Ensaio visual

Para um país que não ama mulheres

Em pleno século XXI, ainda precisamos dizer ao mundo que não temos apenas muitas demandas graves e urgentes a serem resolvidas, mas que acreditamos na transformação. Por isso, vamos às ruas

FOTOS ANA LIRA
TEXTO OLÍVIA MINDÊLO

09 de Março de 2018

Edicléa Santos é coordenadora do Espaço Mulher, do movimento Ocupe Passarinho

Edicléa Santos é coordenadora do Espaço Mulher, do movimento Ocupe Passarinho

Foto Ana Lira

Dizem que o Brasil gosta de mulheres. Neste país que diz amá-las, as estatísticas e os acontecimentos dão conta de mostrar o tamanho desse amor. Em Brasília, elas ocupam 10% das vagas no Congresso Nacional. Na Câmara, são 45 deputadas em um universo com mais de 400 parlamentares. Nós, mulheres, representamos mais de 50% do eleitorado, mas não temos representatividade; não importamos politicamente. Em Pernambuco, fechamos 2017 com cerca de 2 mil mulheres estupradas. Em dezembro, quando o ano já contabilizava mais de 5 mil homicídios, a diarista Maria Aparecida dos Santos Fidelis foi morta, decapitada e teve sua cabeça exposta no muro de casa. O crime brutal aconteceu em Barra de Jangada, bairro de Jaboatão dos Guararapes (Região Metropolitana do Recife), mas não ligamos para isso, quase não se falou sobre o assunto na imprensa e nas redes sociais. Não fomos tod@s Cida. Barbárie ou radicalismo, se a gente preferir chamar assim.

E são as mulheres negras e periféricas quem mais sofrem.


8M, Recife. Avenida Conde da Boa Vista. Foto: Ana Lira

Os crescentes manifestos públicos (8M, Marcha das Vadias etc.), a despeito dessa maré conservadora/opressora na qual estamos imersas, são a prova de que podemos mudar a realidade em relação à violência doméstica, à representatividade política, à igualdade, à maternidade, ao aborto, ao estupro e ao próprio feminicídio, a maior demonstração de falta de amor que uma coletividade pode ter. Afinal, como canta Vanessa da Mata, “toda a humanidade nasceu de uma mulher”.


Passeata do 8M no Recife. Foto: Ana Lira

Não existe nada mais radical do que a violência praticada contra as mulheres neste país. Matam-se mulheres a um só golpe, ou a conta-gotas. Pernambuco é ilustração estatística, um dos estados com maiores índices de feminicídio do Brasil. Não por acaso, a Secretaria da Mulher do Estado fez uma campanha recentemente (Basta de violência contra a mulher) buscando informar as pessoas sobre o que é feminicídio – o assassinato de alguém motivado pela questão de gênero (no caso, pelo fato de alguém ser mulher) – e a diferença em relação a crime passional, por exemplo, nome geralmente dado para mascarar o recalque masculino.

O que ninguém quer ver é que o Brasil não ama mulheres. Só as usa. O amor é exceção. Na última quinta-feira, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, contudo, milhares de nós fomos às ruas cheias de amor. Porque, em pleno século XXI, ainda precisamos dizer ao mundo que não temos apenas muitas demandas graves e urgentes a serem resolvidas, mas que acreditamos na transformação. Acreditamos principalmente porque juntas somos fortes, mas ainda porque acreditamos que o ser humano é capaz disso. Acreditamos.


8M, Recife. Avenida Conde da Boa Vista. Foto: Ana Lira

A nossa colunista Débora Nascimento sintetizou bem em sua coluna deste mês: “Como a conta um dia chega, um país que não respeita suas mulheres, não respeita a si próprio e acaba perdendo o respeito do resto do mundo, afundando cada vez mais no subdesenvolvimento. Mexeu com uma, mexeu com um país”.

MARCHA NO RECIFE
Diferentes mulheres, de cores, origens e gerações, caminharam juntas na manifestação do 8 de março no Recife. Desde feministas antigas na luta, como da ONG SOS Corpo, até as mais jovens, da Marcha das Vadias. Agricultoras, pescadoras, sindicalistas, professoras e mulheres do movimento negro estiveram presentes. 

A saída da passeata foi do Parque 13 de Maio, onde se realizaram rodas de diálogo, culminando na Praça do Derby, com a participação do Slam das Minas e do pré-lançamento do clipe Coisa mais linda, de Flaira Ferro, com direção de Déa Ferraz.

Para registrar esse encontro bonito convidamos a artista e fotógrafa Ana Lira, nas imagens que você vê aqui. O que ela captou do 8M fala por si, e nos ajuda a seguir na luta de todo dia, mostrando que ainda temos muitas possibilidades.

Publicidade

veja também

Na passarela do samba

Práticas e costumes da devoção

No lugar dos abismos, as luzes se acendem