Crítica

Três olhares sobre o Brasil de hoje

Os documentários 'Ex-pajé', 'O processo' e 'Bixa travesty', exibidos no começo deste ano na Berlinale e prestes a estrear no país, expressa os conflitos que vivemos na política

TEXTO Luciana Veras

02 de Maio de 2018

Dirigido por Luiz Bolognesi,

Dirigido por Luiz Bolognesi, "Ex-pajé" trata da aculturação de indígenas por evangélicos

FOTO BURITI FILMES/DIVULGAÇÃO

Um choque de placas tectônicas talvez houvesse causado menos impacto na Panorama – mostra importante da BerlinaleFestival Internacional de Berlim – do que os três documentários brasileiros enfileirados na programação da edição 2018, transcorrida em fevereiro, na capital alemã. Por ordem de exibição: Ex-pajé, de Luiz Bolognesi, Bixa travesty, de Cláudia Priscilla e Kiko Goifman, e O processo, de Maria Augusta Ramos [falamos sobre o filme em 2016 – leia aqui]. Elaborada pelo time liderado pela espanhola Paz Lázaro, pela primeira vez curadora-chefe da Panorama, a seleção continha 47 filmes de mais de 40 países. Nela, percebia-se uma presença significativa da América Latina e ainda um outro documentário em que o pavilhão brasileiro demarcava seu espaço nos créditos – Zentralflughafen THF, uma coprodução Alemanha/França/Brasil com direção do argelino-cearense radicado em Berlim Karim Aïnouz.

Zentralflughafen THF percorre um ano na vida de dois imigrantes asiáticos no grande abrigo em que se transformou Tempelhof, um aeroporto localizado no meio de Berlim, idealizado como marco expansivo do Reich de Adolf Hitler. É um filme sobre refugiados, sobre migrações, sobre o posicionamento da Europa ante milhares de pessoas que buscam fugir da guerra da Síria, dos conflitos entre Israel e Palestina, da ocupação militar americana no Iraque. Diz, portanto, muito do estado de coisas do Velho Mundo e do anseio por uma identidade, algo a ser perseguido pelos mais de 36 milhões de cidadãos em deslocamento forçado no planeta, segundo as estatísticas da ONU.

Se, na proposta e na estética, o filme de Karim dialoga com o tensionamento da Europa, os três documentários de realizadores brasileiros emergiam, na Berlinale, como epígrafes de um país em convulsão. Postos, lado a lado, dia após dia em sessões no CineStar, pareciam radiografias de uma nação desnorteada. Afundado em contradições, eis o Brasil de Ex-pajé, Bixa travesty e O processo. Não houve uma única sessão das três obras em que não se escutassem aplausos em cena aberta ou gritos de apoio no final. Aliás, a primeira das exibições de O processo forneceu ao festival, fundado em 1951, um instante de ineditismo. “Aquela ovação de pé foi a primeira que tivemos em toda a história da Panorama”, relembraria, no dia seguinte, Paz Lázaro, no meio da Alte Potsdamer Str., ao encontrar Maria Augusta Ramos. Era verdade: a diretora de O processo havia sido aplaudida por quase 10 minutos tão logo os créditos começaram a subir.

           
 
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