Uma jornada de sabores, desafios e memórias

A série O Urso (The Bear), exibida pela plataforma de streaming Disney+, tem como ponto focal um restaurante e seu chef. Parece curioso que um tema com desdobramentos aparentemente tão limitados tenha causado tal impacto, na crítica e no público, arrebatando 10 prêmios Emmy numa curta trajetória de três temporadas.

O arco narrativo consegue expandir o seu alcance justamente porque, para além dos perrengues inerentes ao ofício, ela vibra em cordas que ressoam, não uniformemente, mas indistintamente, em cada um dos seus milhões de espectadores mundo afora.

A produção televisiva fala de sonhos (“Sonhos são um problema, também uma solução”), de missão (“O papel do chef é alimentar pessoas”), de desafios (“Não quero pagar com minha sanidade”), de experiência (“Fazemos as pessoas esquecerem suas dificuldades ainda que por um curto espaço de tempo”). Ela contém uma outra verdade que, embora circunscrita ao fim de um negócio, impacta muitas pessoas para além de sua esfera imediata de atuação.

Quando um restaurante fecha suas portas para o público, encerram-se ciclos de convivência e sobrevivência; de projetos e esforços; de tradições e costumes. Não fica o vazio, entretanto, porque, seja de forma integral ou fragmentada, seu legado permanece.

Ao longo das décadas, desde o esboço dos primeiros restaurantes no Brasil com a chegada da família real portuguesa, em 1808, poucos são os testemunhos vivos de épocas longínquas. No Recife, pairando como o mais longevo, sem concorrente próximo aos seus 142 anos, está o Restaurante Leite, em funcionamento desde 1882. Seu legado é incomparável, especialmente quando consideramos a distância entre o ponto de partida — como um quiosque no Centro do Recife do século XIX — e o de chegada, no século XXI, mantendo a qualidade da cozinha e a aura de sofisticação pretendida na origem. Entre um e outro, inúmeros percalços, mais de uma ameaça de falência com soerguimentos espetaculares.

É importante ter em mente que restaurantes são organismos extremamente suscetíveis, facilmente afetados por crises de várias ordens: econômica, política, social, urbana e, como até então a maioria de nós não havia presenciado, de saúde pública. O Leite viveu todas elas; incluindo duas pandemias: a da gripe espanhola (1918) e a da Covid-19 (2019).

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