“Gosto de um cinema que se arrisca"
Vencedor do Urso de Prata, na Berlinale, "O último azul", filme do cineasta pernambucano Gabriel Mascaro, vai abrir o 53º Festival de Cinema de Gramado e tem estreia prevista para o dia 28 de agosto
TEXTO Laura Machado
18 de Junho de 2025
Foto Berlinale/Divulgação
“O filme nasceu da vontade de contar uma história sobre o direito de uma idosa sonhar”, explica o diretor e roteirista recifense Gabriel Mascaro, quando perguntado sobre a motivação por trás de seu longa-metragem mais recente. O último azul teve sua estreia mundial na edição de 2025 do Festival Internacional de Cinema de Berlim e conquistou o Grande Prêmio do júri: o Urso de Prata.
Previsto para estrear no Brasil em 28 de agosto de 2025, o filme, que vai abrir o 53º Festival de Cinema de Gramado, com exibição hors concours no dia 15 do mesmo mês, narra a história de um Brasil distópico, onde os idosos, ao atingirem certa idade, são transferidos para uma colônia habitacional na qual devem desfrutar dos últimos anos de vida. Tereza está na idade certa e será levada para o exílio, porém, antes de ir, ela decide realizar um último desejo e parte em uma jornada pela Amazônia.
Denise Weinberg é a grande estrela por trás da personagem Tereza e O último azul também conta com as atuações de nomes como Rodrigo Santoro, Miriam Socarrás e Adanilo. Com as atuações de peso somadas ao roteiro e à direção, a obra cinematográfica teve uma recepção positiva na crítica nacional e internacional, além de também receber os prêmios de melhor filme pelo júri ecumênico e dos leitores do jornal Berliner Morgenpost, ambos na Berlinale.
Em entrevista exclusiva à revista Continente, Gabriel Mascaro explicou o processo de criação por trás da narrativa do filme, elencando inspirações e elementos que desejou trazer à sua obra.
CONTINENTE De onde nasceu a ideia para O último azul?
GABRIEL MASCARO O ponto de partida afetivo começou com a minha avó, que começou a pintar aos 80, depois que meu avô faleceu. Aquilo me inspirou a pensar uma fantasia em torno desse sentimento de ressignificar a vida na velhice. Então, o filme nasceu da vontade de contar uma história sobre o direito de uma idosa sonhar. Eu queria fazer um filme que fosse uma ode à liberdade, trazendo uma protagonista idosa que se recusa a aceitar o destino que alguém traçou para ela, nesse caso um Estado que quer interferir na vida e no corpo dos idosos em nome da economia. Depois de alguns esboços, eu tive a oportunidade de chamar o músico Tibério Azul para se aventurar comigo na escrita do roteiro e foi um longo processo prazeroso e angustiante para achar a narrativa e o tom do filme. É difícil ver protagonistas idosos no cinema, especialmente em distopias, fantasias e até mesmo em algo que se assemelhe a um drama de “coming-of-age”. É como se os corpos idosos no cinema tivessem um lugar muito difícil de mudar. Eu tentei rever isso e o filme termina por apontar outros horizontes de olhar de uma maneira muito sincera.
CONTINENTE Ventos de Agosto e Boi Neon, seus primeiros longas-metragens de ficção, foram lançados há cerca de 10 anos. Durante esse período e chegando em O último azul, como você encara sua jornada com a roteirização e a direção?
GABRIEL MASCARO Eu venho investigando formas de pensar o cruzamento de gêneros para encontrar novas formas de contar histórias. Minha jornada ao longo desses anos tem sido um processo de aprendizado e experimentação. Gosto de um cinema que se arrisca. Se for para errar, eu prefiro errar pra valer. Errar sem medo me permite, talvez um dia, acertar de maneira potente. O último azul é o resultado de mais de 20 anos de escuta, erro e acerto. São 20 anos por trás das câmeras.
CONTINENTE Se passando na Amazônia, o filme advoga pela pausa ambiental? Se sim, de que maneira?
GABRIEL MASCARO O filme não se limita a um discurso ambientalista convencional. O que me interessava era desafiar a maneira como a Amazônia é idealizada no cinema e na TV. A representação dessa paisagem muitas vezes é enviesada e romantizada, colocando a floresta num papel simbólico de “pulmão do mundo”, sem levar em conta suas contradições internas. O último azul apresenta uma Amazônia ao mesmo tempo mágica e industrial, quase surreal e profundamente política. A história especula sobre um sistema político marcado por um populismo tropical e um fascismo desenvolvimentista, colocando a Amazônia não como um santuário intocado, mas como o epicentro das contradições do planeta.

Foto: Guilherme Garza/Divulgação
CONTINENTE O último azul é uma obra que discute a relação entre o ser humano e a natureza?
GABRIEL MASCARO Sim, mas de uma maneira que vai além do binômio destruição versus preservação. A Amazônia no filme é um personagem vivo, carregado de suas próprias complexidades. O filme tensiona essa relação ao mostrar o embate entre grandes forças econômicas e culturais que apropriam a paisagem e a fauna da região de forma inesperada.
CONTINENTE Qual foi a sensação de exibir o filme na Berlinale, um dos maiores festivais de cinema no mundo, e sair com o Urso de Prata?
GABRIEL MASCARO Exibir o filme na Berlinale foi uma experiência muito especial, pois o festival tem um olhar sensível para obras que transitam entre a política e a arte. Diferente de Cannes e Veneza, que também são dois festivais de excelência, mas que são cidades ‘turísticas’ e, portanto, o público já tem um viés, o festival de Berlim é o único dos três grandes festivais de cinema em uma capital. Então, o filme em Berlim já tem uma dimensão muito orgânica de um público comum. A estreia do filme aconteceu numa sala de cinema com 1.400 lugares. O reconhecimento do troféu do Urso de Prata para o filme O Último Azul é especial porque é o mesmo festival que revelou para o mundo e consagrou filmes como Central do Brasil e Tropa de Elite. Então foi muito especial contribuir com mais uma página nessa histórica, colocando mais um filme brasileiro num espaço importante de visibilidade da cultura brasileira, ainda mais depois de um período de desmonte que vivemos em anos recentes.
CONTINENTE O que você pensa do momento atual do cinema brasileiro?
GABRIEL MASCARO O Brasil tem consolidado cada vez mais uma tradição cinematográfica potente, e mesmo diante de adversidades, seguimos produzindo filmes que dialogam com o mundo. Acho que o Brasil também se coloca cada vez mais como um país diverso e plural, com uma filmografia complexa, à medida que a descentralização das narrativas amplia vozes e mostram outros olhares. É um filme que tem mais de 20 atores e atrizes de Manaus no elenco. E, para mim, é uma alegria imensa que esse filme é fruto de um abraço entre duas cinematografias, a pernambucana e a amazonense.
LAURA MACHADO, repórter das revistas Continente e Pernambuco