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Johnny Hooker: Porta-voz das vítimas do amor

Cantor e compositor leva postura rock’n’roll para a “música de dor de cotovelo” e se torna fenômeno com primeiro álbum solo

TEXTO Débora Nascimento

01 de Setembro de 2015

Johnny Hooker

Johnny Hooker

Foto Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 177 | set 2015]

Se existe hoje um fenômeno musical de Pernambuco,
ele se chama Johnny Hooker. O cantor e compositor de 28 anos vem preenchendo alguns dos quesitos do que se considerava, à moda antiga, sucesso (tocou em novela da Globo, apareceu no Jô e em outros programas de auditório, saiu na Folha de S. Paulo e na Rolling Stone, está na “boca do povo”), como também atende a outros requisitos da nova formatação do mercado musical: seu primeiro disco solo, Eu vou fazer uma macumba pra te amarrar, maldito!, alcançou o primeiro lugar na plataforma de streaming Deezer e foi número um no chart MPB do iTunes Brasil; seu nome circula com frequência nas redes sociais, já atingindo os trending topics do Twitter; participa do novo cinema brasileiro (atuou nos filmes A febre do rato e Tatuagem) e mantém uma carreira colaborativa, com a participação de amigos com objetivos em comum.

Johnny Hooker pode até ter despontado com maior evidência de 2013 pra cá, mas sua “fabricação” começou há muito tempo: dentro de casa, quando ainda era John Donovan, ouvindo, por conta dos pais, nomes de peso da música mundial, como David Bowie e Frank Sinatra.

Do primeiro herdou a vontade de criar um personagem; dos dois, o desejo de cantar como profissional. Muita gente o compara a Ney Matogrosso e a Cássia Eller, devido à maquiagem, ao figurino, plumas, poses, transparências e brilhos típicos do ex-vocalista do Secos & Molhados, e do canto forte da intérprete. Johnny nega principalmente a influência de Ney, por este ser mais telúrico, hippie, ligado à natureza; e o pernambucano, mais urbano. Outra diferença é o fato de compor e Ney apenas cantar.

Ainda na área das comparações, que servem como parâmetro para nos guiarmos com “artistas novos”: Cássia Eller pode ser uma boa referência. Assim como a artista falecida em 2001, Johnny canta passionalmente, com toda a potência vocal de que dispõe, quase gritando. Ele não tem medo de se colocar na canção. Isso é raro. Porque, da mesma forma que essa nova geração cultiva o receio de se entregar aos relacionamentos e lida com suas emoções através de emojis, a maior parte dos músicos oriundos dela também tende a ignorar temas amorosos. Talvez haja o receio de soarem cafonas, afinal, a linha entre o drama e o melodrama é sutil e arriscada. Não é à toa que o último fenômeno decente do rock nacional tenha sido o Los Hermanos, grupo que entoava estrofes como “Não dá mais pra mim/ Pra eu poder viver aqui/ Sem ter a ti” (Outro alguém).

CONFESSIONAL
Parece que os ouvintes estão órfãos desse tipo de música confessional e, por isso, não hesitam em abraçar o trabalho de um artista que consegue traduzir o que os pobres mortais sentem. E Johnny Hooker, por ora, é esse porta-voz: vai direto na ferida, fala sob o ponto de vista da vítima do amor. A geração dos chats, tão bem-descrita no longa argentino Medianeiras (2011), ganhou um representante musical à altura de seus sentimentos.

O destemor de Johnny em se expor é tanto, que ele adentra com força na seara do brega – apesar de o disco trazer outros estilos, como ska, bolero e samba. No entanto, leva vantagem com relação a outros nomes do controverso gênero: sua produção é requintada e está bem distante do tipo de realização apressada e pouco apurada, comum aos lançamentos dessa área, o que até reforça o preconceito contra ela. O disco foi gravado, mixado e masterizado por Cristiano Lemgruber, no Fábrica Estúdios.

Obviamente que o fato de um artista nativo do rock resolver investir no brega não se configura como algo revolucionário, até porque, além de já termos passado pelo Tropicalismo, que destruiu as fronteiras entre o que se considera bom e mau gosto musical, outros músicos, do brega roots de Reginaldo Rossi ao techno brega de Gaby Amarantos, foram assimilados por boa parte dos formadores de opinião, da mídia e, principalmente, de um público diversificado. Mas, ainda assim, esse trânsito musical não acontece com frequência, principalmente no que se refere ao ato de compor e não apenas fazer covers rock’n’roll de brega.

Além de Johnny interpretar com garra, com a certeza do que está cantando, outro ponto que o destaca é a temática homoafetiva, com a qual, de maneira sincera e, ao mesmo tempo, alegórica, milita poeticamente contra a homofobia. No clipe de Alma sebosa, em que usa a verve de ator, ele troca beijos ardentes com Luiz Carlos Vasconcelos. Já o vídeo de Volta, o mais assistido do álbum no YouTube (quase 700 mil acessos), é estrelado por ele e Irandhir Santos, protagonista de Tatuagem, que tem a música em sua trilha sonora.

O artista também toca numa outra questão, ainda polêmica, mesmo em pleno século 21: o candomblé. As citações vão do título a letras que falam em orixás. Atitudes como esta permanecem relevantes num país que, mesmo miscigenado, assiste à religião de origem africana ser estigmatizada, perseguida e violentada. É claro que outros nomes da nossa música chegaram nesse terreno antes, como Clara Nunes e Maria Bethânia, mas, ainda assim, é importante que a nova geração tenha a iniciativa de reforçar essa presença mística.

VISIBILIDADE
Numa discussão no Facebook sobre Johnny Hooker, que gerou diversos comentários, alguém apontou talvez apressadamente: “Ele encontrou o estilo dele”, referindo-se ao fato de o cantor ter um currículo ligado ao rock – liderava o Candeias Rock City, grupo de viés glam rock. Apesar de ter iniciado sua carreira no começo dos anos 2000, o músico passou a ultrapassar os limites da terra natal em 2009, quando foi ao Rio de Janeiro para participar doreality show Geleia do Rock, do canal Multishow. Saiu como um dos vencedores da competição, pois o certame musical foi cancelado após a morte de um dos integrantes da The Hookers, Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães. Com essa banda gravou o CD Roquestar (2011) e antes lançou três EPs, The blink of the whore’s pussy (2004), Ultra violence discotheque (2007) e Fire! (2008) – ensaios para Eu vou fazer uma macumba…

Este seu primeiro álbum solo recebeu duas colaborações de peso para projetar-se: a inclusão de algumas músicas nas novelas da TV Globo, Alma sebosa em Geração Brasil (2014), na qual participou como ator, e Amor marginal em Babilônia (em exibição), e a repercussão do Prêmio da Música Brasileira de Melhor Cantor na categoria Canção Popular, na qual concorreu com Luiz Caldas e José Augusto.

Das redes sociais, dá para perceber o alcance do impacto dessa figura dessemelhante, que possivelmente é o exemplo da “pessoa certa no lugar certo e na hora certa”: internautas de várias partes do país elogiam a voz, a interpretação, a performance (ele explora o palco, seja este do tamanho que for, como se estivesse numa arena diante de uma multidão, aprendizado adquirido como fã de Madonna) e, principalmente, pedem shows em suas cidades. Um ou outro aparece para azedar com comentários maldosos, mas, felizmente, não é a maioria. A macumba está dando certo. 

DÉBORA NASCIMENTO, repórter especial da revista Continente.

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