Reportagem

Novos olhares, revisionismo no cinema e na música

TEXTO DÉBORA NASCIMENTO
ILUSTRAÇÕES KARINA FREITAS

01 de Agosto de 2022

Ilustração Karina Freitas

[continuação do especial de capa da ed. 260 | agosto de 2022]

Um episódio corriqueiro do universo das redes sociais exemplifica como as opiniões do público hoje não são mais ignoradas como antigamente e estimulam o debate público. Em 7 de novembro de 2021, no mês da Consciência Negra, a TV Globo informou em seu perfil no Twitter a exibição de Histórias cruzadas (2011) na programação da Temperatura Máxima, no domingo à tarde, e usou as hashtags #Representatividade e #NegritudeEmCartaz. Em resposta, um seguidor questionou: “Que representatividades são essas?”. O tuíte recebeu quase 30 mil curtidas.

O funcionário que fez o post da emissora não deve ter sido informado que, no ano anterior, em julho de 2020, a atriz Viola Davis, que integrou o elenco de Histórias cruzadas, foi capa da Vanity Fair. Na entrevista à revista, a artista confessou o arrependimento de ter participado do filme. No enredo, uma jovem branca da classe alta sulista (interpretada por Emma Stone) volta para casa após se formar na universidade. Com a intenção de se tornar escritora, decide entrevistar mulheres negras (dentre elas, a personagem de Viola Davis) que passaram a vida trabalhando como empregadas domésticas de famílias brancas.

“Eles (os realizadores do filme) investiram na ideia do que significa ser negro, mas isso está atendendo ao público branco, que, no máximo, pode se sentar e obter uma lição acadêmica sobre como somos. Então, eles deixam o cinema e falam sobre o que isso significava. Eles não são movidos por quem nós éramos. Não ficam tocados por nós”, afirmou Viola Davis, na entrevista. “Só senti que não eram as vozes das criadas que se ouviam. Eu conheço Aibileen. Eu conheço a Minny. Elas são minha avó. Elas são minha mãe. E eu sei que se você fizer um filme onde toda a premissa é ‘eu quero saber como é trabalhar para pessoas brancas e criar filhos em 1963’, eu quero ouvir como você realmente se sente sobre isso. Nunca ouvi isso no decorrer do filme. Não existe ninguém que não se entretenha com Histórias cruzadas. Mas parte de mim sente que me traí, e ao meu povo, porque estava num filme que não estava pronto para contar a verdade completa.”

No ensaio O olhar opositivo, a espectadora negra, publicado na coletânea de ensaios reunidos em Olhares negros (1992), a escritora e ativista bell hooks fala sobre sua experiência como cinéfila, as narrativas sobre mulheres negras e a pesquisa que fez com outras mulheres negras em relação ao cinema: “As representações convencionais da mulher negra violentavam a imagem. Em resposta a essa agressão, muitas espectadoras negras descartaram a imagem, desviaram o olhar, não deram ao cinema importância alguma em suas vidas. No entanto, havia aquelas espectadoras cujo olhar era o de desejo e cumplicidade. Assumindo uma postura de subordinação, elas se submetiam à capacidade do cinema de seduzir e trair. Eram manipuladas por ele. Todas as mulheres negras com quem eu conversei que eram/são assíduas frequentadoras de salas de cinema, amantes de filmes hollywoodianos, atestaram que, para vivenciar por completo o prazer que tinham com aquele cinema, elas tinham de escolher ignorar a crítica, a análise; tinham de esquecer o racismo. E, acima de tudo, elas não pensavam sobre o machismo. Qual era a natureza, então, desse olhar feminino adorador – esse olhar que podia sentir prazer no meio da negação?”

bell hooks menciona uma passagem tocante do primeiro livro de Toni Morrison, O olho mais azul (1970): “(Toni) constrói um retrato da espectadora negra; ela tem o olhar masoquista da vitimização. Ao descrever suas relações de olhar, Miss Pauline Breedlove, uma pobre empregada doméstica que trabalha na casa de uma próspera família branca, afirma: ‘A única vezinha que fui feliz parece que foi quando eu tava no cinema. Todo tempo que eu tinha, eu ia, e ia cedo, antes da sessão começar. Eles apagavam a luz, e tudo ficava escuro. Depois a tela acendia, e eu mergulhava bem dentro do filme. Os homens brancos cuidavam tão direitinho das suas mulheres, e elas se enfeitavam em casonas limpas com as banheiras bem no mesmo quarto da privada. Esses filmes me davam muita alegria’”.

A representação problemática de pessoas negras é um dos grandes equívocos de E o vento levou, de 1939. Na época em que o drama épico foi lançado, havia raros filmes com a presença de atores negros e os poucos papéis a eles destinados eram os de empregados atuando como figurantes sem nome, sem fala e sem crédito. Um dos papéis de destaque do período é exatamente o de Mammy, interpretado magnificamente por Hattie McDaniel, filha de ex-escravizados que haviam trabalhado nas plantations, fazendas de algodão, como a do filme, Tara.

Na juventude, Hattie havia deixado de trabalhar como faxineira, virou cantora e atriz. Pelo seu talento e carisma ao interpretar a altiva Mammy (o nome é bastante simbólico), única personagem que tinha coragem de dar reprimendas na inconsequente Scarlett O’hara (Vivien Leigh), a atriz recebeu o primeiro Oscar para uma pessoa negra. Como a Califórnia ainda era um estado segregado na época, para que Hattie pudesse participar da cerimônia em que o longa ganhou 10 Oscars, inclusive o de Melhor Filme, o produtor David O. Selznick teve que usar sua influência para conseguir que a atriz se sentasse numa mesa ao fundo do salão, bem distante dos outros colegas (brancos) da equipe.

Oitenta anos depois, em meio aos protestos contra o assassinato de George Floyd, o filme foi retirado da plataforma da HBO Max no dia 10 de junho de 2020. Retornou 15 dias depois com um aviso: “A aclamada adaptação cinematográfica da obra de Margaret Mitchel, do produtor David O. Selznick, conta o romance entre a tempestuosa Scarlett O’Hara (Vivien Leigh) e o charmoso Rhett Butler (Clark Gable) em meio ao trágico cenário da Guerra Civil. Um dos filmes de maior bilheteria de todos os tempos (considerando a inflação), ele também é um produto de seu tempo e, infelizmente, reflete representações de personagens e temas que são ofensivos e problemáticos aos olhos do público contemporâneo. O filme é apresentado aqui da mesma maneira como foi lançado em 1939, pois fazer o contrário equivaleria a afirmar que os preconceitos e atitudes nunca existiram”.

As críticas negativas a E o vento levou... não são algo novo. Quando o longa foi lançado, houve reações contrárias a ele. Na época, o historiador e escritor C. L. R. James publicou um texto afirmando que o filme glorificava o Sul escravista, mostrava os negros como fiéis até a morte e que “por incrível que pareça, o resultado decisivo da guerra, a abolição da escravatura, não é diretamente mencionado em mais de três horas”.

No livro A magia do cinema (2002), o renomado crítico de cinema, vencedor do Pulitzer, Roger Ebert escreveu: “E o vento levou, de 1939, apresenta uma visão sentimental da Guerra Civil norte-americana, na qual o Velho Sul toma o lugar de Camelot, e onde a guerra não foi travada para derrotar a Confederação e libertar os escravos, mas para dar à senhorita Scarlett O’Hara uma reprimenda. Todavia, depois de todos esses anos, EOVL continua sendo um dos pilares do cinema, porque conta uma boa história e a conta magnificamente bem”.

O crítico lança uma observação sobre o período em que o longa-metragem foi feito: “Não podemos esquecer que quando EOVL foi realizado, a segregação ainda era lei no Sul e realidade no Norte. A Ku Klux Klan foi retirada de uma cena por medo de ofender seus membros eleitos. O filme vem de um mundo com valores e princípios fundamentalmente diferentes dos nossos – todavia, com certeza, assim são os grandes clássicos da ficção, incluindo Homero e Shakespeare. Um politicamente correto EOVL não valeria a pena ser produzido e talvez não passasse de uma grande mentira”.

“Não acho que esses filmes devam deixar de ser vistos, mas precisam ser devidamente contextualizados e criticados”, afirma Rodrigo Carreiro, jornalista, crítico e professor de Cinema da UFPE e pesquisador: “O olhar crítico é fundamental. Eu tenho três filhas; se vejo com elas um filme como O nascimento de uma nação, depois do filme procuro discutir com elas o que viram e como esse tipo de obra pode, se vista sem o devido olhar crítico, contribuir para construir inconscientemente um preconceito. Desconstruímos juntos o filme e suas estratégias discursivas. Considero esse um caminho adequado para lidar não apenas com filmes preconceituosos, mas com qualquer tipo de discurso que contenha preconceito. A construção de um olhar crítico, o fortalecimento de um espírito crítico e de uma postura crítica diante de acontecimentos – sejam reais ou ficcionais – é o melhor antídoto para o preconceito”.

bell hooks, em O olhar opositivo – a espectadora negra, aborda a importância de uma visão crítica: “Fiquei impressionada quando li nas aulas de História pela primeira vez que os donos de escravo brancos (homens, mulheres e crianças) puniam os negros escravizados por olhar; perguntei-me como essa relação traumática com o olhar havia influenciado os negros como espectadores, e na criação de seus filhos. A política da escravidão, das relações de poder racializadas, eram tais que aos escravos era negado o direito de olhar. Desde que soube na infância que o poder dominador que os adultos exerciam sobre mim e o meu olhar nunca era tão absoluto a ponto de eu não ousar olhar, espiar, encarar perigosamente, eu soube que os escravos haviam feito o mesmo. Que todas as tentativas de reprimir o poder nosso/das pessoas negras de olhar havia produzido em nós uma ânsia avassaladora de olhar, um desejo rebelde, um olhar opositivo. Ao termos coragem de olhar, nós desafiadoramente declaramos: ‘Eu não só vou olhar. Quero que meu olhar mude a realidade’”.

Ultimamente, a indústria cinematográfica vem investindo em reparações históricas, incluindo filmes com participação relevante de pessoas negras, com protagonismo às mulheres, principalmente em produções que antes eram encabeçadas pela figura do macho, branco, hétero. No gênero fílmico mais machista de todos os tempos, o faroeste, alguns exemplos recentes tentam quebrar paradigmas, como em Dívida de honra (2014), Godless (2017) e Ataque dos cães (2021). “O revisionismo no western já vem de longa data, pelo menos desde os anos 1960, quando os movimentos sociais das minorias começaram a ter voz real dentro da sociedade ocidental. O papel histórico de indígenas, negros e mulheres começou a ser rediscutido nessa época, ainda que, para os padrões de hoje, esse revisionismo tenha sido bastante tímido, especialmente em relação às mulheres”, avalia Carreiro.

“Mas é preciso cuidado na recepção crítica dos clássicos do cinema. Filmes são documentos históricos que refletem o modo dominante de pensar e agir das elites sociais da época em que foram feitos”, ressalta o professor. “Em minha opinião, isso vale para qualquer filme, de qualquer época: o consumo audiovisual precisa ser sempre um ato crítico e devidamente contextualizado historicamente. E também não se pode esquecer que o ato da recepção em si também está inserido em um contexto social e histórico. O olhar que dirigimos hoje ao faroeste Rastros de ódio (John Ford, 1956) também está socialmente marcado. Esse filme, como qualquer outro, será visto de novas maneiras a cada nova geração. O mais importante de tudo, acho eu, é ter uma postura crítica no ato de olhar.”

O contexto social e histórico é algo que o filósofo Walter Benjamin destacou nesse trecho do ensaio A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (1936): “A singularidade da obra de arte é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da tradição. Esta tradição, ela própria é algo completamente vivo, algo de extraordinariamente mutável. Uma estátua antiga da Vênus, por exemplo, situava-se num contexto tradicional diferente, para os gregos que a consideravam um objeto de culto, e para os clérigos medievais que viam nela um ídolo nefasto”.

Assim como no cinema, a TV norte-americana, que exportava os seus enlatados para todo o mundo, também repetiu o mesmo padrão de priorizar as narrativas sobre personagens brancos e praticamente levou a segregação às suas produções: de um lado, havia programas com brancos, e do outro, alguns poucos com negros, como as séries Everybody hates Chris (2009) e Um maluco no pedaço (1990), realizada devido ao esforço do produtor musical Quincy Jones. A partir da virada dos anos 1980 para os anos 1990, algumas produções inicialmente elogiadas pelo público e pela crítica passaram a ser cobradas por não terem personagens negros, como Seinfeld (1989), Friends (1994) e Sex and the city (1998).

O roteirista e comediante Larry David, cocriador de Seinfeld, na sua série seguinte, Curb your enthusiasm (2000), ainda em exibição na HBO, inseriu um personagem fixo, Leon, interpretado pelo humorista JB Smoove. Já em And just like that (2021), o spin-off de Sex and the city, há reparações baseadas nas críticas feitas à série original e houve inserção de personagens de acordo com as pautas identitárias, com roteiro repleto de itens basilares do politicamente correto contemporâneo. Para se ter ideia de como as coisas eram mais frouxas no passado, no segundo episódio de Sex and the city, um amigo de Carrie mostra a ela filmagens que fez de diversos momentos íntimos com várias mulheres, sem que elas soubessem. Carrie assiste às imagens com ele e sorri bastante. Isso hoje seria impensável.

O questionamento atual, impulsionado pelas redes sociais ou pelo medo de cancelamento, está tão presente na produção artística, que até medalhões como Chico Buarque já realizam o que muitos denominam de autocensura. Depois da polêmica surgida após a revelação, no documentário O canto livre de Nara Leão (2022), de que não cantaria mais Com açúcar, com afeto, o artista, que há anos foge da imprensa, concedeu entrevista à jornalista Regina Echeverria, e garantiu que não mais cantar essa composição foi uma decisão espontânea sua, sem ter havido pressão anterior de feministas.

Na conversa, o artista acrescentou que também deixou de interpretar em seus shows outras composições que, para ele, se tornaram impossíveis de serem cantadas no contexto atual, a exemplo de Pelas tabelas: “Não canto mais porque fala ‘Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela / Eu achei que era ela puxando o cordão’ ou ‘Quando ouvi a cidade de noite batendo as panelas / Eu pensei que era ela voltando’. Não dá mais. Era situada na época das Diretas Já. Ou seja, todo mundo batendo panela de camisa amarela, se eu cantar hoje...(risos). Ficou datada, não é? Não quer dizer que eu renegue a música. Só não canto mais”.

Chico menciona que Mano Brown também retirou músicas do repertório dos Racionais MCs. Uma delas foi Mulheres vulgares, de 1990. Do começo ao fim, a letra é uma sequência de ofensas: “Derivada de uma sociedade feminista / Que consideram e dizem que somos todos machistas (…) É uma cretina que se mostra nua como objeto / É uma inútil que ganha dinheiro fazendo sexo”. O rap é um dos gêneros pródigos em letras machistas e misóginas.

Outro ícone do rap nacional que deixou de cantar música por conta de letra machista, Emicida, vez ou outra, depara-se com algum questionamento referente à composição que é um calo na sua discografia, Trepadeira (2013). Foi polêmica na época do lançamento, gerou protestos de feministas e continua sendo questionada. Uma das perguntas que o compositor paulista enfrentou no Roda Viva, em julho de 2020, tinha essa música como foco. Após ouvir o rapper falar sobre a necessidade de inclusão no hip hop, a jornalista Adriana Couto questionou: “Mas isso é uma revisão que você está fazendo, não é?” e lembrou a música Trepadeira.

Em resposta, Emicida reivindicou o “exercício de liberdade artística” e apontou racismo nas críticas (embora a pergunta tenha sido feita por uma jornalista negra), comparando o fato de Mulheres de Atenas, de Chico Buarque, ter sido aclamada pelas feministas e o samba Trepadeira, não. No entanto, na canção do compositor carioca, outra que não é ouvida nos shows do artista há tempos, a melodia dá o tom necessário de melancolia à denúncia da opressão machista. É difícil alguma mulher entendê-la como um manifesto misógino.

Para levantar vários exemplos como esses, a publicitária Lilian Oliveira criou, com uma equipe feminina, o site Música Machista Popular Brasileira, no qual foram catalogadas dezenas de composições com vários tipos de ofensas às mulheres. Em entrevista à Continente, Lilian conta que os temas dependem de cada década: “As músicas mais antigas falam muito claramente sobre violência doméstica e a gente vai vendo que isso vai sumindo com o passar do tempo de quando a canção foi escrita e gravada. Perto dos anos 1980 e 1990, com a libertação da sexualidade da mulher, há muita música colocando a gente no padrão de puta, vagabunda. Os temas vão se modificando conforme a década”.

Segundo a publicitária, há a intenção de reunir esse material em um banco de dados e catalogar por assunto e por ano, mas ela afirma que um tema se destaca: “De forma geral, é a violência contra a mulher em vários aspectos, psicológico, físico. Mas a gente percebe que os temas vão variando. É possível fazer grupos de décadas que falem mais de uma coisa e outra. Mais pra frente, relacionamento abusivo, muita coisa mascarada. A violência é sempre um tema recorrente e as formas como ela vai acontecendo é que se diferem”.

Para Lilian, é difícil apontar um gênero específico como vilão. “As pessoas questionam por que tem pouco funk. O preconceito contra o funk é muito grande. A gente entende que há um preconceito de classe fortíssimo e concorda que não haja um gênero pior que outro, embora tenha visto o sertanejo universitário romantizar as violências contra as mulheres. Algumas músicas nos preocupam, porque a violência fica nas entrelinhas. Não é só o explícito que é ruim. O não explícito é tão ruim quanto, porque as pessoas ficam com mais dificuldade de enxergar onde começa uma violência e onde termina. Então, de forma geral, não existe um gênero musical que sobressaia, porque é o reflexo da sociedade. É estrutural também, de alguma forma, todos os gêneros musicais absorvem um pouco desse machismo que vem da estrutura e colocam nas letras”.

Para a criadora do site, esse levantamento é importante, pois a produção artística tanto pode refletir quanto influenciar o comportamento: “Música e sociedade se retroalimentam. É um produto cultural. Curioso ver as pessoas com a mão no coração sentindo aquilo profundamente sem notar o quão perversa é a letra. Tem uma música, Ciumento eu, de Henrique e Diego, que diz ‘Ciúme não / É excesso de cuidado’. A gente já ouviu isso de namorado, de familiares. Continuam com essa reprodução, mas sem notar o quanto isso legitima as agressões. A música tem um impacto direto na sociedade. Não é a única culpada. Não faz a agressão girar somente. Ela ajuda a moldar o imaginário cultural também. A música é um meio interessante para essa discussão, porque normalmente o academicismo afasta as pessoas da discussão. E a música, por ser tão popular e ter suas histórias de tocar as pessoas de forma diferente, acaba virando um objeto de discussão muito mais fácil de entender e analisar. Ela impacta diretamente novas e velhas gerações”.

Lilian defende que alguns cantores, intérpretes e compositores precisam se responsabilizar por suas obras e aponta a importância desse revisionismo. “Não acho que tudo é passável. Estamos em 2022, não é possível que as pessoas não possam criar sem machucar, sem violentar, acho que podem fazer melhor que isso. De alguma forma, as pessoas têm que ter responsabilidade dupla pelo que elas expõem, pelo que elas produzem. Entendendo que, a partir do momento que aquilo ganha um impulso e vai pra massa, está, sim, ajudando pessoas de alguma forma. Então, acho que abordagens equivocadas têm impacto fortíssimo na sociedade, a curto, médio e longo prazo. A gente percebe isso olhando pra progressão de temas destas músicas, algumas coisas vão parando de ser ditas. Então, se antes era comum um sambinha de agressão, hoje a gente não escuta mais. Mas a gente escuta o cara ali falando que tudo bem ser ciumento e colocar uma câmera pra seguir a pessoa, que também é uma violência. Então, a gente precisa ficar mais atento.”

DÉBORA NASCIMENTO, jornalista, repórter especial da Continente e colunista da Continente Online.

KARINA FREITAS, designer, ilustradora e especialista em Projetos Digitais.

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