Entrevista

“Boogarins é isso, uma banda de gravação”

Depois de uma turnê internacional, Boogarins retorna ao Recife. Em entrevista à Continente, Benke Ferraz fala sobre os bastidores do novo e quarto álbum.

TEXTO THAÍS SCHIO

04 de Outubro de 2019

Ynaiã Benthroldo, Fernando “Dinho” Almeida, Raphael Vaz Costa e Benke Ferraz, integrantes da banda goiana

Ynaiã Benthroldo, Fernando “Dinho” Almeida, Raphael Vaz Costa e Benke Ferraz, integrantes da banda goiana

Foto Rodrigo Zan/Divulgação

Se você descarta seus rascunhos, comece a repensar. As ideias tortas, quase abstratas, vão muito além de conceitos fechados. Elas traduzem as infindas possibilidades de criar sentidos e experiências sempre tão singulares e individuais. Na música, o processo é similar e, talvez, esse seja o segredo do “rock progressista” ou “shitty jazz” de Boogarins. Para a banda goiana, o que pode soar desleixado é, na verdade, a preservação das primeiras ideias, ou seja, dos impulsos genuínos durante a concepção musical, em uma espécie de livre associação. Assim, a partir de sons ou palavras, quando a banda goiana “joga as ideias no ar” acaba criando paisagens sonoras nas quais o público é capaz de protagonizar as próprias narrativas.

Quando começaram, há seis anos, Boogarins não imaginava a proporção que suas gravações caseiras tomariam. De lá para cá, os integrantes Fernando “Dinho” Almeida (voz e guitarra), Benke Ferraz (guitarra e sintetizadores), Raphael Vaz Costa (baixo) e o mais recente membro Ynaiã Benthroldo (bateria) já lançaram quatro álbuns e realizaram longas turnês na América do Norte e Europa. Em seu novo disco Sombrou dúvida (2019), o grupo constrói diversas camadas sonoras, acompanhadas por distorções que conversam bem com a estética da capa, assinada por Beatriz Perini, dando continuidade a atmosfera existencialista de Lá vem a morte (2017), mas resgatando uma sonoridade mais experimental, como a do álbum de estreia As Plantas que Curam (2013), e mais limpa, como em Manual (2015).

Produzido por Benke Ferraz e o americano Gordon Zacharias, o álbum começou a ser concebido em 2017. Por causa da extensa rotina de shows, foi gravado de forma segmentada, mas quase todas as músicas surgiram em um estúdio de Austin, no Texas, enquanto produziam Lá vem a morte. Em entrevista à Continente, Benke conta sobre o fluxo de consciência impregnado no processo de criação de Sombrou dúvida. Além disso, compartilha suas impressões sobre o Recife, comenta a crítica publicada pelo The New York Times e revela as inspirações e experiências vividas com a banda.


Capa do disco Sombrou Dúvida. Imagem: Reprodução

CONTINENTE Primeiramente, como é estar no Recife?
BENKE FERRAZ Para mim, é maravilhoso, sou o único integrante da banda nascido em Goiânia mesmo. Então ver a praia era um lance que acontecia de dois em dois anos, naquela coisa de grande viagem em família. Agora estar aqui e poder ter esse tipo de convivência... Também por Recife ser uma cidade muito mais antiga. Goiânia além de estar no centro do país, é uma cidade de interior com cerca de 80 anos de idade. É outro Brasil, totalmente diferente. Aqui há outro tipo de envolvimento com a cidade, com a cultura popular, com o que é a cultura popular de verdade e o que foi totalmente colonizado. Esse tipo de questionamento não rola tanto lá em Goiânia, essas problematizações relacionadas ao Brasil. Não existem prédios com 300 anos de idade, repletos de cargas – cargas energéticas tanto do lado bom quanto do lado ruim. Então, é massa estar aqui e ver um tipo de diálogo entre várias linguagens de arte, pessoas do cinema, da performance, da pintura e da música. Para mim, que vim de uma cidade pequena em todos os sentidos, tanto de história, quanto de produção cultural, parece ser uma cidade grande. Quando a banda vem pra cá, se sente parte.

CONTINENTE Sobre o álbum novo, por que Sombrou Dúvida?
BENKE (Risos) Para a gente, os conceitos e nomes partem quase sempre de momentos de fluxo inconsciente, sabe? Durante os improvisos, com o Dinho criando as letras na hora, num freestyle do nosso jeito, sem ser o mesmo do rap. É uma coisa de inventar uma melodia que se encaixa com as palavras, depois analisar e dar um sentido para aquilo. Esse nome veio de um improviso com mais de três horas gravadas. Nele, o Dinho começou a falar “sombra ou dúvida”, isso na época do Lá vem a morte, e ficou na cabeça. Mas tudo nosso não tem muito porquê ou “o que é”. Inventamos significados e escolhemos coisas ao acaso, sempre com muito carinho, porque a gente tá amarrando todas as canções. Tem música que fica de fora por não entrar no conceito que decidimos ser o do disco. O conceito de Sombrou dúvida trata da sombra como a zona de conforto, que mantém você estagnado, e a dúvida, que não é legal, mas que faz você se mexer, se mover. A gente gosta desse tipo de provocação. E fazer esse jogo de palavras vem muito do lance de instigar esse novo escrever, essa nova gramática, até pelo fato de a gente ter um apelo internacional também. As pessoas, às vezes, já tem que traduzir o disco, então que seja algo que não existe.

CONTINENTE Sombrou dúvida, assim como os outros álbuns, traduzem o momento em que a banda se encontra. Para você, qual seria o momento que vocês viveram que repercutiu na produção desse trabalho?
BENKE A gravação do Lá vem a morte. Foi um momento em que a gente ficou um mês e meio reunido em uma casa, meio que morando juntos pra fazer o disco. Como o processo do Lá vem a morte foi algo que fizemos basicamente sozinhos, ele foi chamado de EP, mas acabou se tornando um disco. Passamos quase dois anos em turnê com ele. Disso, a gente pensou em trabalhar com um engenheiro de som, mas que a gente tivesse confiança para não afetar nossa produção, que ajudasse a chegar em um som mais rico, sem deixar a coisa numa zona de conforto sonora. Então, Sombrou dúvida é um disco mais pesado, porque tem as performances de bateria do Ynaiã mais próximas do ao vivo, com mais detalhes. A voz do Dinho está bem clara em boa parte das músicas. E como os temas das músicas vem do fluxo do Lá Vem a Morte, então são discos mais nebulosos, mais sombrios do que os anteriores. É muito de um momento em que a gente está ficando mais velho e o tipo de introspecção é menos bonito, menos inocente. Também do que vem acontecendo no Brasil e lá fora, e como nos enxergamos no meio de tudo isso. Não dá pra se isolar, por mais que Boogarins não seja uma banda que se vale de lutas para fora das próprias. Óbvio que a gente não quer ficar falando “nosso disco é político”, porque não é. Tem muita gente falando de um jeito mais emblemático e relevante do que poderíamos tentar falar com nossas abstrações e coisas tão pessoais. A gente deixa esse tipo de rótulo pra quem está fazendo isso com propriedade. É, de fato, uma mistura de tudo mesmo; o momento que influencia a criação é o nosso momento enquanto ser humano.


Benke Ferraz durante festival em Portugal. Imagem: Rita Carmo/Reprodução

CONTINENTE Só Dinho compõe as letras?
BENKE Basicamente, sim. Como o Dinho é a figura mais sensível, aberta paras as coisas que vêm de fora, baixa uns espíritos nele, uns trem… E as letras simplesmente vêm. A gente só senta e começa a tocar, daí ele entra com melodia e letra, sendo o fio condutor dessas ideias. Mas todo mundo se vê parte desse processo. A gente não assina as músicas, o conteúdo vem do sentimento criado em conjunto, da paisagem sonora feita a partir do encontro dos quatro. O disco mais dividido foi As plantas que curam, porque foi um processo de gravar músicas que compomos durante todo o colegial juntos. Nesse mais recente disco, Tardança é do Raphael, uma música de outra banda nossa que a gente aproveitou para o Boogarins.

CONTINENTE Então esse é o processo criativo de vocês, o fluxo de consciência?
BENKE Sim. Se você acompanhar, por exemplo, a revista e o filme, feitos pela Void, são um registro disso. A gente foi para uma casa com eles, por cinco dias, só para improvisar e criar algo. Disso, saiu uma hora de música totalmente nova que a gente colocou no Bandcamp e também um vídeo para o Youtube. Lógico que tem canções mais demoradas e outras mais rápidas, resultado desse fluxo de improviso que, às vezes, é só para preservar aquela energia. Muito do nosso processo tem a ver com isso. Quando a gente usa gravação de celular, por exemplo, é para tentar manter a energia original das coisas para o público. É manter o genuíno do lance. A gente tenta preservar aquele momento de criação, desleixado, tanto na composição, usando essas ideias originais - essas primeiras ideias – quanto na produção.

CONTINENTE Preservar um sentimento, né?
BENKE Sim, exato. Passar essa crueza, essa coisa meio punk até. Por mais que nossa música soe meio etérea e espacial, o que deixa especial é essa verdade passada. Porque, às vezes, é isso: você não está entendendo a letra de primeira, não tá entendendo direito o que está sendo tocado ali, mas te toca muito. Boogarins é isso, uma banda de gravação. Começou assim e, apesar de o show ser considerado melhor por muitas pessoas, ele só continua possível porque a gente leva o estúdio como uma coisa totalmente específica, a gente não está tentando construir uma música que seja igual ao vivo. Ela tem que ser especial dentro desse contexto, paras as pessoas ouvirem e sentirem algo específico.

CONTINENTE O The New York Times publicou uma crítica sobre vocês. Eles disseram: “Existe uma tradição brasileira de rock psicodélico, com certeza. Mas a Boogarins não é uma banda fazendo um trabalho de homenagem”. Na época, como vocês receberem isso?
BENKE Essas aspas são positivas, mas o resumo final é uma crítica ao show. Lembro de conversar com a Aninha [Garcia, produtora e idealizadora do Festival No Ar Coquetel Molotov e namorada de Benke] e ficar chateado, porque não era totalmente positiva. Mas a gente não tá nem em 1% do conhecimento do público geral. É uma coisa engraçada esse peso de ser um lançamento que vai para fora, e o pessoal tem que arranjar rótulos para identificar com algo do qual eles já falaram antes. É o tipo de coisa dessa elite intelectual em que a gente se mete quando faz rock ou música independente, é um nicho elitista, querendo ou não, mas a gente tenta fazer música pop mesmo, apesar de ter uma energia original de imersão. A gente nunca pensou em Tropicália enquanto estava produzindo, nem no começo. Gostamos dos Mutantes, mas não escutamos como inspiração. Era muito mais uma coisa guiada pelo rock gaúcho de bandas como Cachorro Grande e Júpiter Maçã, sabe? Eu cheguei a conversar com o jornalista que falou isso. No ano passado, na Holanda, ele entrevistou eu e o Negro Leo. Ele entende que não tem nada a ver, por mais que esteja falando de Tropicália e Tom Zé, mas a manchete precisa vender também. O bom foi que ele conseguiu frisar que o Boogarins não está fazendo homenagem a nada, e, se tivesse, não seria à Tropicália, somos mais punk, mais rock de guitarra suja.




CONTINENTE Você consegue pensar em alguns nomes, bandas, que vocês escutavam e admiravam?
BENKE De verdade, nessa época, era Júpiter Maçã, um cara do Rio Grande do Sul que foi expoente do psicodélico dos anos 2000, mas que também explorou vários lados, a música eletrônica, a Bossa Nova gravada dentro do quarto, em inglês, de todo jeito. Essa energia é muito mais a nossa do que qualquer outra coisa. Em Sombrou dúvida’tem uma coisa bem My bloody valentine, algo que a gente escuta mesmo, mas nunca tínhamos colocado nos discos. O próprio Nirvana é mais próximo do que Tom Zé ou Mutantes. Essas figuras, dos anos 1990 pra cá, que exploraram meios de gravação toscos e sujos tiveram mais influência do que a galera genial, dos anos 1960, que fazia música na fita, uma doideira concreta e inovadora. No nosso caso, a gente chegou numa época em que nosso som soava esquisito porque a gente não sabia gravar no computador, mas, ainda assim, era um computador, uma ferramenta que é infinita, não tem limitação, a limitação é você.

CONTINENTE O que inspira Boogarins?
BENKE Até o momento, tem sido tudo muito inspirador e numa evolução muito constante. Boogarins se inspira mutuamente. É por isso que a gente consegue criar música do nada. As pessoas podem até enxergar influências específicas em sons, por causa de um sintetizador específico ou porque tem uma bateria eletrônica ou porque a voz do Dinho é aguda, sabe? Dá pra achar referências, mas faz tempo que a gente não soa pensando em algo, é sempre muito a criação dos quatro juntos. Na essência, a gente se inspira, e isso tem sido um trabalho diário. Em turnê, é um trabalho intensivo de construção de carreira e sonoridade. E quando a gente pensa que tá ficando cansado ou de saco cheio de fazer longas viagens, pensando se isso vai reverter em algum dinheiro ou reconhecimento, a gente se vê, de repente, fazendo música, inventando nome de um disco porque tava fazendo uma jam com os amigos. Isso, pra gente que sempre foi fã de música, é o sentimento mais recompensador e dá uma segurança de que todo esse lance externo (de reconhecimento) tem seu tempo. Fazemos música do nosso jeito, a gente não tá seguindo a vontade de ninguém. Tão importante quanto isso é poder voltar, por exemplo, à Bruxelas, encontrar o Hans Castro, nosso primeiro batera, e ficar na casa dele por vários dias, junto com as filhinhas dele que agora estão completando a idade que a banda tem. Então tudo que envolve o Boogarins sempre foi muito leve e, por isso, a gente nunca teve bloqueio criativo. Acho que a partir do momento que a gente ficar muito noiado em fazer dinheiro, em fazer a música certa, em fazer parceria com aquela pessoa que tá fazendo sucesso, a gente entra num caminho ruim.

CONTINENTE Durante a trajetória, o que você mais aprendeu?
BENKE Não necessariamente por causa da banda, mas tudo que envolve cuidar mais da saúde, praticar exercícios físicos, não tomar muita cerveja, a banda já teve que aprender. Porque chegou a um ponto que tava todo mundo lascado. Já tive que cantar Falsa folha de rosto, no KEXP, uma música que Dinho canta no disco, porque ele tava sem voz. Fora isso, é se cuidar, cuidar de quem tá perto, ter uma comunicação direta e verdadeira. Quando você entra no circuito das bandas maiores, pode acontecer de entrar em um meio em que a parte artística pode ser tão grande quanto o ego. Só que quando a gente se enxerga nesse nicho específico, que a gente está tentando sair, a gente aprende a se colocar no nosso lugar, não querer valer mais do que pesa.

CONTINENTE Como vocês se blindam?
BENKE Acho que é uma soma de personalidades. O humor do Raphael, que sempre faz a gente rir. O Ynaiã, que sempre faz a gente se destacar no meio de qualquer coisa, porque é um dos melhores bateristas com quem já toquei. Eu sendo uma figura que tira o melhor das situações, numa ética meio cristã até, porque fui criado em Igreja com minha mãe, mas de um jeito menos hipócrita que a maioria. Tenho até uma vergonha de me expor, de ser o central das coisas. Consigo trabalhar melhor levantando os outros. Dinho e Ynaiã são mais performers, já eu e o Rapha somos pessoas mais calculistas mesmo. Tudo isso vem de família, querendo ou não. É uma doideira, não tem como medir como a gente se blinda. O que importa mesmo, no final do dia, é o que você tá fazendo, se tem alguém te reconhecendo na rua mesmo, não a partir do Lollapalooza ou Rock in Rio. Se o público não tá feliz ou qualquer outra pessoa não tá feliz, significa que algo está errado.


Imagem: Pedro Margherito/Divulgação

CONTINENTE Eu peguei alguns trechos de músicas para fazer perguntas. Tem um trecho: “Existe um desgaste do novo/ Se repete e dá nojo/ E disso você não quer ver/ Existe um deslumbre dos bobos/ Fajuto e grandioso/ E isso já engole você”. Vocês repetem essa estrofe em duas músicas. Por quê?
BENKE Muito por conta do que te expliquei, o acaso mesmo. Essa estrofe surgiu primeiro em Invenção, uma música que a gente soltou depois, mas ela apareceu primeiro na faixa Sombra ou dúvida, a última gravada do disco, e só foi chamada assim porque não tinha nome e, como o nome do disco era Sombrou dúvida, acaba completando mesmo. A Sombra ou dúvida tem uma levada gostosa, quase um rap, um dub, que dá abertura para esses fluxos de flow mais engatados. Como a gente tinha esse verso de Invenção, que eu chamava de um rap da música, eu falei: “vamo meter essa parada aí”. Rolou, encaixou bem, mas a princípio o Dinho disse: “cara, não vai ficar repetitivo? As músicas já são meio na sequência”. Mas, por mim, é uma ideia tão boa falar do desgaste do novo, do quanto as pessoas querem novidade, porém não estão abertas de verdade.

CONTINENTE E fica até irônico, né?
BENKE Sim! Muda de sentido de uma música para outra. Uma fala de desconfiar dos hábitos e a outra fala sobre a criação, a invenção, de um jeito poético.

CONTINENTE Surgiu um debate ao redor do significado de Tardança, você consegue dizer qual é?
BENKE De verdade, eu não sei. O Raphael é muito abstrato. É um David Lynch da vida (risos). Ele estudou psicologia, então é muito sobre psicanálise, tem a ver com as coisas que estão no seu subconsciente, as vontades. Mas é tudo trocadilho também, acho que, no final das contas, tem a ver com uma dança tardia, algo que não aconteceu, mas que ele queria que acontecesse e só depois percebe que não queria tanto assim, sempre naquela de “e se tivesse acontecido”.

CONTINENTE Vocês têm uma preocupação em se comunicar através de linguagens diversas, como foi no minidoc, na trilha de filme, workshops e tantos outros. De onde vem essa preocupação?
BENKE Vem muito dessa minha angústia de achar que é preciso fazer mais coisas para chegar em mais gente. Mas também vem de enxergar o quanto a música, por si só, já inspira os outros. E quando penso no nosso processo, tão simples, algo que às vezes as pessoas complicam tanto pra chegar no produto final, dá vontade de abrir pra galera, fazer uma oficina de gravação com celular, por exemplo. Esse disco do lance da Void é totalmente experimental, uma hora de improviso, tem as músicas gravadas com Iphone, um disco ao vivo. Acho que é interessante pra quem tá fazendo arte e tentando viver de arte se colocar disponível e brincar com vários jeitos de fazer as coisas. Não tem muita fórmula. A fórmula, no final das contas, é fazer música boa. Pode demorar ou pode viralizar da noite pro dia, mas o termômetro tem que ser as pessoas. Quando você consegue entreter ou mudar o ponto de vista de 10 pessoas numa sala, 100 ou 500, tudo isso é especial. Esse é o massa da internet, não é a possibilidade de ficar conhecido por milhões, mas a de acessar aquelas 10 pessoas que estão naquele momento específico, que não te conhecem e que não se conhecem, mas, de repente, acham um vínculo em comum.

CONTINENTE É uma herança do movimento “do it yourself”, do punk?
BENKE Com certeza. Mesmo a gente não soando punk, é isso. Quando cito o Nirvana, é isso. Acho que é a banda mais inspiradora, porque além de ser a maior banda pop dos anos 1990, ela tava o tempo todo brigando com o sistema, fazendo um som que, pra quem era do establishment da coisa, tipo um Michael Jackson da vida ou os Guns and Roses, era uma coisa mal tocada, mas que todo mundo aprendia a tocar. Era empoderador pros meus primos que não tocavam violão e que não gostavam de rock, mas pensavam em tocar o riff.


Durante a gravação do documentário Boogarins na Casa das Janelas Verdes produzido pela Void. Imagem: Reprodução

CONTINENTE Quem você está produzindo no momento?
BENKE Este ano sai um EP do Giovani Cidreira que produzi. No ano passado, gravei o disco da Bule, uma banda aqui de Recife que também tá circulando. Vai ter outro disco do Giovani no ano que vem, que a gente produziu juntos. Também gravei um EP do Paes e sai em breve. Acaba que tô mexendo com um monte de gente. Ajudei o Tagore a produzir algumas faixas, tem uma galera de Brasília, mas tudo isso vem por causa do Boogarins.

CONTINENTE Em Manual, tem uma música que diz: “Ame e deixe os outros/ Pois bando de bicho solto/ É bem melhor”. Tirando o Boogarins, essa é a sua ideia de amor?
BENKE Tem que ser. Se não, não é amor. Eu não consigo tirar o Boogarins também (risos). Porque é muito isso, é uma postura que a gente adota. A gente precisa disso para seguir nessa caminhada, acreditando em tudo que estamos fazendo e no valor de tudo que estamos abdicando pelo Boogarins – todo o tempo com a família, festando na nossa cidade natal, qualquer coisa. A gente está focado para essa mensagem ser maior. Não tem como tirar o Boogarins.

CONTINENTE Você só escuta Boogarins também ou tem outras coisas?
BENKE É bem perto disso, viu? (risos). Tudo que não é Boogarins é bem diferente também. Eu particularmente, enquanto produtor, acabo escutando música eletrônica, coisas com mais hip hop, especificamente o Kanye West, Travis Scott, porque são os estilos de música pop que mais arriscam no quesito produção, buscando estabelecer novos padrões de sonoridade. É empoderador, me inspira muito. Mas claro que acabo gostando de um rock e tal.



CONTINENTE No disco, tem algum arranjo específico que é seu favorito?
BENKE Tem vários. Para o artista, o último disco é sempre o melhor, porque é aquela coisa mais atual e fresca, mas na música Tradição tem um momento de intensidade no final que, por sorte, foi dentro do estúdio. Porque, às vezes, rola um improviso no ao vivo, mas ninguém tá gravando. Conseguir colocar isso no disco dá muito orgulho. Passeio também. Foi uma música que o Dinho gravou sozinho e depois peguei para mixar. É uma das canções de amor mais bonitas, eu pego pra mim também, porque me sinto do mesmo jeito. E que massa que isso saiu da nossa banda. Gosto de como a voz dele soa, como não precisou de um baixo ou outra guitarra. A gente gosta de ser minimalista também, do mesmo jeito que adoro Tradição por causa da confluência do exagero e da intensidade que me deixa dentro daquele estado de espírito, abraçado pela música. Quando a música termina, a pessoa volta a respirar (risos).

CONTINENTE Por fim, o que você diria pra galera que tá começando agora?
BENKE Muita coisa. Principalmente que tente entender o que a pessoa quer com a música que está fazendo, até onde ela quer chegar, com quem você tá conversando, com quem você quer conversar. Se você não quer ser reconhecido, não precisa se preocupar em fazer as coisas do jeito que uma pessoa do circuito profissional faz. Se você quer ser reconhecido, é importante ter preocupações com a composição e a produção. Mas o fundamental é estar confortável consigo mesmo. Para se blindar de expectativas e frustrações que podem te bloquear. Abraçar quem gosta de você e entender que quem não gosta tem um motivo. Porque, às vezes, você faz um trabalho muito pop e quer aparecer nos festivais alternativos ou tem um lance experimental e acha ruim porque não aparecem muitas pessoas. Você tem que se enxergar de fora e ter bons amigos.

THAÍS SCHIO é jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco.

veja também

"Gosto de me expor pelos meus personagens”

"A música de qualidade resiste"

"A riqueza do acervo impressiona"