Entrevista
Nuno Ramos
O artista fala de seus trabalhos no campo das artes visuais, da música e da literatura
A história vitoriosa de Jackson do Pandeiro é a confirmação da força da arte, em meio às intempéries enfrentadas pelo povo brasileiro. Nascido numa família pobre, em 1919, em Alagoa Grande (PB), o menino José Gomes Filho, descendente de indígenas e negros, aprendeu a cantar com sua mãe, que sustentava os três filhos lavando roupa para fora e entoando coco. Ao passar fome após a perda do pai, ele e a família migraram a pé para João Pessoa. O próximo destino seria o Recife, onde o já talentoso rapaz despontou. Na capital pernambucana, ao gravar Micróbio do frevo, modificou a forma de interpretar o gênero. Em 1949, quando definitivamente ganhou o nome artístico, era apontado como “o maior cantor de sambas do norte do país”. Promoveu uma revolução na forma de cantar a música brasileira, criando uma espécie de escola imaterial, sendo um caso raro de artista nordestino que venceu no Sudeste antes mesmo de chegar lá.
No dia 31 de agosto, serão marcados os 100 anos de nascimento desse artista genial. Para celebrar a data, publicamos, nesta edição da Continente, uma HQ inédita, com roteiro da jornalista Débora Nascimento e desenhos do ilustrador Celso Hartkopf – que também assina um brinde especial aos leitores, um pôster de Jackson cercado por alguns dos incontáveis artistas brasileiros que influenciou.
Um dos sucessos do repertório jacksoniano, Chiclete com banana falava da resistência da música brasileira em meio aos americanismos que aportavam no país, nos anos 1950. Hoje, diante de um cenário hostil à cultura no Brasil, o que cantaria Jackson? Podemos imaginar, mas não veremos o presidente da República, que mal falou da morte de João Gilberto, celebrar o centenário do artista paraibano, falecido em 1982.
Não é difícil chegar a essa conclusão: nas eleições de 2018, Bolsonaro não tinha sequer um programa de governo para a cultura e, desde a posse, assistimos ao início de seu desmonte: da extinção do MinC ao destino incerto da Ancine. Isso nos moveu a investigar essa realidade, a partir de entrevistas com cerca de 30 artistas, gestores, especialistas e demais agentes da área, incluindo o próprio governo. O resultado está no dossiê produzido pelas jornalistas Luciana Veras e Olívia Mindêlo, no qual atestam a dimensão da palavra desmonte, cujo significado passa por derrubada, desmantelo, desnorteamento. No ano em que o cinema ganha prêmios em Cannes, como pode uma paralisia ser imposta ao setor? “É o país da contradição”, como cantou Lenine, em Jack Soul Brasileiro.
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