Em pouco tempo, formou-se uma equipe coesa, que analisa documentos, discute os dados, agenda depoimentos sigilosos ou abertos ao público. O resultado do primeiro ano de trabalho, segundo o presidente da Comissão, Fernando Coelho, é “aquém e além do esperado”.
“Além” são as 26 audiências realizadas, a coleta de 43 depoimentos, o lançamento do primeiro de quatro volumes do Caderno Periódico da Memória e Verdade, 51 casos de mortes e desaparecidos sendo investigados, mais de 70 mil documentos digitalizados.
Foram esclarecidos casos marcantes, como os do padre Antônio Henrique (morto em 1969), Anatália Alves (que teria se suicidado em 1973), Ezequias Bezerra da Rocha (que teria sido morto em suposto tiroteio, em 1972), além dos documentos oficiais que desmentem a versão sobre a autoria do atentado à bomba no Aeroporto dos Guararapes, em 1966.
“São documentos comprobatórios. A certeza da impunidade era tão grande, que há documentos do próprio SNI (Serviço Nacional de Informação) sobre o caso do padre Henrique. Há um expediente do ministro da Justiça ao chefe do SNI. Um procurador veio ao Recife, mexer no caso”, observa Coelho.
“O documento só foi localizado graças a um convênio que temos com a Comissão Nacional da Verdade para a troca de informações. Estava no Arquivo Nacional, em Brasília, onde fica todo o acervo do SNI, digitalizado”, explica o sociólogo Manoel Moraes, integrante da Comissão. Foram também pesquisados arquivos públicos no Rio de Janeiro e São Paulo.
Outra ação da Comissão comprovou que o militante Odijas Carvalho de Souza não morreu de “embolia pulmonar”, em 8 de fevereiro de 1972, nas dependências do Hospital da PMPE, como atestava o laudo do médico Ednaldo Paes Vasconcelos. A causa real foi “homicídio por lesões corporais múltiplas, decorrentes de atos de tortura”. Foi emitida uma nova certidão de óbito com a causa real no Cartório de Registro Civil do 6o Distrito Judiciário da Capital.
A certidão de óbito retificada e com a verdadeira causa da morte do militante foi entregue à sua família.
“Aquém”, segundo Fernando Coelho, são as dificuldades naturais para as investigações: o tempo, a morte de várias pessoas ligadas à repressão e a longa transição que permitiu a destruição e ocultação de muitos arquivos.
Ele acredita, porém, que o banco de dados que está sendo montado pela Comissão será o “legado maior”. A ideia é que tudo seja, futuramente, armazenado em um “Memorial da Democracia”.
“Meu trabalho na Comissão é como uma tarefa”, explica Socorro Ferraz. “Esclarecer como essas mortes se deram. E que a juventude saiba o que aconteceu no Brasil. Que a população saiba o que aconteceu. Que esse trabalho chegue às escolas. Até porque pode acontecer novamente.”
SAMARONE LIMA, jornalista, poeta e escritor, autor do livro Zé - José Carlos Novaes da Mata Machado, uma reportagem.
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