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"O 'Auto da Compadecida' era uma bandeira armorial"

Criador do Movimento Armorial, o escritor e dramaturgo Ariano Suassuna conversa sobre sua relação com autores próximos dessa estética e como foi a sua recepção por parte da crítica, à época

TEXTO Revista Continente

01 de Outubro de 2010

Ariano Suassuna

Ariano Suassuna

Foto Priscila Buhr/Divulgação

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 118 | outubro 2010]

CONTINENTE
 Como foi a sua relação com Osman Lins? Houve influência recíproca, chegaram a ler originais um do outro?
ARIANO SUASSUNA O meu relacionamento com Osman se deu no tempo anterior à Avalovara. Quando ele morava aqui, eu li os originais de O visitante. Em 1960 ou 1961, fundou-se na UFPE o primeiro curso de teatro e fui professor nele. Eu dava aula de Teoria do Teatro. Tinha dois departamentos nesse curso: um de Formação de Ator e outro de Dramaturgia. E Osman se matriculou e foi meu aluno no curso de Teoria do Teatro e no curso de Dramaturgia. Como meu aluno, acho que era mesmo uma exigência regimental, ele escreveu Lisbela e o prisioneiro como trabalho de conclusão. Tanto que você nota até uma certa influência, uma certa ligação com o tipo de teatro que eu fazia.

CONTINENTE E com relação a Alberto da Cunha Melo?
ARIANO SUASSUNA Relação pessoal muito boa! Mas, em relação à estética, eu acho que Alberto era mais da linha de João Cabral do que da minha. E fui amigo dos dois. Mas a minha poesia é bastante diferente da deles. A poesia de Cabral era muito diversa e não houve influência nenhuma do Movimento Armorial. Agora eu disse para ele uma coisa de que ele gostou muito, uma revelação da minha infância. Quando eu era menino, se você encontrava um morto, então tinha obrigação religiosa de promover o transporte do pessoal para um local sagrado. As pessoas que faziam o transporte do corpo ficavam gritando: “Chega, irmão das almas,/Não fui eu que matei, não”. Quando contei isso para João, ele ficou doido e se você ler Morte e vida severina tem essa frase. Se ler o meu Uma mulher vestida de sol, tem lá igualzinho.

CONTINENTE O que os poetas participantes do Movimento Armorial possuem em comum? Eles parecem ser muito diferentes entre si...
ARIANO SUASSUNA Se você ler com atenção, não são tão diferentes. Se ler a poesia de Janice Japiassu nessa época, ler O armorial caçador de nuvens, de Ângelo Monteiro, pelo próprio título já faz essa relação, e se ler Nordestinados... eu escrevi um pequeno ensaio e nele chamo a atenção para um poema no qual Janice segue um processo enumerativo. Accioly faz um muito parecido, enquanto Ângelo Monteiro tem poemas em forma de sextilha, que é uma forma usada pelos cantadores e pelos folhetos de cordel, e isso é um traço que coloca todos os três em harmonia com o Movimento Armorial.

CONTINENTE Todos beberam no romanceiro popular? Incluindo a poesia de Deborah Brennand?
ARIANO SUASSUNA Não, Deborah pertenceu ao Movimento Armorial, mas a semelhança é mais através da imagística, que é muito rica e muito forte. A poesia dela é mais aristocrática e de forma mais livre, enquanto que eu, Janice, Accioly, no Nordestinados, e Ângelo Monteiro, éramos mais ligados às formas da poesia popular.

CONTINENTE Como foi a aproximação de Raimundo Carrero no Armorial?
ARIANO SUASSUNA Ele começou a frequentar minha casa muito cedo. Era muito novo. Levou-me uma novela que tinha escrito, que me impressionou muito pela linguagem; eu não gostei muito da narrativa, mas vi que ele poderia ser um escritor. Havia essa diferença de idade, então passou a frequentar minha casa. Ele dizia, brincando, que chegava lá de nove da manhã e saía de nove da noite! Quando o Movimento Armorial estava em plena atuação, Carrero publicou Bernarda Soledade, que tem uma ligação muito forte com o movimento. No armorial, fazíamos muito isso: Maximiano Campos escreveu um romance chamado Sem lei, nem rei, e Capiba compôs uma música com o mesmo título para homenagear o romance. E eu escrevi um soneto a partir de Capiba e Maximiano. Então, na época do movimento, eu peguei um conto de Carrero, um conto muito forte e muito bonito, e fiz uma versificação dele. Hoje, seu romance vai por outro caminho, é mais urbano, experimental.

CONTINENTE Como foi a recepção do armorial pelos críticos?
ARIANO SUASSUNA A recepção foi boa. Do ponto de vista da relação da obra com a crítica, a arte armorial precedeu o Movimento Armorial. Então, o Auto da Compadecida pegou uma fortuna crítica ótima, logo que foi lançado no Rio e em São Paulo. O Auto da Compadecida era uma bandeira do armorial. Aqui em Pernambuco houve mais oposição em relação à Pedra do Reino e ao Movimento Armorial. Normalmente, para ter a aprovação aqui é preciso ter sucesso em outros estados. 

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