Camaragibe, uma cultura para chamar de sua
Fora do eixo Recife-Olinda, cidade da Região Metropolitana do Recife trabalha para manter suas atividades culturais que crescem e precisam ser mais vistas e incentivadas em seu próprio território
TEXTO EDUARDO MONTENEGRO
FOTOS CHICO LUDERMIR E JONATHAN LIMA
19 de Março de 2018
Sambada da Laia, onde acontece o coco do mestre Zé Negão, no Canto das Memórias, em Camaragibe
Foto Chico Ludermir
[conteúdo exclusivo Continente Online]
Para achar o Canto das Memórias Mestre Zé Negão, basta perguntar a qualquer um na rua, em Camaragibe, sobre o Loteamento João Paulo II, ou “Onde fica o Projeto Negão?”. Prontamente, saberão guiar até o local no qual vive, resiste e ensina o mestre que dá nome ao espaço. Seu canto, sua casa, é singular em meio às outras: feita com barro, tijolo e madeira aparentes, sem rebocos, lembra as antigas construções sertanejas. Lá, está justamente o seu centro cultural, que faz o município da Região Metropolitana do Recife ser a única cidade brasileira – até onde se sabe – a ter um representante da manifestação, o chamado coco de senzala.
“A gente fez uma pesquisa aí, pra saber se tinha mais alguém trabalhando esse estilo, e a gente não encontrou”, registra o coquista, puxando uma batida única em seu bombo (veja vídeo abaixo). Ao receber a reportagem da Continente no local, Zé puxou uma cadeira e nos convidou para sentar. Com a postura curvada para frente, gesticulava com as mãos, enquanto seu único olho saudável entrava indissoluvelmente na conversa. O outro olho, cego, ele perdeu ao manipular os aditivos químicos utilizados na tinta da fábrica têxtil onde trabalhava, no bairro da Torre, antes de se mudar para Camaragibe. Ele nasceu José Manoel dos Santos em Goiana, na zona da mata norte pernambucana, e lá desenvolveu seu gosto pelo coco e pelas demais culturas de base africana, tornando-se mestre (saiba mais AQUI). Apesar de ser representante do raro coco de senzala, ele conhece os diversos estilos – de terreiro, de resposta, de chamego, de entoada.
Zé Negão na entrada do seu espaço em Camaragibe. Foto: Chico Ludermir
Integrantes do Laia acompanham os mestres Zé Negão e Antônio Ferreira, do Maracatu de Baque Solto Cruzeiro do Forte, na sambada de Camaragibe.
Foto: Chico Ludermir
Por tudo isso, Zé Negão representa uma Camaragibe que, nos (des)rumos da história política, cultural e social do município, ainda precisa ser desbravada culturalmente. Pode-se dizer que a terra dos camarás (tipo de arbusto da região, sendo a palavra uma herança dos indígenas que ali moravam) possui no mestre a personificação de um paradoxo: longa experiência com a cultura, mas de uma cultura que pouco se conhece, pouco se vê. Um dissenso que resvala no próprio estigma da cidade, em sua sina de dormitório, pouco atraente aos visitantes e aos moradores, de poucos lazeres e fazeres culturais, de arquitetura mal-planejada, onde “nada” acontece, “nada” se cria.
Mas não é bem assim. Algo parece estar mudando aos poucos. Para além da relevância do Canto das Memórias, que obviamente precisa ser desbravado, algo acontece atualmente no bairro da Vila da Fábrica, epicentro das atuais agitações culturais camaragibenses, promovidas não apenas pelos artistas, mas por agentes culturais e políticos que reconhecem a importância da Cultura para o desenvolvimento local – ao contrário do que vem acontecendo no Brasil hoje em dia. Por lá, é possível traçar um triângulo ligando o Cineteatro Bianor, a Fundação de Cultura e a Penarol Biblioteca Municipal de Camaragibe.
Essa história, contudo, não vem de hoje. Como o Recife, mas com suas particularidades, o processo de construção cultural de Camaragibe também remonta aos engenhos, com casarões coloniais e usinas, além de fábricas rodeadas por casebres e operários. Pensemos, pois, a Vila da Fábrica como um sítio histórico: diversos monumentos e construções próximas guardam a história do bairro e da cidade, como a própria fábrica de tecidos fundada por Carlos Alberto Menezes – ainda que, às vistas de toda a comunidade, um gigantesco shopping center se constrói no local da antiga fábrica, tomando uma grande área próxima ao Parque de Camaragibe, onde há também a casa de Maria Amazonas, das épocas do engenho. Um palacete que carrega lendas urbanas e mistérios dentro do imaginário da população local.
Cineteatro Bianor. Foto: Jonathan Lima
Fundação de Cultura de Camaragibe. Foto: Jonathan Lima
Penarol Biblioteca Municipal de Camaragibe. Foto: Jonathan Lima
Na região hoje conhecida como Vila da Fábrica, nomes como Bianor Mendonça Monteiro (1911-1991) foram importantes agitadores culturais durante as primeiras décadas dos anos 1900. Morou numa casa vizinha ao espaço onde funciona atualmente o cineteatro com seu nome e um dos pontos mais importantes para o empoderamento da cultura camaragibense e a formação de indivíduos culturais. Há, não por acaso, um paralelo entre o Bianor homem e o Bianor prédio: enquanto nos anos 1930 ele agitava a comunidade com peças teatrais, a exemplo de O jornalista, hoje o “seu” cineteatro luta em sua missão de movimentar a vida dos moradores e formá-los em Teatro, Música e Cinema. Em 2017, por exemplo, Camaragibe recebeu o Festival Varilux, além do Animage, com exibição de filmes no local. Nas artes cênicas, foi realizado, no espaço, o Palco Preto, além do do I Encontro de Artes Cênicas de Camaragibe.
Ponto de resistência, a Vila da Fábrica reúne engrenagens – outrora paradas, sucateadas – que, na tentativa de se reerguerem, pelejam para fazer funcionar e realçar a cultura na cidade. Entre outras palavras, é o cerne da política cultural, enquanto que os artistas se espalham pelos 55 mil quilômetros quadrados do município, entre os 155 mil habitantes locais.
“No primeiro ano, focamos em revitalizar os espaços. A biblioteca sem funcionar, somente num expediente, sem bibliotecária. Conseguimos uma concursada, que é uma pessoa empolgada, além de notório saber em seu ofício. Tem um acervo muito bom e, nesse sentido, temos projetos para ampliá-lo com áreas carentes no Brasil todo, como artes plásticas, cinema, criar bons acervos disso”, conta o presidente da Fundação de Cultura de Camaragibe, Olímpio Costa, também cineasta (O ex-mágico, 2016). A nova gestão municipal assumiu em 2017. “Esse foi nosso primeiro ano, porque um dos pontos centrais dessa política é oferecer ao cidadão de Camaragibe possibilidades. Quando a você é negado o direito de assistir a uma boa peça, filme, exposição, é como se tivesse negando alimento”, defende o gestor.
I Encontro de Artes Cênicas de Camaragibe em 2017. Foto: Josivan Rodrigues/Divulgação
Outros locais da cidade, por sua vez, encontram-se em ruínas. É o caso da estação ferroviária – construída simultaneamente à fábrica, no final do século XIX –, que ligou Camaragibe ao Sítio dos Pintos e a Limoeiro. Existe um projeto em desenvolvimento de revitalização da antiga estação de trem para transformá-la em um centro cultural, com miniauditórios, espaços para exposições e uma extensão da Biblioteca Municipal. Algo que seria voltado, segundo Olímpio, para a própria população de baixa renda que habita ao redor da velha estação, no bairro Alberto Maia. O projeto, segundo ele, está bem adiantado com o Iphan, mas “na burocracia”.
Saindo da esfera política, e penetrando em um pequeno relato pessoal deste que vos escreve, camaragibense desde a tenra idade, vale dizer que, de fato, Camaragibe permaneceu numa névoa obscura por muito tempo: algo reconhecido tanto pela gestão quanto pelos artistas e, certamente, pela sociedade civil de uma forma geral. A tranquilidade das ruas, a aura interiorana, um tanto conservadora, podem fazer da terra dos camarás um lugar para “tiração de onda” mesmo. “Camaragibe só tem terrorista”, canta um brega que já foi conhecido. Em outras palavras, algo sem valor.
“O problema de Camaragibe é que as pessoas vão ao Recife. Não temos ações efetivas aqui para o audiovisual. Começamos com a Periférica, com o Varilux, aí a casadinha fez com que o público chegasse, enxergasse esse espaço, vendo que aqui existe a possibilidade”, diz Carlos Kamara, cineasta e diretor do curta-metragem Sob o delírio de agosto, vencedor na categoria de Melhor Curta dos Sertões, pelo júri popular, no Festival de Cinema de Triunfo ano passado. Embora sua terra natal seja o Sertão, Orobó especificamente, hoje vive em Camaragibe com sua família, no bairro Santa Mônica.
Estação ferroviária de Camaragibe em ruínas. Foto: Josivan Rodrigues/Divulgação
CINEMA E FORMAÇÃO
Mesmo carente de produção cinematográfica, vez ou outra Camaragibe serve de locação aos filmes. O próprio Carlos Kamara filmou alguns curtas no bairro de Tabatinga, utilizando atores da própria cidade. A preocupação do cineasta, no entanto, não é somente fazer com que o município seja visto nas telas, mas também formar e educar moradores para que, futuramente, se tornem roteiristas, realizadores, diretores etc.
Para isso, é preciso formar o próprio público nas artes; em outras palavras, adubar um senso crítico a respeito dos temas que circundam a contemporaneidade. “Pensamos em oficinas com Amanda Ramos que dialogue com o público daqui, que tenha interesse do povo do subúrbio. Um dos objetivos da Periférica é esse, é uma curadoria preocupada em trazer filmes que tenham diálogos com a periferia, trazendo também temáticas para fazê-los pensar, exercitar a cidadania. É um papel político-formador”, explica o cineasta.
A mostra Periférica aconteceu no cineteatro em agosto de 2017, durante dois finais de semana, com curadoria focada justamente na formação. Filmes como Martírio (2017), de Vincent Carelli, foram exibidos para o povo e devido às festividades de fim de ano, e também ao Carnaval, a mostra entrou em recesso, mas a ideia é realizá-la periodicamente. “É bom entender que a Periférica, como mostra, não é o estrangeiro ver Camaragibe como uma periferia, ou mais uma, mas buscar a periferia que nasce do conhecimento de cada um. Surge no setorial de audiovisual [do Conselho Municipal de Cultura], que foi uma luta muito grande para que o teatro se conformasse a ser um cineteatro”, comenta o ator e membro do conselho Ângelo Fábio, também diretor do cineteatro, ao lado de Carlos, no pequeno escritório perto da sala de projeção do local. Aqui, ele se refere às pessoas ligadas ao teatro que queriam manter o nome Teatro Bianor Mendonça Monteiro, já que, antigamente, o mesmo local era conhecido como Teatro Camará.
Visão interna e atual do Cineatro Bianor. Foto: Chico Ludermir
Nada parece ser mais camaragibense, por experiência de quem mora na cidade, do que transformar espaços assim em local de velório ou, como já aconteceu, em salão de festa de 15 anos, mesmo com os sucateamentos e os furtos das instalações do cineteatro. Tanto que o processo de ressurreição do equipamento cultural foi feito – segundo o gestor Olímpio Costa – com “gambiarras”, pedindo emprestado a luz do vizinho, funcionando sem ar, sem bomba de água, tudo devido aos furtos que o local sofreu nos anos desativados.
Com a ocupação do espaço pelos artistas junto à Fundação de Cultura da cidade, o segmento audiovisual é um dos que tem ganhado força em estrutura e investimento. “Quando a gente começa a valorizar o que é nosso e a fazer aqui, aumenta-se o pertencimento do cidadão com sua cidade, com o lugar que você mora. Pra mim, o que me faz atuar é pensar nisso, é tentar lembrar, reafirmar essas pessoas, o quanto nossa cidade é importante e é linda; de se sentir bem em estar aqui, de ter a cultura e a história que temos”, defende Klarissa Faye, de 19 anos, aluna de Dança na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Klarissa Faye no Cineteatro Bianor. Foto/Colagem: Chico Ludermir
DANÇA, PERFORMANCE
Moradora de Camaragibe, Klarissa sempre procura se engajar nas reuniões mensais do Conselho Municipal de Cultura (abertas para quem quiser participar e colaborar), algo que, para ela, é importantíssimo no despertar da consciência cidadã e política, estimulando o pensamento crítico através da arte, da cultura e das trocas. Durante o período de férias escolares, ela ministrou aulas de dança no Alto da Boa Vista, bairro vizinho à Vila da Fábrica e próximo à capelinha em forma de barco. Faz disso uma oportunidade de formação. “Como a gente sabe, Camaragibe tem uma história muito bonita, de luta e resistência. Eu penso que a gente pode formar pessoas políticas, que saibam reconhecer de onde elas vêm, reconhecer sua história, seus direitos; reconhecer e entender sua identidade. Essa formação vai para todos os quesitos, educação, saúde, cultura”, reforça a dançarina.
A dançarina Klarissa Faye. Foto: Jonathan Lima
O segmento da Dança surge, aliás, como uma das colunas que ornamentam o panteão cultural de Camaragibe, entre as suas diferentes expressões. Dança popular, swingueira, forró, de tudo um pouco encontramos na cidade, a depender da época do ano. A cultura de quadrilha junina, por exemplo, é uma das mais presentes. Mesmo em períodos fora das festividades de São João, não é raro encontrar ônibus estacionados na avenida principal descarregando dançarinos das quadrilhas, muitas vezes ainda vestidos com suas roupas de lantejoulas, vestidos fartos e alegria expressa nos seus olhares, conversas e afetos. Também são vistos regularmente andando pela rua carregando suas vestes na mão, a caminho do Clube Estrela para ensaiar.
“Desde muito pequena, participo de grupo de dança na cidade, swingueira, forró, aulas de teatro, já participei de banda e fanfarras da cidade, mas, recentemente, as últimas apresentações que eu fiz aqui foi no Encontro de Artes Cênicas, no Palco Preto, e aí a gente fez junto com Mario Mirando, chamado Suco de Pregos”, conta Klarissa. A performance surgiu da inquietação ao corpo negro e seus desdobramentos, pensando sobre como é ser negro em suas demandas, até mesmo para ser artista, segundo conta a universitária. “Foi muito significativo, porque foi um ano em que vimos as primeiras atividades de ocupação mesmo”.
A dançarina Klarissa Faye. Foto: Jonathan Lima
A performance também encontra seu lugar em Karolina Pacheco, outra moradora de Santa Mônica. Jornalista e artista, trabalhando na comunicação da Fundação de Cultura, seus codinomes mudam mensalmente, de acordo com que lhe vier à mente. Hoje, no Facebook, chama-se Dara Voltaporcima, enquanto em outros meses, atendia por Rosa Selvagem. Acredita que seus nomes fictícios falam mais dela do que seu nome oficial. Suas performances, por sua vez, estão ligadas ao audiovisual – segmento que também trabalha como roteirista (a série de animação Bia desenha, Carnaval Filmes, com direção de Neco Tabosa) –, sendo uma experiência diferente da performance.
Com uma câmera, explorava seu corpo negro de mulher, questionando em que contexto sexual é visto, pensando ou negligenciado. Inspirou-se na sua experiência no Museu do Sexo das Putas, em Minas Gerais, que reuniu artistas do Brasil para viverem em um puteiro. “Tudo o que retrato na performance está ligado a tudo que vi, tudo que eu vivo aqui, porque cresci aqui, porque me constituí mulher aqui em Camaragibe. Aí eu pensava: 'Pô, é totalmente mais fácil fazer num local descontextualizado, porque tem essas questões morais ali; eu fazer essa performance na minha rua, num contexto mais tradicional e conservador, é outra coisa'. Eu sempre me perguntava quando faria algo em Camaragibe”, diz Karol.
A performance de Karol Pacheco. Fotos: Montagem/Divulgação
Eis que chegou a oportunidade. Ela também participou do Palco Negro, seguindo a mesma linha de trabalho com o corpo, mas não trabalhando a performance que realizou enquanto esteve na experiência de Minas Gerais. Na sala de projeção do cineteatro, colocou uma câmera em si e em Guilherme, artista trans, enquanto um projetor mostrava ao público sentado o que acontecia na sala. Ela conta que isso gerou um burburinho, porque viram o que ela fizera em Minas. Segundo ela, Camaragibe tem uma aura “bastante conservadora, de alma sertaneja, colonial”.
OUTROS CARNAVAIS
A terra dos camarás é uma cidade abarrotada. Sua avenida principal, a Av. Doutor Belmino Correia, de dia é tão movimentada e lotada quanto a Av. Conde da Boa Vista, no centro do Recife. À noite, no entanto, o fluxo baixa, enquanto as ruas paralelas silenciam, vazias como um deserto, exceto pelos vizinhos que (ainda) se sentam à calçada para conversar. A calmaria ensurdecedora, o vazio, lembram o interior, não uma área metropolitana, a despeito das concentrações urbanas e da violência crescente – também visível no Agreste ou no Sertão do estado. O aspecto religioso é outro ponto palpável: vemos igrejas protestantes a cada esquina, muitas vezes uma ao lado da outra. É esse mesmo aspecto que parece eleger vereadores e prefeitos, mesmo sendo algo comum a outro locais, sobretudo periféricos, como é o caso de Camaragibe.
“Espero que daqui a alguns anos, eu possa ver pessoas que tenham uma identidade muito formada e diretamente ligada ao lugar que você vive. Quanto mais estivermos afirmados nisso, mais a gente pode lutar pelos nossos direitos, pelo nosso espaço e pela nossa história”, afirma Klarissa, referindo-se, nesse caso, ao Camará Shopping na área da fábrica.
A busca pela identidade. Novamente a palavra-chave da peleja da cultura em Pernambuco. Nos dias de Momo, quando Camaragibe coloriu-se de glitter e outros brilhos, a cultura popular foi celebrada e cortejada como uma das grandes homenageadas, embora sofra no restante do ano, como acontece com as nossas manifestações. A Federação das Agremiações Carnavalescas de Camaragibe (Facc) elegeu, este ano, os Caboclinhos Tapuias Camarás, de 1978. São herdeiros do grupo Caboclinhos Tabajaras (fundado dez anos antes), do cacique Luna. “Quando chega essa época de Carnaval, eu não tenho mais nenhum sossego, nem durmo, nem consigo me alimentar direito. Mas eu tenho que continuar o legado de meu pai”, conta Sílvio Romero Luiz de Lima, filho do cacique. De jeito simples, religioso, sua vontade e entrega à agremiação se dão não somente pelas palavras. Ele mesmo borda e costura parte das fantasias de seus caboclinhos. Por problemas pessoais, não conseguiu desfilar durante os quatro dias de festas este ano.
Outro ponto importante desse Carnaval foi, além da valorização da cultura popular, trazer o “mundo” para dentro de Camaragibe, inserindo-a no circuito cultural fora do eixo Recife-Olinda. Isso aconteceu, por exemplo, por meio de uma parceria com o Festival Rec-Beat, que atrações do Cais da Alfândega da programação 2017 para se apresentaram nas proximidades do Engenho Camaragibe, o palacete de Maria Amazonas, no parque da cidade. A cantora Xênia França (BA/SP) foi uma das convidadas.
O grupo Caboclinhos Tapuias Camarás foi homenageado no Carnaval 2017 de Camaragibe.
Foto: Josivan Rodrigues/Divulgação
Eis que, no entanto, as festividades terminaram, os glitters, as maquiagens e as fantasias foram guardados. Os desafios para a Cultura, no ano que se segue, continuam em pauta. Todas as primeiras quartas-feiras do mês, nas reuniões ordinárias do Conselho Municipal de Camaragibe, eles são postos pelos membros, divididos entre conselheiros da gestão pública e sociedade civil.
Um dos conselheiros, Mauro Sérgio Silva tem 33 dos seus 42 anos de idade dedicados à política cultural da cidade, atuando como agente cultural. Cadeirante, procura verberar para o futuro o intercâmbio entre cultura e inclusão. “Venho de cultura popular de rua, escola de samba, urso, caboclinho, sou mestre de maracatu, fiz turma de maracatu. Tirei alunos da droga com as aulas”, diz Mauro. “Sou de uma época que Camaragibe era a cidade dos caboclinhos, dos ursos, mas por conta da política atravessada que houve aqui, perdemos a identidade”, lembra o discípulo de Maureliano Ribeiro, “um dos maiores artesãos de instrumento musical dentro e fora do estado de Pernambuco”. Com ele, Mauro passou 10 anos, também trabalhando em fábricas de instrumento musical. Trocou, porém, a confecção de instrumentos pela carpintaria de móveis que cria em seu próprio ateliê.
Sua peleja pessoal é abrir oportunidades para que deficientes possam tocar, ser mestres de maracatu, participarem não somente como público da cultura, mas serem também artistas. Fica feliz quando olha para a televisão e vê um cadeirante, ou qualquer outro deficiente, tocando e se apresentando. “Hoje existe um critério no(s) edital(is) daqui, que para tocar aqui, tem que ter, pelo menos, uma pessoa com deficiência”, comenta.
“Na cultura da cidade, o que poderíamos melhorar era o fomento à educação e formação do público, novamente sobre a identidade, formar e relembrar a identidade dos camaragibenses”, ratifica Klarissa. E completa: “Agora a gente consegue falar que é de Camaragibe. A gente sempre falou que era de Recife, pra facilitar o conhecimento. É pouco, falar que é daqui, mas é significativo. Eu acho que é um caminho longo, a longo prazo, mas é possível sim”.
EDUARDO MONTENEGRO é estudante de Jornalismo da Unicap, estagiário da Continente e morador de Camaragibe.