Na mídia, em especial, o gênero é uma dimensão relevante do próprio dispositivo midiático e se inscreve em diversos tipos textuais que participam do tratamento da informação. Como dissemos no livro, a informação midiática é o produto de um sistema fenomenal e global de produção e de consumo de notícias. A informação jornalística se tornou um espetáculo da vida cotidiana. Nessa espetacularização que ampliou o impacto da mídia na leitura e na interpretação das informações, a opinião surge como um elemento poderoso e multifacetado, ao mesmo tempo, de análise e perspectivação da informação e também de influência.
Alguns aspectos de sua construção podem ser considerados centrais no livro: um deles é a gestão das perspectivas e das vozes que são selecionadas para “falar” nos diferentes jornais, sejam eles impressos, televisuais ou radiofônicos. A isso damos o nome de “gestão do dialogismo”. Quem é chamado para falar na mídia e sob quais critérios? Quais pontos de vista são mais ou menos dominantes? Que orientação argumentativa pode haver nessa seleção de “vozes” e “pontos de vista”?
A essas questões se vinculam outras, como a dos tratamentos temáticos, como a violência urbana, seus fundamentos discursivos e até mesmo ideológicos, as tendências de tratamento mais superficiais de problemas sociais e políticos complexos, os imaginários construídos pelo tratamento específico das imagens no fotojornalismo, as interações entre os participantes nos programas de entrevistas e talk-shows e o papel do animador, assim como o problema das diferentes formas do discurso relatado e das aforizações.
As formas de enquadramento da informação também são centrais nessa discussão, como os enfoques temáticos, que circunscrevem o que deve ser considerado relevante, os enquadramentos designativos, que identificam as pessoas por categorias sociais e envolvem discussões críticas sobre essas categorias e até mesmo certos preconceitos (nordestinos, policiais, políticos, ciganos, árabes, funkeiros etc.), os enquadramentos de raciocínios, como os laços de causalidade e as analogias nem sempre fundadas, as configurações discursivas dos títulos e manchetes, o que coloca em evidência uma dimensão argumentativa importante na informação jornalística mesmo em tipos textuais não declaradamente argumentativos.
A existência da opinião em si não é um fato que descredencia a mídia de seu papel de grande relevância nas sociedades democráticas. Amplia, certamente, seu potencial de influência na formação da opinião pública, mas devemos também considerar esse fator como constitutivo da relação que as mídias mantêm com seus leitorados, que também não são inocentes, possuem opiniões e dialogam até mesmo em um nível de conivência com as mídias. Afinal, todo leitor crítico tem a liberdade de não comprar, assinar ou ver uma mídia que considera tendenciosa ou oposta às suas próprias opiniões.
Porém, o fato de termos cada vez mais uma mídia opinativa, que distribui suas estratégias de influência não só nos tipos textuais clássicos e argumentativos, como editoriais e artigos de opinião, mas em qualquer tipo textual, como nas reportagens, nos títulos e nas imagens, assim como na seleção temática e na gestão de falas, exige que formemos cada vez mais leitores críticos capazes de se posicionarem diante dessas ações e intenções de influência e exercerem a contrainfluência necessária a uma cidadania plena. Um leitor crítico não deve temer uma mídia opinativa. Mas um país com graves problemas educacionais como o nosso, que tem tido grande dificuldade de promover uma educação voltada para o desenvolvimento do pensamento crítico, deve avaliar esse problema com uma atenção especial.
WANDER EMEDIATO DE SOUZA, doutor em Ciências da Linguagem, pós-doutor pela Universidade de Lyon II e professor da UFMG.
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