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Surf: Uma onda que veio para ficar

De propaganda na TV à moda, o esporte praticado nos mares vem se infiltrando, ao longo das décadas, nas mais diversas expressões artísticas e comportamentais

TEXTO Marcelo Sá Barreto

01 de Setembro de 2012

Foto Kirstin Scholr/AFP internacional/AFP

[conteúdo vinculado ao especial | ed. 141 | setembro 2012]

"Uau!”,
exclama a bela moça ao ver, da praia, o surfista dos seus sonhos decolar, em cima de uma prancha, para um aéreo 360° perfeito. Entre ela e o atleta, o carro vermelho é o produto que se quer exibir. A agência de publicidade que produziu o filme poderia ter usado qualquer outro esporte para divulgar o modelo e a marca do automóvel. Mas a plasticidade do surf está na moda. Não são poucos os comerciais que utilizam o tema a fim de chamar a atenção do consumidor para a cerveja do verão, o refrigerante mais refrescante ou o automóvel radical.

Antes rechaçada e muitas vezes associada à rebeldia – não raramente às drogas –, a modalidade está em transformação e, até pelo número de praticantes no Brasil, cerca de 3 milhões, começa a ser bem vista socialmente, sem os olhares oblíquos de antes. Você pode até não ter se dado conta, mas, da roupa que usa à linguagem cotidiana, cultiva mais afinidades do que diferenças com a tribo dos amantes das ondas.

Para quem começou no esporte há muitos anos, o momento é surpreendente. No início da década de 1980, por exemplo, contar aos pais sobre o interesse pelo surf era uma atitude temerária. Com a profissionalização e, principalmente, por estar associado à ideia de vida saudável e à natureza, divulgadas primeiramente pelas mídias especializadas e, depois, pelas demais, o esporte transformou-se no carro-chefe entre os radicais, colocando-se mesmo ao lado das modalidades tradicionais.

“Nunca pensei que o surf seria tão aceito socialmente. Vivemos hoje uma realidade que não tínhamos imaginado”, diz o pernambucano Carlos Burle, hoje com 45 anos, um dos maiores expoentes da modalidade no mundo. “O contato intenso com a natureza e alguns valores, como qualidade de vida, saúde, felicidade e superação, contribuem para que o surf consiga se estabelecer entre os esportes”, argumenta.


O surf transformou-se na principal modalidade dos esportes radicais. Foto: Corbis

Burle é um dos profissionais que ajudaram a derrubar pechas carregadas pelo esporte durante anos. Com uma postura considerada exemplar, sempre foi benquisto pela opinião pública, e, a cada ato de bravura – conquistou o recorde de maior onda surfada no mundo, além de ser bicampeão mundial da categoria –, mais jovens se identificavam com ele. O ideal de surfista encarnado por Carlos Burle destaca, acima de tudo, o profissionalismo e a maneira sadia de viver – muito diversa do estereótipo de vagabundos de praia criado no passado para os esportistas.

Além desses valores, a cultura do surf tem proliferado também no comportamento, na moda, na linguagem. Vestimentas e gírias comuns aos praticantes estão incorporadas ao dia a dia até de quem nunca entrou no mar. “O surf não é um tema que se adeque a qualquer produto ou circunstância, mas é bonito e tem um poder de atração grande. A aura de liberdade desse esporte faz a diferença”, comenta o publicitário Thiago Diniz.

Empresário pernambucano do setor de vestuário, Pedro Cavalcanti tinha como referência a mãe, que atuava no setor de confecções. Nunca havia surfado, mas pretendia montar um negócio e optou pelo surfwear, um conceito de moda calcado na indumentária própria dos praticantes da modalidade. “O surf é um esporte vigoroso, idealista, de pessoas que esbanjam saúde. Vi que existia esse filão e fui em frente”, pontua. E ele tem sido bem-sucedido num mercado que avança à beira-mar, indo conquistar consumidores até mesmo em áreas agrestinas e sertanejas. “Não é preciso morar na praia para se consumir surfwear. Na realidade, esse tipo de roupa atende às expectativas da maioria das pessoas, por ser confortável, colorida, despojada e ótima para ser usada no dia a dia, em regiões onde existe sol forte, calor”, argumenta.

A noção de beleza e de espírito de liberdade também está presente em outras referências ao surf, que cumprem a função de difundir culturalmente o esporte. A surf music tem sido um dos elementos que favoreceram a quebra de barreiras e preconceitos. Fotografias em fine art e filmes em torno do assunto, como o clássico Endless summer, transportam o esporte para o âmbito da arte. “Há imagens clássicas do esporte que passam emoções e se fixam na memória do espectador. Fotos de surfistas como Garrett McNamara ou Carlos Burle descendo as maiores ondas do mundo são de tirar o fôlego. Para mim, como fotógrafo, poder estar participando desse momento, ouvindo o barulho da onda e sentindo o bafo do tubo, é algo impagável. Um sonho”, descreve o fotojornalista Rodrigo Lobo. 

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