Reportagem

A pedagogia do esperançar [parte 2]

TEXTO DÉBORA NASCIMENTO
ILUSTRAÇÕES SHIKO

01 de Setembro de 2021

Ilustração Shiko

[continuação do especial de capa da ed. 249 | setembro de 2021]

Em novembro de 1979, veio a São Paulo, a pedido do Dom Evaristo Arns. No Teatro Tuca, da PUC, mais de seis mil pessoas o esperavam como uma lenda viva. Em junho de 1980, aos 57 anos, desembarcou no aeroporto de Viracopos em Campinas. Sob homenagens, disse: “Dezesseis anos de ausência exigem uma aprendizagem e uma maior intimidade com o Brasil de hoje. Vim para reaprender o Brasil”.

A intenção inicial de Freire, no retorno do exílio, era voltar a morar em Pernambuco. No entanto, o contexto não era favorável. “Ele não foi para o Recife porque quem conseguiu a sua vinda para o Brasil foi Dom Paulo Evaristo Arns, que disse: ‘Paulo, se você quiser, eu consigo com o ministro da Justiça que você vá para São Paulo. Lá, nós garantiremos que você não vai ser preso ou torturado. Mas só podemos garantir isso em São Paulo, onde moro’”, explicou Nita Freire, em entrevista à Continente.

“O ideal de Paulo era voltar para o Recife. Ele tinha uma obsessão pelo Recife. Dizia ‘Fora do Recife, eu não sei pensar’. Quando Darcy Ribeiro quis levá-lo pra Brasília para fundar a UNB, ele disse, ‘Não faça isso comigo, não. Quando precisar, eu volto aqui, te ajudo. Mas não me tira do Recife’. Dom Paulo conseguiu que Paulo fosse professor da PUC e fizesse suas andanças pela cidade sem ser molestado. Quando pedi à Abin a certidão do que havia registrado contra Paulo, tinha a minha ida com ele a Londres. Mas isso foi em 1992! Imagina você, quantos anos depois. Paulo era ainda vigiado. E se ele estivesse aí no Recife possivelmente teria sido preso ou molestado. Agora nós sempre íamos ao Recife. E compramos um pequeno apartamento em Jaboatão, onde a gente ia constantemente passar férias ou feriados no nosso apartamentinho que mantenho até hoje em Piedade. É bom que o povo do Recife saiba disso”, destaca Nita Freire.

No retorno, quis reassumir as funções na Universidade Federal de Pernambuco, mas, devido às restrições impostas pelo contexto político, aceitou o convite para ensinar na Faculdade de Educação da Unicamp, em Campinas, e logo depois ingressou no Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação da PUC/SP. E participou da fundação do Vereda – Centro de Estudos em Educação, para atuar na formação de professores dedicados à educação popular.

No mesmo 1986 em que recebeu o Prêmio Unesco da Educação para a Paz (em 1987, tornou-se um dos membros do Júri Internacional da entidade), perdeu sua primeira esposa, Elza Maia Costa Freire, no dia 24 de outubro. Foi um período desolador. Porém, o reencontro com Nita (também viúva, à época), que conhecia desde a infância e também como aluna-orientanda no curso de mestrado da PUC, trouxe novamente alegria à sua vida. No dia 27 de março de 1988, eles se casaram.

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Com a chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, que Paulo Freire ajudou a fundar, assumiu o cargo de Secretário de Educação da cidade de São Paulo, em janeiro de 1989, a convite da prefeita Luiza Erundina. Na função, reformulou escolas, colegiados, currículo escolar, capacitou professores, pessoal administrativo e técnico. Além de apoiar os conselhos escolares e grêmios estudantis. Criou também o Movimento de Alfabetização da Cidade de São Paulo (Mova-SP), destinado a jovens e adultos.

“Paulo Freire era afetivo. Ele tinha uma capacidade imensa de escuta. Era capaz de fato de prestar atenção em alguém, independentemente de quem fosse e de qual fosse a fala”, contou, em entrevista à Continente, o educador, filósofo e escritor Mário Sérgio Cortella, que foi o seu último orientando, secretário-adjunto na Prefeitura de São Paulo e substituto no cargo de secretário em 1991. “Duas coisas são decisivas em relação ao aprendizado com Paulo Freire: a humildade pedagógica, a capacidade de saber que não se sabe tudo, mas que é possível, sim, partilharmos, aumentar o vigor do saber que se pode ter. Essa humildade é decisiva, especialmente quando se ocupa uma posição de poder. Em segundo lugar, a possibilidade de colocar alegria, mesmo em meio à dificuldade. Não perder, como ele chamava, a esperança ativa”, relembra Cortella.

Assoberbado de convites e de trabalho burocrático, no dia 22 de maio de 1991, Freire saiu do cargo de secretário, mas continuou colaborando com a educação pública. Pode, enfim, dedicar-se novamente a escrever artigos e livros, à docência na PUC/SP e a fazer suas viagens messiânicas em prol da educação. No dia 25 de maio, visitou um assentamento do Movimento dos Sem-Terra no Rio Grande do Sul, que ficou na memória do movimento.

“Paulo Freire tem uma contribuição direta no surgimento do movimento. Quando ele sai para o exílio na década de 1960, continua produzindo e seus escritos, sobretudo a Pedagogia do oprimido, passam a ser material de estudo dos militantes. Mesmo na clandestinidade, ele continua alimentando a militância a partir de seus escritos. E vai ter uma contribuição enorme no processo de reabertura democrática do país, de surgimento de grandes organizações como instrumento da classe trabalhadora, como a Central Única dos Trabalhadores, contra o sindicalismo pelego, o Partido dos Trabalhadores e o Movimento dos Sem-Terra, na retomada da luta pela terra. Antes, a gente tinha as Ligas Camponesas”, avalia Rubneuza Leandro, assentada, integrante do MST há 34 anos e membro do setor de educação do grupo.



“Hoje, são 1.500 escolas nos assentamentos, onde atuam 10 mil educadores e mais de 100 mil estudantes. Uma pesquisa descobriu o percentual de analfabetos: 18% nas áreas de reforma agrária. Em função do trabalho que a gente realiza com jovens e adultos, esse número diminuiu. No campo em geral, estava em 23%. Levando em consideração que as famílias que vêm pra luta pela terra, não foi só o acesso à terra que lhes foi negado, mas o acesso à educação. Tinha áreas que a gente ocupava que chegava a 93% de analfabetismo. O conhecimento no Brasil é tão concentrado quanto a terra”, afirma Rubneuza.

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Vinte e quatro anos após sua morte, vítima de um infarto em 2 de maio de 1997, aos 75 anos, o nome de Paulo Freire vem sendo vítima de uma campanha difamatória nas redes sociais e por parte até de ministros da Educação do atual governo federal, mesmo sendo o educador um brasileiro laureado com 45 títulos honoris causa pelo mundo inteiro.

Em 2018, quiseram tirar-lhe o título de Patrono da Educação Brasileira, conferido em 2012, por solicitação da então deputada federal Luiza Erundina. Em 2017, a tentativa de retirada da honraria em Sugestão Legislativa (originada a partir de petição pública com mais de 20 mil assinaturas) pelo movimento Escola Sem Partido gerou, como resposta, uma campanha pela manutenção, feita por diversos políticos, intelectuais, acadêmicos, artistas, contando com o apoio de universidades brasileiras e internacionais. A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal rejeitou a sugestão.

“Eles são tão estúpidos, tão necrófilos e tão cruéis, que nada que venha deles pode atingir Paulo e não tem atingido. Esse capitão aí disse que ia pra UNB e ele mesmo ia mandar fazer uma montanha de livros de Paulo e acenderia o lança-chamas pra tocar fogo. Como vou me incomodar com um homem que pensa desse jeito? Essa gente é que é ignorante. Ignorante não é aquele que não foi à escola, mas que sabe falar e argumentar. Eu vejo nordestinos, pobres de zonas miseráveis que sabem falar e argumentar e não ficam com cacoete falando. Essas pessoas são malvadas e não sabem amar. Eles acham que esses pobres não têm direito à vida”, critica Nita Freire.

Para Sérgio Haddad, houve um efeito inverso. “Acho que os ataques, e mais o centenário, tiveram um impacto positivo, porque nunca se falou tanto em Paulo Freire, nunca se publicou tanto, nunca se leu tanto, se fez tanta live, tanta celebração, debate. Outro dia, li que a Pedagogia do oprimido havia crescido a quantidade de vendas muito superior ao que é a média de cada ano. Tem isso. Há um reconhecimento. Eu diria um conhecimento maior dele. Porque muito do que se diz, se diz sem conhecer”. O livro é o terceiro mais citado mundialmente na área das Ciências Sociais segundo dados do Google Acadêmico.

“Nunca, em 30 anos, dei tantas entrevistas falando de Paulo Freire. Nunca tantos livros de Paulo Freire tiveram uma difusão”, diz Cortella. “E não é apenas pelo centenário. Houve uma ressurreição do pensamento freiriano, especialmente quando dizem que ele é o culpado pela questão da educação brasileira. Isso não faz o menor sentido. Desde que Paulo Freire retornou, em 1979, o único cargo que ele ocupou foi na prefeitura de São Paulo. Vou dar o nome de alguns ministros da Educação que o país teve, Marco Maciel, ligado ao PFL de Pernambuco; Hugo Napoleão, PFL do Piauí; Carlos Chiarelli, PFL do Rio Grande do Sul; Jorge Bornhausen, PFL de Santa Catarina, até olharmos os desastres mais recentes. Dizem que a esquerda domina a educação brasileira pública. Se assim fosse, essa esquerda seria de uma incompetência brutal, porque esse povo que vem sendo formado por esses professores acaba votando nas pessoas que vota, seria uma magnífica falta de êxito naquilo que se faz.”

Em um trecho de Pedagogia da esperança (1992), parece que Paulo Freire estava respondendo a seus detratores atuais e aos que defendem o projeto da Escola sem Partido: “Não percebiam, porém, que, ao negarem a mim a condição de educador, por ser demasiado político, eram tão políticos quanto eu. Certamente, contudo, numa posição contrária à minha. Neutros é que nem eram nem poderiam ser”.

Para quem defendia a democratização da educação, Paulo Freire comemoraria hoje a diversidade racial que existe nas universidades, graças à política de cotas raciais e programa de financiamento estudantil. Nos últimos 20 anos, a quantidade de estudantes pretos, pardos e indígenas (PPI) triplicou nessas instituições. Em 1999, eram 15% dos estudantes universitários; em 2019, 46%. Em 1995, os 20% mais pobres da população representavam apenas um de cada 100 vagas nas universidades. Em 2015, eram seis a cada 100. Mas houve um retrocesso e a proporção caiu para cinco a cada 100 em 2019. O programa de financiamento estudantil, o Fies, teve seu auge em 2014, quando chegou a bancar 733 mil vagas. Em 2021, foram apenas 93 mil financiados.

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Segundo dados do Centro de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais do Inep e do Ministério da Educação, houve um aumento no número de universitários. Em 2000, o país tinha 2,7 milhões de matriculados em cursos de graduação. Em 2019, 8,6 milhões. Em 2002, os cursos de graduação a distância, surgidos no fim dos anos 1990, também aumentaram o número de alunos. Em 2009, a cada 100 matrículas, 14 eram de cursos a distância. Em 2019, eram 28,5. No entanto, o país fica atrás de outros países no ranking de adultos de 25 a 34 anos com Ensino Superior completo (21%): Estados Unidos (49%), Argentina (40%), Chile (34%), Colômbia (30%) e México (24%).

Mais de 60 anos após a realização das primeiras experiências de educação de adultos de Paulo Freire, a taxa de analfabetismo no Brasil ainda é alta. O número de analfabetos acima de 15 anos vem diminuindo a passos vagarosos durante as décadas: 1900 (65,3%), 1920 (65%), 1940 (56,1%), 1950 (50,6%), 1960 (39,7%), 1970 (33,7%), 1980 (25,9%), 1991 (19,7%), 2000 (13,6%), 2010 (9,6%).

O Brasil tem ainda 11,5 milhões de analfabetos. A taxa analfabetismo calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra estagnação do analfabetismo absoluto no país, com 7% das pessoas acima de 15 anos sem saber ler ou escrever (11, 5 milhões, curiosamente mesmo número da década de 1960, sendo o percentual diferente). A maior parte do total de analfabetos com 15 anos ou mais, 56,2% (6,2 milhões de pessoas) vive no Nordeste. Enquanto 9,5% dos brancos não sabem ler ou escrever, entre os pretos e pardos, esse percentual é quase três vezes maior: 27,1%.

Se os números do IBGE são gritantes, há um dado mais alarmante: três em cada 10 pessoas entre 15 e 64 anos (29% do total) no Brasil são consideradas “analfabetos funcionais”, segundo estudo do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf). Em outras palavras, 38 milhões de brasileiros têm muita dificuldade para se expressar por meio de palavras, entender frases simples, ironias ou discernir informações em um cartaz de vacinação (um dos objetos realmente utilizados pelo estudo, realizado antes da pandemia). Também não sabem efetuar contas básicas de aritmética. De acordo com a pesquisa do Inaf, entretanto, os analfabetos funcionais são usuários frequentes de redes sociais: 86% usam WhatsApp; 72%, Facebook, e 31%, Instagram.

Em 20 anos, o índice de analfabetismo funcional caiu de 40% para 30%, mas permanece alto. Isso torna irreal atingir a meta do Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), que é de zerar a taxa até 2024. Ao contrário, essa situação pode sofrer um agravamento com a pandemia. Além do analfabetismo, a crise sanitária, que interrompeu as aulas presenciais, veio agravar diversos problemas na educação brasileira.

Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a educação pode retroceder até quatro anos depois desse longo período de salas de aulas vazias – sem contar que, segundo o Unicef, quase 50% dos brasileiros retiraram alimentos essenciais de sua dieta, sendo a fome e a desnutrição nefastas ao rendimento escolar. O estudo aponta que, em média, alunos do 5o ao 9o ano perderam 34% do conteúdo. No Ensino Médio, 33%. A evasão escolar dobrou no Ensino Médio: 11%. Mais de 1/3 dos jovens brasileiros entre 20 e 29 não estão trabalhando nem estudando.

“O Brasil tem grandes questões em relação à educação pública: a primeira é a democratização do acesso e da permanência. Nós tivemos muitos avanços nos dois governos do Fernando Henrique, do Lula e no da Dilma. Mais de 97% das crianças matriculadas, mas a questão da permanência falhou. Há uma evasão forte, que Paulo Freire chamava de expulsão. E esse momento pandêmico aumentou essa retirada do processo escolar, no campo da educação básica, mais ainda no Ensino Médio”, analisa Cortella.

O Ministério da Educação foi a pasta que teve maior bloqueio no orçamento de 2021. Houve um corte de R$ 2,7 bilhões. No total, considerando todas as universidades, o corte foi de R$ 1,704 bilhão. Para a Capes, a diminuição da metade dos recursos, de 4,2 bilhões, para 2,2 bilhões, comprometendo aulas e diversas pesquisas em andamento, inclusive sobre a Covid-19, que tem 17 projetos para uma vacina nacional.

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Quais pautas Paulo Freire abraçaria hoje? “Primeiro, a defesa intransigente da escola pública, gratuita, universal, de natureza popular. Acho que atacaria todo o processo de desmanche não só pela Emenda 95, que retira recursos da Educação, mas também pela desvalorização da escola pública, por todo esse pensamento da escola sem partido, do homeschooling, de uma série de formas de esgarçar a ideia de uma escola pública para todos, nesse sentido de elevar os setores oprimidos a participar da sociedade”, elenca Sérgio Haddad.

“Muita gente acha que o pensamento de Freire era só para a educação popular. Mas ele sempre defendeu a escola, porque acreditava que era possível fazer uma escola emancipatória, que atendesse à maioria”, complementa Haddad, sobre o educador que dá nome a dezenas de escolas públicas espalhadas pelo país. “Ele também seria bastante crítico com relação às orientações de hoje que estão muito focadas numa escola para o mercado, só para a formação de mão de obra, com supervalorização da ideia de meritocracia. Também seria bastante contrário à ideia dessas escolas civil-militares, com a ideia de que a escola precisa de autoridade vertical. Ele era a pessoa do diálogo que, quando esteve na secretaria, abriu para participação da população, da comunidade, dos professores. As escolas eram abertas nos fins de semanas para serem ocupadas.”

Mesmo voltando a viver numa democracia, nas décadas de 1980 e 1990, Paulo Freire tinha receio de uma nova ameaça ditatorial. “Ele dizia: ‘Nita, eu não digo isso publicamente, mas nós não estamos livres de um novo golpe’. Eu dizia: ‘Paulo, acho que não’. Discutíamos isso muitas vezes. Ele dizia: ‘Nita, viajei por quase o mundo todo e nunca vi uma elite mais cruel do que essa brasileira, ela não quer que o povo seja sujeito, que participe da história, que não viva em condições miseráveis, o que a elite quer é explorar demais, o povo vive em condições insalubres, as crianças andando pelos esgotos, sem ter o que comer, sem ter onde morar’. Então, a elite é quem faz, junto com as forças militares, que são formadas dentro dessa mentalidade totalmente pervertida, que fez o golpe da outra vez, que deu o sustentáculo ao que os empresários queriam, sobretudo os norte-americanos. Procuraram as forças militares que aderiram às ideias e que fizeram golpe. E a mesma história está se passando agora”, analisa Nita Freire.

“A ditadura estragou o Brasil por muito tempo e continua estragando hoje. Evidentemente que a ditadura não inaugurou no Brasil”, respondeu Paulo Freire, em 1989, a um pergunta de um estudante no programa Matéria Prima (TV Cultura), apresentado por Serginho Groisman: “O autoritarismo está entranhado na natureza mesmo da nossa sociedade. O Brasil foi inventado no autoritarismo. Mas os militares deram uma indiscutível contribuição ao autoritarismo. Ajudaram a crescer o autoritarismo, a violência, a mentira, foi uma coisa trágica, acho que esse período, Deus queira que jamais se reinvente, meu gosto é que nós todos tomemos um tal gosto pela liberdade, pela presença no mundo, pela pergunta, ação, criatividade, denúncia, que jamais seja possível a gente voltar àquela experiência do pesado silêncio sobre nós”.

“Eles não têm medo de Paulo Freire, têm medo da alfabetização. Por que, desde a redemocratização, nenhum governo eleito democraticamente retomou, no MEC, o trabalho de alfabetização com o método de Paulo Freire? Porque não têm interesse em leitor conscientizado. Há uma nova forma de cabresto eleitoral ou coisa que o valha. Hoje, em número real e número absoluto, nós temos mais analfabetos do que tínhamos em 1963”, critica Marcos Guerra, ex-monitor de alfabetização em Angicos, que, com o golpe militar, também foi preso e teve que exilar-se na França.

Em 1963, após quase três meses de alfabetização de Angicos, quando se aproximou o final das aulas, os monitores perceberam um comportamento em comum nos alunos, ex-analfabetos. Começaram a demonstrar um estranho retrocesso, diziam não saber o que os alfabetizadores tinham certeza que eles saberiam. Os monitores chegaram à seguinte conclusão: era um artifício usado pelos alunos, que não queriam o fim das aulas, seja porque estavam aprendendo bastante, seja porque vinham recebendo inesperados carinho e atenção, quando costumavam ser apenas explorados em suas vidas. Valdice, aos 72 anos, gostaria que voltassem essas aulas e nunca esqueceu a sua professora Valquíria e o professor Paulo Freire. O que comprova a profunda verdade de uma das frases freirianas, esta, baseada na memória que o Patrono da Educação Brasileira guardava de sua professorinha Eunice: “O educador se eterniza em cada ser que educa”. 

“É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar;
porque tem gente que tem esperança do verbo esperar.
E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera.
Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás,
esperançar é construir, esperançar é não desistir!
Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros
para fazer de outro modo.”
(Paulo Freire) 

DÉBORA NASCIMENTO, jornalista, repórter especial da Continente e colunista da Continente Online.

SHIKO, ilustrador, autor de histórias em quadrinhos e grafiteiro.

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