"O último azul": o direito dos idosos ao sonho
Novo filme do cineasta pernambucano Gabriel Mascaro, vencedor do Urso de Prata na Berlinale, chega aos cinemas de todo o Brasil na quinta-feira (28)
TEXTO Laura Machado
26 de Agosto de 2025
Denise Weinberg interpreta Tereza, a protagonista do longa-metragem
Foto Guillermo Garza/Divulgação
O ser humano divide as fases da vida quase como divide o tempo: passado, presente, futuro; infância, adolescência, idade adulta, velhice. Em cada uma dessas etapas, transformações ocorrem ao corpo e à mente dos indivíduos. Muito se fala sobre as descobertas das crianças, das inseguranças dos jovens e das responsabilidades dos adultos, sobre as experiências dos idosos, porém, foram ignoradas por muito tempo. Do que é feita a velhice, afinal? Em O último azul, longa-metragem do cineasta pernambucano Gabriel Mascaro, a velhice é feita de vida.
O último azul teve sua estreia mundial durante o 75º Festival Internacional de Cinema de Berlim, onde foi consagrado com o Urso de Prata, além de também voltar para casa com o Prêmio do Júri Ecumênico e o Prêmio do Júri de Leitores do Berliner Morgenpost. No Brasil, o filme teve sua primeira exibição oficial na abertura do Festival de Cinema de Gramado 2025 e, por fim, chega às salas de cinema nesta quinta-feira (28).
Com a atriz Denise Weinberg no papel da protagonista, o filme nasceu “da vontade de contar uma história sobre o direito de uma idosa sonhar”, como explicou Gabriel Mascaro em entrevista exclusiva à Revista Continente. Assim, acolhendo o tema da velhice desde seu primórdio, a narrativa do longa se passa em um Brasil fantástico onde os idosos devem abandonar suas vidas e se encaminharem para a Colônia, local estabelecido pelo Governo para ser casa dos mais velhos até o fim de suas vidas. Diferentemente de muitos ao seu redor, que enxergam a mudança obrigatória como uma espécie de recompensa pelos anos dedicados ao país, Tereza não se entusiasma com a perspectiva de mudança. Uma semana antes de ser levada à Colônia, ela decide que não é mais hora de adiar os desejos e parte em uma jornada para realizar um sonho antigo.
Pelo cenário idílico dos rios que cortam a Amazônia, Tereza encontra o barqueiro Cadu (Rodrigo Santoro) e a missionária Roberta (Miriam Socarrás), personagens que se somam à beleza das imagens e levam a trama para frente.
Os caminhos d’água presentes na obra, inclusive, são por si só personagens responsáveis pelo desenvolvimento da protagonista. Se, no começo da obra, Tereza parece uma estranha em busca de seu lugar, com o passar do tempo, ela parece cada vez mais certa de si mesma e pertencente ao ambiente de dentro do barco, encarando as paisagens que a rodeiam de forma singular.
“O último azul apresenta uma Amazônia ao mesmo tempo mágica e industrial, quase surreal e profundamente política. A história especula sobre um sistema político marcado por um populismo tropical e um fascismo desenvolvimentista, colocando a Amazônia não como um santuário intocado, mas como o epicentro das contradições do planeta”, explica Mascaro.
Para além da simbiose entre ser humano e o meio natural, o filme trata do envelhecer com grande expertise. Se no cinema ainda é raro produções com protagonistas idosos, é ainda mais incomum que os mais velhos estejam em papel de destaque em longas que se comunicam através da ficção científica, distopia e fantasia.
Corpos idosos foram excluídos da conversa artística por muito tempo e mesmo que atualmente essa repressão venha sendo questionada, histórias onde a terceira idade se destaca e representa algo além do que pessoas incapazes ou quase etéreas ainda são raras. Justamente por surgir como um manifesto à possibilidade de idosos seguirem sonhando, a trama de O último azul é um acalento.
Tereza tem 77 anos na história e não se rende às ordens do Estado. Ela não é alguém de extrema fragilidade, incapaz de viver em sua própria casa, trabalhar e cuidar de si mesma. Ela é um exemplo de mulher que viveu os seus anos dedicada a cuidar da filha de forma autônoma, trabalhando em vários empregos para pagar as contas. Ao chegar à velhice, é a primeira vez que está livre para aproveitar o tempo como bem entender e, durante o filme, Tereza se acostuma cada vez mais com sua emancipação. O último azul é uma proclamação à liberdade de envelhecer e seguir sonhando.