Ensaio visual

Nordeste adentro


TEXTO Augusto Pessoa

25 de Junho de 2025

Foto Augusto Pessoa

Desde fevereiro de 1993, quando comecei a caçar imagens, meu objetivo é registrar. Essa veia antropológica –  desde sempre impressa no meu trabalho –  com certeza herdei do meu pai, sociólogo crescido em Olinda, e que, nas minhas primeiras lembranças de criança, já carregava a tiracolo sua Olympus Trip 35 milímetros. As imagens que compõem este ensaio, captadas em diferentes momentos dessas três décadas de fotografia, são exemplos desse persistente caráter documental que atravessa a caminhada.

Registrar, nunca foi para mim algo frio e mecânico. Apertar o botão disparador sempre foi –  e ainda é –  a última e menos importante etapa do processo. A preocupação estética sempre vem em primeiro plano. Minha intenção na captura, independentemente da linguagem, é sempre o impacto visual que a imagem trará para quem a mira. Nesse aspecto, a escolha do preto e branco muitas vezes atende a esse desejo final de chamar a atenção para a forma, sempre antes de apresentar o conteúdo. Minha escola, tendo sido o jornalismo, faz com que eu sempre a antecipe visualmente a foto publicada, ao construir a imagem.

As fotografias do ensaio gravitam no mesmo centro: o Nordeste interior e suas manifestações culturais. De Juazeiro do Norte ao Vale do Capão, na Chapada Diamantina, do ritual de carregamento do tronco que servirá de mastro para a bandeira de Santo Antônio, em Barbalha, ao descendente quilombola e seu cigarro de palha escondidos no sertão que serviu de palco para o Aruanda, de Linduarte Noronha. Aqui e ali, tal qual uma assinatura, transparece sempre meu desejo de revelar um Nordeste tradicional e, ao mesmo tempo, enigmático, estranho, imageticamente perturbador.

No que diz respeito à figura humana, quase sempre presente, o aspecto antropológico mais uma vez se impõe. Um exemplo claro desse traço histórico e documental é a imagem de um Ave de Jesus em sua casa de taipa. Essa seita de penitentes, idealizada ainda na época do padre Cícero, hoje é apenas história, guardada nas películas de alguns poucos fotógrafos que tiveram a licença para o registro no seu aspecto mais íntimo, ali mesmo, na sala de visita.

Nessa travessia artística de contar histórias e revelar personagens através da fotografia, venho conhecendo territórios e aprendendo novas coisas em um mundo já bem posto, nessa jornada. Nesse ciclo – respeitando o que essa palavra realmente significa – sempre volto aos lugares fotografados para novos encontros. Recorrente, mesmo, apenas a emoção de seguir desenhando com a luz.

AUGUSTO PESSOA, jornalista e fotógrafo, desenvolve trabalho de documentação com foco na religiosidade e cultura do Nordeste

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