De acordo com o produtor de cinema e sócio da Carnaval Filmes, João Vieira Jr, é essencial entender que a razão pelo qual o setor audiovisual está recebendo esse incentivo é justamente porque o dinheiro vem dos impostos pagos pelo própio setor. Isso quer dizer que o dinheiro que está sendo investido na LPG se origina dos pagamentos realizados por produtoras e o setor do cinema como um todo, que estava afetado durante a pandemia da Covid-19.
"Esses recursos [da Lei Paulo Gustavo] estão vindo do Fundo Setorial do Audiovisual e por isso que nós recebemos a maior parte. O Fundo Setorial é formado por todo o setor e ele é administrado em parte pelo Governo Federal e em parte pela Sociedade Civíl. O FSA cria editais públicos onde os projetos são submetidos e avaliados, então isso é ofertado e até 2018, existia. No último governo a gente ficou impedido de fazer planejamentos e ai entra o Fundo Setorial, que ficou com dinheiro retido esses anos em que não houveram editais", explicou Vieira Jr.
Justamente pela falta de editais voltados ao setor audiovisual durante o governo Bolsonaro, o FSA acumulou dinheiro oriundo de impostos e com a chegada do novo governo e formulação da LPG, esse montante será utilizado como recurso para todo o setor cultural, apesar da ênfase no audiovisual.
A Lei Paulo Gustavo foi criada com o intuito de facilitar a aplicação direta ao setor e, consequentemente, simplificar o processo para artistas e fazedores de cultura do Brasil. A LPG deveria ter entrado em vigor ainda em 2022, como uma forma de diminuir o fosso dos efeitos negativos da pandemia de Covid-19 para uma área que foi “a primeira a parar e a última a voltar”, como a classe costuma reiterar. Porém, com o veto do então presidente Bolsonaro e as batalhas para recorrer a isso, só agora a lei passa a valer (entenda mais aqui).
Já a Lei Aldir Blanc 2 tem previsão de ser liberada no mês de agosto e destinará R$ 3 bilhões aos envolvidos com a cultura. Ambas as legislações emergenciais são incentivos necessários para aliviar o setor e sua manutenção – segundo dados recentes do Observatório Itaú Cultural, a área de economia da cultura e indústrias criativas representou, em 2020, 3,8% do PIB nacional. É um campo fundamental para o desenvolvimento socioeconômico do país.
PERNAMBUCO
Com distribuição de recursos a todos os estados brasileiros e Distrito Federal, a Lei Paulo Gustavo injetará verbas ao setor através de repasses a artistas e gestores culturais. Os interessados poderão concorrer a editais diversos que estão sendo desenvolvidos com base na demanda dos setores (ainda não há datas). Em Pernambuco, a Secretaria de Cultura do Estado segue até o dia 30 de maio com escutas e diálogos agendados com profissionais das áreas de música, design e moda, fotografia e artes visuais, literatura, gastronomia, cultura popular e patrimônio, teatro, dança, circo, artesanato, audiovisual, audiovisual – salas de cinema e periferia (acessar o Cultura.PE).
Com a fase de escutas concluída e as demandas devidamente estudadas, é dever do Estado e dos municípios construir um plano de ação para que os valores repassados do governo federal cheguem às mãos dos trabalhadores da cultura através de editais, concursos e premiações que devem ser realizados até o dia 31 de dezembro de 2023. No mesmo dia em que a Lei 195/2022 foi assinada pelo presidente Lula, na Bahia, a ministra Margareth Menezes ressaltou: “Todas as cidades do Brasil terão acesso a receber esse aporte de recursos, basta que os prefeitos e governadores entrem no link de acesso do MinC e inscrevam seu plano de ação”.
Pernambuco, atualmente, se encontra nas fases iniciais do processo de efetivação da LPG e segue agindo de forma a criar o seu plano de ações através não só das escutas com os produtores culturais e artistas, mas também das consultas com o Conselho Estadual de Cultura. Do total de R$ 185 milhões para o estado, o governo de Pernambuco administrará um valor de R$ 100,1 milhões, enquanto R$ 84,8 milhões serão distribuídos entre os municípios.
“Para que todo esse dinheiro venha para o Estado, a Secretaria de Cultura de Pernambuco está fazendo escutas com os gestores municipais, com a classe artística em geral, fazedores e produtores de cultura”, reiterou o secretário de cultura de Pernambuco, Silvério Pessoa, antes de completar: “Os municípios têm que estar sintonizados com a Secretaria de Cultura para receberem todas as informações e formação possível para direcionar esses recursos a toda a classe artística e suas linguagens”.
Segundo informações do secretário, no dia 29 de maio, uma oficina promovida pelo Ministério da Cultura em parceria com a Secretaria de Cultura vai ser realizada na cidade de Garanhuns, quando todos os detalhes sobre a LPG serão esclarecidos aos gestores municipais. A reunião tem a intenção de tirar dúvidas de todos os envolvidos e discutir o fomento que será distribuído e as etapas de elaboração do plano de trabalho.
Stephany Metódio, produtora cultural de Garanhuns-PE. Foto: Cristiane de Souza/Divulgação
De acordo com o secretário de Cultura do Recife, Ricardo Mello, “a Lei Paulo Gustavo simbolicamente representa essa retomada do fomento à cultura que se concretiza com a lei e se transforma em uma política pública que vai fomentar, apoiar, aproximar e dialogar com o setor cultural”. De acordo com o secretário, em 2023, a cidade do Recife investiu R$ 12 milhões no Sistema de Incentivo à Cultura (SIC) e com o aporte previsto de R$ 13 milhões para o município, por meio da Lei Paulo Gustavo, é como se a cidade tivesse o capital necessário para a realização de uma nova edição do programa, com as ressalvas ditadas pela lei, como a utilização de 70% do montante para a área audiovisual, como dito anteriormente.
“A gente está cada vez mais querendo e fazendo esse investimento na formação e no fomento, porque é a formação e o fomento que permitem a ativação da agenda cultural e esse fazer cultural realimenta as três frentes: fomento, formação e ativação, para que tenhamos uma produção cultural com toda a força. Com a Lei Paulo Gustavo, a Lei Aldir Blanc e as iniciativas locais, como o Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), a gente começa a fazer com que o período de dificuldade vá aos poucos se transformando em um período de muita produção”, afirma Ricardo Mello.
No final de abril, a Secretaria de Cultura do Recife realizou uma escuta virtual aberta, prevista na LPG, através do Conecta Recife, em que cerca de 400 trabalhadores da cultura contribuíram para o diálogo acerca da lei, além de um encontro presencial voltado ao audiovisual e outro, às demais linguagens artísticas. “A gente fez as escutas, estamos preparando um plano de trabalho, discutindo com o conselho. Pretendemos seguir com o audiovisual nas suas mais diversas categorias e, nas demais linguagens, pretendemos ampliar o alcance da lei depois dessas escutas”, antecipa o secretário municipal.
INTERIOR
Já os trabalhadores da cultura do interior do estado têm a expectativa de um fomento direcionado, capaz de sanar ao menos algumas disparidades enfrentadas no campo artístico em relação à capital.
Stephany Metódio é atriz, contadora de histórias e produtora cultural da cidade de Garanhuns, no agreste pernambucano. Parte da Rede Interiorana de Produtores, Técnicos e Artistas de Pernambuco (Ripa) e atuante como gestora e curadora cultural, Stephany deixa claro que a diferença de investimento e visibilidade em comparação aos projetos desenvolvidos no Recife é uma questão latente. “Primeiro, numa cidade do interior, a estrutura e os acessos são bem mais carentes, mesmo com o advento da tecnologia. Normalmente, nos âmbitos municipais, as gestões têm mais dificuldades de entender o funcionamento e a dinâmica da rede produtiva cultural, e esse pensamento se reflete na produção da própria rede”, explica Stephany. “É notória a grande diferença estrutural, a capital conta com mais equipamentos culturais públicos e privados, mais profissionais qualificados, porque, como há mais investimento, há mais demanda, mais acesso às tecnologias e, sobretudo, o acesso tanto à quantidade de projetos incentivados pelo governo, ou iniciativa privada, quanto ao valor de recursos que são destinados à capital”, diz.
Josivaldo Caboclo é mestre de maracatu e natural da cidade Lagoa do Carro. Foto: Mió TV/Divulgação
Apesar de extenso, o estado pernambucano não possui escritórios e órgãos da Secretaria de Cultura nas cidades do interior, o que torna o deslocamento necessário para qualquer tipo de diálogo ou ação do governo estadual, sediado no Recife, uma das dificuldades que demonstram a carência estrutural dos municípios do Litoral, da Zona da Mata, do Agreste e do Sertão, as macrorregiões de Pernambuco.
Outra questão é levantada por Josivaldo Caboclo, educador social, mestre cirandeiro, de maracatu e coco de roda, presidente da Associação Estadual das Cirandas de Pernambuco: “A capital detém as maiores emissoras de rádios e TVs, sendo que a programação dessas só contempla a cultura popular em datas festivas. O peso da notícia de violência é supra maior que das ações voltadas à cultura e à formação cultural”.
Nesse cenário de disparidade de acessos às políticas e aos bens culturais, tanto Stephany quanto Josival demonstram preocupação em relação ao aporte que será destinado às cidades interioranas, mas também mostram otimismo com a Lei Paulo Gustavo. “A LPG possibilitará a esse governo começar a implementar, de fato, a descentralização dos investimentos públicos na cultura, apesar de não ser a primeira vez que recursos federais para a cultura abrangem todos os estados e municípios. A diferença é que, desta vez, o procedimento será intermediado pelo Ministério da Cultura e com uma melhor participação dos agentes culturais na elaboração e construção. Dessa forma, o ente federal planeja e, como o nosso país ė continental, cada lugar tem suas nuances e necessidades. É um ato democrático e sensível fazer esses repasses através dos governos estaduais e municípios que são os entes de operacionalização e execução, que têm mais propriedade em relação às demandas de cada lugar”, analisa Stephany.
“A identidade cultural de cada município deve ser levada muito em conta e nortear as ações. A terra do maracatu precisa evidenciar tudo o que envolve a brincadeira, bem como a terra do mamulengo focar neste seguimento, a capital do coco focar na brincadeira do coco de roda e assim sucessivamente. Fomentar a cultura e garantir a aplicação da lei nos municípios fará toda diferença, isso irá garantir que, futuramente, vejamos os frutos. É preciso comprometimento de todos na formulação, aplicação e prestação de contas”, completa Caboclo.
LAURA MACHADO, jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.