxima à utilização de técnica artesanais de gravação.
Ainda assim, o músico não se diz propriamente um defensor ferrenho de tal forma de produção, mas acredita que, mais importante que seguir uma regra específica na hora de compor, é se expressar independentemente dos recursos técnicos disponíveis. Em 2015, foi lançada a quarta edição da coletânea, que hoje já conta com a participação de artistas até de fora do país.
Após o lançamento de Seres invisíveis e da primeira edição do Recife Lo-Fi, Zeca se mudou para São Paulo, onde chegou a integrar a banda paulista de post rock Labirinto. Dessa vez como baixista, o músico participou da primeira turnê internacional do grupo, que passou por países como o Canadá e Estados Unidos. Na capital paulista, retomou seu projeto solo e seguiu compondo uma série de canções que viriam dar a forma ao seu segundo trabalho, Psicotransa, de 2012.
Dessa vez gravado em estúdio e tocado por uma banda, o álbum se distingue de Seres invisíveis não só pelo tratamento dado ao áudio, mas pelo fato de ter sido produzido em uma semana. O lançamento marcou o final da estada de Zeca em São Paulo, pois no início de 2013 retornou ao Recife.
REDENÇÃO
“Em 2013, eu estava sem dinheiro, sem mulher, sem rock’n’roll e com metade das minhas coisas em São Paulo”, conta o músico, que ainda foi assaltado logo que regressou ao Recife e perdeu todos os arquivos de seus projetos e registros de canções. Nesse momento de crise, Zeca decidiu dar um novo rumo à vida e optou por cursar Filosofia (UFPE).
De volta à Estância, o músico pouco a pouco conseguiu trazer seus equipamentos de São Paulo. “Nos últimos anos, parei para aprender mixagem e masterização, coisas que eu já fazia intuitivamente, mas nunca tinha estudado pra valer”, conta o artista, que assina todo o processo de realização deEstância.
Etéreo, o recém-lançado álbum reúne composições estritamente ligadas à vida e às lembranças de Viana. O novo trabalho de Zeca mantém um pé no erudito, mas se recria à medida que também abriga canções pop.
Estância tem referências como Cocteau Twins e do My Bloody Valentine uma gama de timbres reverberados e acolhedores. Talvez por esse calor iminente, Zeca Viana, depois de dois anos sem fazer shows, retornou aos palcos. Apoiado pela banda recifense Verdes & Valterianos, o músico enxerga o futuro como algo que reserva boas surpresas.
FERNANDO ATHAYDE, jornalista e músico.
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