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Para o irmão de nove anos, ela era famosa porque saía no jornal

TEXTO Samarone Lima

01 de Março de 2014

Ainda criança, acompanhou o sofrimento dos irmãos presos pela ditadura

Ainda criança, acompanhou o sofrimento dos irmãos presos pela ditadura

Foto Diego Di Niglio

[conteúdo vinculado à reportagem especial | ed. 159 | mar 2014]

Abelardo Montarroyos tinha nove anos, quando a irmã
foi presa. Não entendia muito o que estava acontecendo. “Quando eu via a foto dela nos jornais, achava que estava famosa.” A mãe escutava o filho, e respondia:

–“Quando você crescer, vai entender melhor”.

A família Montarroyos foi duramente atingida pela ditadura. Carlos, o mais velho, era o que tinha maior envolvimento no PORT. Ficou preso no 14o R.I. Selma foi levada para o 7o R.O, em Olinda, para averiguação e “ficou lá por um tempo”. Sylvia, depois dos suplícios, conseguiu sair do Brasil em abril de 1966.

“A rebordosa foi grande, nós sofremos muito. Só depois da Anistia, começamos a respirar.”

Por conta da repercussão do caso, o pai, Adeildo, que era chefe de gabinete na Assembleia Legislativa, passou a ser uma presença apenas decorativa. Não podia ser demitido, mas ficou com serviços burocráticos. Além disso, foi gastando tudo o que tinha para tentar salvar a filha. A mãe, Maria Viana, teve que passar por um tratamento psiquiátrico, que durou seis meses.

Uma das coisas que mais preocupavam a família eram os livros e panfletos de Sylvia, o material considerado “subversivo”, que ficava escondido dentro de um sofá enorme, na sala. A polícia foi diversas vezes à procura desse material, mas nunca o encontrou. A cada investida, os agentes aproveitavam e levavam bens de valor da família.

“Eles batiam a casa toda, depois sentavam em cima do sofá, desconfiados de alguma coisa. Eu ficava morrendo de medo de que eles descobrissem algo.”

Numa das vezes que foi com a mãe à 2a Companhia de Guardas, os policiais mostraram um álbum de várias pessoas conhecidas da família e perguntaram se dona Maria conhecia alguém. Ela olhou todas as fotos e não apontou ninguém. Depois, passaram o álbum para o menino, que viu vários conhecidos, mas disse que não reconhecia nenhum.

“Já que minha mãe não disse nada, eu também fiquei em silêncio”, conta. “Um dos momentos mais dramáticos para a família foi quando uma pessoa chegou à nossa casa e disse que, se papai não conseguisse uma quantia em dinheiro, Sylvia iria para a ala dos indigentes.”

Mais bens da família foram vendidos.

Quando completou 17 anos e foi procurar emprego, Abelardo comecou a entender que o passado estava vivo. “Bastava eu dizer o sobrenome ‘Montarroyos’, que as portas fechavam.”

Abelardo conseguiu um trabalho na loja Mesbla, como vendedor. O pai morreu há alguns anos, a mãe vive em Caruaru. Tem 95 anos. “Ela conta tudo o que passou, como foi. Está lúcida, muito lúcida”, diz Abelardo, que agora ajuda a vender o livro que a irmã escreveu sobre a própria história, Réquiem por Tatiana – memórias de um tempo de guerra e de uma descida aos infernos

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