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Gravações feitas em estúdio casarão são base para o disco póstumo de Paulo Rafael

TEXTO José Teles

10 de Julho de 2025

Fotos Acervo Paulo Rafael

Nesta sexta-feira, 11 de julho, o músico, produtor, compositor Paulo Rafael completaria 70 anos. Sua filha, Rafaela Rafael, curadora do acervo do pai, planeja uma série de homenagens para preservar sua memória, que inclui disponibilizar seus discos nas plataformas de streaming, um documentário, e um mais um álbum de inéditas, Itamaracá 80, o título.

“É um material muito especial. Tanto pelo contexto no qual se dão as gravações originais, entre 83 e 84, e tudo o que se passa na vida de Paulo em 10 anos de carreira, até ali. Como pelas suas cordas que transitam por temas muito diversos, é uma “viagem musical” – como ele anuncia, digo que contém o DNA das cordas de PR, conta Rafaela Rafael. “Diante deste extenso material (são 16 faixas), o Cristhian Almeida, que é meu companheiro e produtor musical do álbum, convidou diversos artistas e instrumentistas, e foi criando duos atemporais. Daí o material se tornou um tributo. E diante da presença forte dos nossos guitarristas, para mim este álbum é um documento histórico da guitarra brasileira”.

Os demais projetos, ela diz que virão aos poucos: “O documentário está em stand by, porque demanda um tempo maior de feitura. Vou tocar uma coisa de cada vez. Mas sigo em paralelo reunindo material e fazendo pesquisa através do acervo Paulo Rafael”.

A digitalização e o tratamento do som foram feitos no Estúdio Time Forte, no Rio de Janeiro. “Com o objetivo de ter um melhor resultado e obter ganhos nas guitarras, foi feito o processo de reamp, repassando e gravando o som através dos amplificadores usados por Paulinho, inclusive um deles é o raríssimo Acustic valvulado primeiro modelo pré-mesa Boggie, seu xodó, adquirido em 1982”, detalha Rafaela sobre o tratamento dado às gravações registradas há mais de 40 anos.

Christian Almeida arregimentou muita gente para participar do disco, entre outros: Alceu Valença e Juba (vozes), Carlos Malta, Marcos Suzano, os guitarristas Lúcio Maia, Robertinho de Recife, Neilton Carvalho (da Devotos, que também assina a arte do disco) e Roberto Barreto (Baiana System); Laís de Assis (viola), Cássio Cunha (bateria), Marcio Lo Miranda (teclados), Mauricio Oliveira (baixo), Fernando Nunes (baixo). “A atemporalidade é um elemento presente no disco não somente por combinar tecnologias analógicas com digitais, gravações antigas e atuais, mas também pela diversidade dos temas pelos quais o músico transita, reforçando sua criatividade e versatilidade. ‘É uma grande viagem musical’, escutamos a voz de Paulo anunciar em uma faixa”, adianta Rafaela Rafael.

Seria coincidência chamar-se Orange (1988) a estreia solo de Paulo Rafael, e este primeiro disco solo póstumo ser intitulado Itamaracá? Orange é o forte construído, em 1631, pelos holandeses na ilha. O motivo vem de Tropicana (Morena Tropicana), um dos maiores sucessos de Alceu Valença (com Vicente Barreto), faixa do disco Cavalo de pau (1982), o mais vendido do cantor, e produzido por Paulo Rafael. A canção mais popular do álbum rendeu tanto em diretos autorais que Alceu decidiu conceder um bônus ao guitarrista. Com o que recebeu, ele comprou uma casa em Itamaracá, onde montou um pequeno estúdio, com um gravador de quatro canais. As 16 faixas de Itamaracá vêm das gravações que Paulo Rafael realizou nesse estúdio.

Guitarrista

Em um vídeo que mostra Paulo Rafael conversando com Juliano de Holanda, ele diz que começou tirando músicas de iê-iê-iê, depois foi para algo mais difícil, como Carinhoso (Pixinguinha/Braguinha), bossa nova. Queria coisas mais complexas. Aí conta que descobriu que queria fazer coisas simples, mas, com efeito. Discreto, de evitar firulas ou pirotecnias, na guitarra tocava o essencial.

Nessas listas que se fazem de maiores ou melhores, quase nunca figura o nome de Paulo Rafael (numa delas tem até o de Marília Mendonça)). Mas seu talento não passava despercebido por jornalistas, caso de Miguel de Almeida, então na Folha de S. Paulo. Comentando a guitarra em Anunciação (de Anjo avesso, 1983): “Paulo é dos poucos guitarristas brasileiros a compreender o espaço da voz humana, pois recria as canções em poucas cordas, nunca abusa dos volumes, apenas encontrou os silêncios das cirandas e dos maracatus”.

Alceu Valença ao analisar a desempenho de um guitarrista que tanto conhecia, e cuja evolução acompanhou, foi curto e grosso: “Paulinho não se parece com ninguém tocando, e isso é bom, porque não suporto cópias. Prefiro a originalidade ao virtuosismo”.

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