Maíca, filha de Biu Roque e esposa do Mestre Luiz Paixão, segura o bage. Foto: Eric Gomes
Levando uma vida tranquila em sua casa própria, paga através de sua própria arte, ele afirma só sair de lá para tocar; no máximo, vai ao sítio onde seu sogro vivia, que é, hoje em dia, onde Cristiana, a filha de Maíca, mora. Lá, Seu Luiz voltou a se dedicar a uma de suas paixões: o cultivo de milho, macaxeira e vagem. “Nasci no engenho plantando de tudo na vida. No campo, sei fazer tudo”, afirma.
A equipe da Continente foi recebida com sorriso no rosto – junto ao bom humor de Seu Luiz que nos acompanhou por todo o dia. Em seguida, nos pediu licença, já que iríamos gravar e fotografar, para se arrumar, pôr um de seus chapéus e pegar sua “bichinha” para tocar, como se refere à rabeca.
Entre alguns trechos de músicas como Caldo de cana, Arrumadinho e Forró do Cambará, relembrou seu início com o instrumento. Sua trajetória com a rabeca se confunde com sua própria história. Quase que o ditado “filho de peixe, peixinho é” o servia, mas as primeiras vivências se deram por conta de seu avô, tios e primos. Seu pai preferia pandeiro e triângulo. “Sou filho de uma família de rabequeiros. Para aprender a tocar, fui escutando meu avô Severino e meus tios. Pequeno, eu disse: ‘Vou aprender a tocar esse instrumento bonito’. Aí comecei a ficar no pé deles”, contou para a gente.
Uma combinação de talento e “malícia” o acompanha, que é facilmente observável pela ousadia com o instrumento e nas melodias de sua autoria. Escutava os familiares tocando e nos intervalos em que descansavam as rabecas em cima da cama, ele aproveitava para treinar escondido os sons que tinha escutado. Essas “presepadas”, como ele mesmo chama, aconteciam principalmente aos domingos, quando toda a família se reunia no Engenho Palmeira, onde morou seus primeiros anos. Daqueles tempos, Seu Luiz relembra: “A gente se ajuntava sempre no domingo pra tomar cachaça, almoçar, tocar rabeca, bater pandeiro e triângulo. Não existia esse nome chamado zabumba, chamava melê. Era olho no padre, olho na missa e eu ficava sentado na beira da cama caçando o que eles faziam com a rebeca bem baixinho. Depois corria de novo pela cozinha. Quando ele pegava, já tava encostado”.
De sua dedicação, logo aprendeu duas notas. “Tio Antônio morava perto da minha casa, mais pra baixo um pouco. Num dia de domingo, com dois abacaxis amarrados no gogó, uma pra frente, outra pra trás e uma garrafa de Pitú. Meio bicado.. 'Bença tio!', 'Deus te abençoe! Vamos fazer uma farradinha?'. Eu disse: 'Bora'. Nesse tempo, eu já remendava no pandeiro e ele pegou a rabeca, deu uma afinada, me deu pra eu tocar e eu falei: 'Pois tá, Tio. Eu já sei tocar isso'. Ele me deu a bichinha e foi mesmo que eu ter caído dentro do céu”, conta sobre os primeiros contatos com o instrumento de modo autodidata. No entanto, até ali, por volta de seus 12 anos, só sabia tocar duas únicas notas. De modo pedagógico, Tio Antônio a pegou de volta, desafinou e devolveu para Luiz, mas aí não saía mais o mesmo som. Foi assim que aprendeu a importância da afinação e como ele mesmo poderia fazer isso.
ESTRADA
Das vivências mais recentes, ele participou do Encontro da Rabeca, Violino e Orocongo no Sesc Ipiranga (São Paulo), em 1998, a convite de Antonio Nóbrega e com Jonh Murphy, etnomusicólogo da Columbia University (NY), participou do Congresso de Etnomusicologia, na Flórida, em fevereiro de 1999, como representante da rabeca no Brasil. Por volta de 2002, a cantora Renata Rosa o chamou para participar da gravação do primeiro CD dela. “Em 2005, ela fez: 'Vamos gravar seu trabalho'. E gravamos meu primeiro CD, Pimenta com Pitú. O mais recente foi em 2012, com a produção já de Lia Menezes. Nisso, já toquei com várias pessoas nesse mundo. E estou seguindo a vida assim”. No lançamento do projeto Caravana Rabequeiros de Pernambuco, em 2012, o músico Cláudio Rabeca reuniu grande parte de tocadores que tinham alguma relação com o estado. Já na abertura do disco, antes do Baião Novo começar, seu autor, Mestre Luiz Paixão faz graça: “Eu vou passar um breuzinho aqui pra o som ficar bom”.
Sua primeira rabeca, conseguiu trocando por uma galinha. Começou a trabalhar aos oito anos cortando cana com seu pai, Odilon Paixão. Todo dia à noite, quando chegavam em casa umas seis horas. Depois do jantar, afinava e começava a treinar. Seu pai batia triângulo. Aos 15 anos, já tocava nos bancos de cavalo marinho. “Eu era menino, por isso o povo queria ver. Desses anos, já toquei em todos os bancos dessa Zona da Mata”, afirma Seu Luiz. Naqueles tempos, toda semana tinha o folguedo, diferente deste ano: a última vez que participou da brincadeira foi no Dia de Reis, 6 de janeiro, na Casa da Rabeca.
As folias de São João, este ano, ficaram comprometidas. Numa época em que normalmente toca bastante, a cultura popular acaba sendo uma das primeiras a ter interferências nos investimentos públicos, com os cortes nos gastos do governo direcionados para alguns artistas. Seu Luiz conta que já chegou a fazer de sete a oito shows no São João, no entanto, este ano tocou apenas uma vez. Para o futuro, está com viagem marcada para tocar na cidade de Nantes, na França. “Viajo dia 30 de setembro para tocar forró no início de outubro.” Ele participa da Festa Nordestina, organizada por Brasil No Pé & Macaiba, e afirma: “Vai ser animado!”
Os itens de vida do Mestre Luiz Paixão. Foto: Eric Gomes
ERIKA MUNIZ, formada em Letras pela UFPE, estudante de jornalismo pela Unicap, estagiária da revista Continente.
ERIC GOMES, fotojornalista e documentarista graduado em Geografia pela UFPE. Desenvolve pesquisa com indígenas, quilombolas e movimentos sociais.