Entrevista
Elza Lima
Fotógrafa paraense comenta a região amazônica e os temas que nela investiga
Um dia, Torquato Neto tascou: “Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela”. Ele sabia o risco, ele vivia no Brasil da ditadura.
Adelaide, Bione, Patrícia Naia, Bell Puã, Luna Vitrolira sabem o risco também. De serem – no presente feminino e coletivo – mulheres negras, de viverem numa cidade violenta como o Recife, sendo assediadas, agredidas e silenciadas por uma estrutura patriarcal e machista. Adelaide, com sua poesia de punhos cerrados, diz na roda: “Minha pele não foi feita pra satisfazer tua carne (…) cê nunca vai entender o fardo de uma preta”. Bell Puã aspira, incrédula e irônica: “Queria eu, meu Deus, que racismo fosse só ser chamada de branquela”.
Num registro feito para o Dia da Mulher, Bione adverte: “Me orgulho, faço bem-feito, não é à toa que resisto. O dia é meu por direito. Eu vou gritar por gratidão. Eu sou mulher, bato no peito. Suas flores eu até aceito, mas só se elas vierem em formato de respeito”. Na reportagem feita por Erika Muniz e Lenne Ferreira, Bione conta que deixou de lado o nome Júlia que ganhou quando nasceu para que o Bione lhe desse acesso às rodas restritas aos homens.
A poesia de que falamos aqui – além das questões de gênero e de protesto que as motivam e diferenciam – existe para ser dita, gritada, gesticulada, compartilhada em rodas, megafonizada. Ela realiza, também, um movimento de renovação da tradição oral da poesia, que conhecemos tão bem no Nordeste e que – por nos colocarmos em distância nas culturas de “centro” (capital) e “periferia” (“interior”) – acreditamos ter parado no tempo dos mestres violeiros. Nada mais enganoso.
Nesta reportagem, que traz tanta gente jovem e buliçosa, fora o Recife e a RMR, fomos a Goiana, Belo Jardim, São José do Egito e ao distrito Riacho do Meio, encontrar poetas que estão dizendo coisas que incluem todos, “como se meu grito estivesse em par com o seu, em cor com o meu”, como pontua Philippe Wollney, de Goiana, no belo e longo poema Caosnavial. Tanta coisa a se descobrir e partilhar, tanto que a poesia é capaz de transformar… “Poetar é simples”, ensina ainda Torquato, “Difícil é não correr com os versos debaixo do braço”. Segue adiante nessas páginas e sente.
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